The Theosophical Society,
Escritas do Annie Besant
(1847 -1933)
O
Cristianismo Esotérico
ou
Os Mistérios Menores
De
Annie
Besant
3ª Impressão
Reimpresso em 1914
Ingles:- Esoteric
Christianity
Prefácio
CAPÍTULO I O Lado Oculto das Religiões
CAPÍTULO II O Lado Oculto do Cristianismo
CAPÍTULO III O Lado Oculto do
Cristianismo - Conclusão
CAPÍTULO IV O Cristo Histórico
CAPÍTULO V O Cristo Mítico
CAPÍTULO VI O Cristo Místico
CAPÍTULO VII A Expiação dos Pecados
CAPÍTULO VIII Ressurreição e Ascensão
CAPÍTULO IX A Trindade
CAPÍTULO X A Oração
CAPÍTULO XI O Perdão dos Pecados
CAPÍTULO XII Os Sacramentos
CAPÍTULO XIII Os Sacramentos - Continuação
CAPÍTULO XIV Revelação
“Ao procedermos à
contemplação dos mistérios do conhecimento, havemos de aderir à celebrada e
venerável regra da tradição, começando pela origem do universo, apresentando
aqueles pontos da contemplação física que é necessário termos como base, e
removendo quaisquer obstáculos que possam haver no caminho; de modo que o
ouvido possa ser preparado para a recepção da tradição da Gnose, sendo limpo de
ervas daninhas o solo e preparado para o plantio do vinhedo; pois há um
conflito antes do conflito, e mistérios antes dos mistérios”. São Clemente de
Alexandria
“Que a amostra baste para
os que tem ouvidos. Pois não se requer desvelar o mistério, mas apenas indicar o
que é suficiente”. São Clemente de Alexandria
“Quem tiver ouvidos, que
ouça”. São Mateus
O objetivo deste livro é
sugerir certas linhas de pensamento sobre as profundas verdades subjacentes ao
Cristianismo, verdades geralmente consideradas de modo superficial, e mui
freqüentemente negadas. O generoso desejo de dividir com todos o que é
precioso, de disseminar amplamente verdades inestimáveis, de não excluir
ninguém da iluminação do conhecimento, resultou em um zelo indiscriminado que
vulgarizou o Cristianismo, e tem apresentado seus ensinamentos sob uma forma
que freqüentemente repele o coração e aliena o intelecto. O mandamento de
“pregar o Evangelho a todas as criaturas” (Marcos, XVI, 15) - embora
reconhecidamente de autenticidade duvidosa - tem sido interpretado como
proibindo o ensino da Gnose só a poucos, e aparentemente ignorou o dito menos
popular do mesmo Grande Instrutor: “Não deis o que é santo aos cães, nem
lanceis vossas pérolas aos porcos” (Mateus, VII, 6).
Este sentimentalismo
espúrio - que se recusa a reconhecer as desigualdades óbvias de inteligência e
moralidade, e por isso rebaixa o ensino do altamente evoluído para o nível
alcançável pelo menos evoluído, sacrificando o mais elevado ao menos elevado de
um modo que prejudica a ambos - não tinha lugar no viril bom senso dos Cristãos
primitivos. São Clemente de Alexandria diz incisivamente, após aludir aos
Mistérios: “Mesmo agora eu receio,
Se o verdadeiro conhecimento,
a Gnose, há de formar parte novamente dos ensinos Cristãos, só poderá sê-lo com
as antigas restrições, e a idéia de o rebaixarmos às capacidades dos menos
evoluídos deve definitivamente ser abandonada.. Somente pelo ensino acima do
nível de compreensão do pouco evoluído pode ser aberto o caminho para uma
restauração do conhecimento arcano, e o estudo dos Mistérios Menores deve
preceder o dos Maiores. Os Maiores jamais serão publicados através de livros;
eles só podem ser transmitidos de Mestre a discípulo, “da boca para o ouvido”.
Mas os Mistérios Menores, que são o desvelar parcial de verdades profundas,
podem ser restaurados agora mesmo, e um volume como este tenciona delineá-los,
e apresentar a natureza dos ensinamentos que devem ser dominados. “Onde só são
dadas sugestões, a tranqüila meditação sobre as verdades sugeridas com
discrição faz que seus contornos se tornem visíveis, e a luz mais clara obtida
com a meditação continuada aos poucos as apresentará mais completamente. Pois a
meditação aquieta a mente inferior, sempre engajada no pensamento sobre objetos
externos, e só quando a mente inferior fica tranqüila ela pode então ser
iluminada pelo Espírito. O conhecimento das verdades espirituais deve ser
obtido assim, a partir de dentro, e não de fora, do Espírito divino cujo templo
nós somos” (I Coríntios, III, 16), e não de um Instrutor externo. Estas coisas são “discernidas
espiritualmente” por aquele divino Espírito interior, aquela “mente de Cristo”
da qual fala o Apóstolo (ibid., II, 14-16), e esta luz interna é lançada sobre
a mente inferior.
Este é o caminho da
Sabedoria Divina, da verdadeira TEOSOFIA. Ela não é, como alguns pensam, uma
versão diluída do Hinduísmo, ou do Budismo, ou do Taoísmo, ou de qualquer
religião particular. Ela é tão verdadeiramente Cristianismo Esotérico como é
Budismo Esotérico, e pertence igualmente a todas as religiões, e a nenhuma com
exclusividade. Esta é a fonte das
sugestões feitas neste pequeno volume, para o auxílio daqueles que buscam a Luz
- aquela “verdadeira Luz que ilumina todos os homens que vêm ao mundo” (João,
I, 9), embora a maioria ainda não tenha aberto seus olhos para ela. Ela não
traz a Luz. Apenas diz: “Vêde a Luz!”. Assim ouvimos. Ela apela somente aos
poucos que anseiam por mais do que os ensinamentos exotéricos lhes dão. Pois
ela não é dirigida para aqueles que estão satisfeitos com os ensinamentos
exotéricos, pois por que o pão deveria ser forçado aos que não têm fome? Para
aqueles que têm fome, possa ela provar-se pão, e não pedra.
Muitos, talvez a maioria,
que virem o título deste livro, de imediato objetarão, e negarão que haja
qualquer coisa valiosa que possa ser descrita corretamente como “Cristianismo
Esotérico”. Existe uma idéia amplamente disseminada, e além disso muito
popular, de que não existe essa coisa de um ensino oculto em conexão com o
Cristianismo, e que “Os Mistérios”, sejam Menores ou Maiores, foram uma
instituição puramente Pagã. O próprio nome dos “Mistérios de Jesus”, tão familiar
aos ouvidos dos Cristãos dos primeiros séculos, soaria com um choque de
surpresa nos de seus sucessores modernos, e, se mencionado como denotando uma
instituição especial e definida na Igreja Primitiva, provocaria um sorriso de
incredulidade. Na verdade tem se tornado
um motivo de gracejos que o Cristianismo não possua segredos, que o que quer
que tenha a dizer o diz para todos, e o que quer que tenha a ensinar, ensina
para todos. Suas verdades são supostas ser tão simples que “um caminhante,
embora tolo, não possa enganar-se com elas”, e o “Evangelho simples” se tornou
uma frase feita.
É necessário, portanto,
provar claramente que pelo menos na Igreja Primitiva o Cristianismo não ficava
nem uma vírgula atrás das outras grandes religiões no fato de possuir um lado
oculto, e que ele guardava, como tesouro inestimável, os segredos revelados em
seus Mistérios somente a uns poucos escolhidos. Mas antes de fazermos isto será
bom considerarmos toda a questão do lado oculto das religiões, e averiguarmos
por que um tal lado deve existir se uma religião há de ser forte e estável;
pois assim sua existência no Cristianismo parecerá uma conclusão natural, e as
referências a ele nos escritos dos Padres Cristãos parecerão simples e naturais
em vez de surpreendentes e ininteligíveis. Como um fato histórico, a existência
deste esoterismo é demonstrável; mas pode ser demonstrado também que
intelectualmente é uma necessidade.
A primeira questão que
devemos responder é: Qual é o objetivo das religiões? Elas são dadas ao mundo
por homens mais sábios do que as massas do povo ao qual são outorgadas, e têm o
propósito de estimular a evolução humana. A fim de fazer isto efetivamente elas
devem atingir os indivíduos e influenciá-los. Mas os homens não estão todos no
mesmo nível de evolução, a evolução poderia ser figurada como uma escala
progressiva, com homens em todos os estágios. Os mais altamente evoluídos estão
muito acima dos menos evoluídos, tanto em inteligência como em caráter; as suas
capacidades de entender e de agir também variam em cada estágio. Portanto, é
inútil dar a todos o mesmo ensino religioso; aquilo que ajudaria o homem
intelectualizado seria inteiramente ininteligível para o estúpido, enquanto que
aquilo que lançaria o santo em êxtase deixaria o criminoso inabalado. Se, por
outro lado, o ensinamento adequado para auxiliar o não inteligente é
intoleravelmente cru e tosco para o filósofo, enquanto que aquilo que redime o
criminoso é completamente inútil para o santo. Mesmo assim todos os tipos (de
pessoas) precisam de religião, de modo que cada um possa se alçar a uma vida
mais elevada do que aquela que está levando, e nenhum tipo ou nível deve ser
sacrificado a nenhum outro. A religião deve ser tão graduada como a evolução,
senão falhará em seu objetivo.
A seguir vem a questão: De
que modo as religiões procuram estimular a evolução humana? As religiões buscam
desenvolver as naturezas moral e intelectual, e auxiliar a natureza espiritual
a desabrochar. Considerando o homem como um ser complexo, elas procuram tocá-lo
em todos os pontos de sua constituição, e portanto trazer mensagens adequadas
para cada um, ensinamentos adequados às mais diversas necessidades humanas. Os
ensinamentos devem portanto ser adaptados a cada mente e coração a que são
endereçados. Se uma religião não alcança e adestra a inteligência, se ela não
purifica e inspira as emoções, terá falhado em seu objetivo, até onde isso
envolver a pessoa buscada.
Ela assim não apenas se
dirige à inteligência e às emoções, mas procura, como foi dito, estimular o
desabrochar da natureza espiritual. Ela responde àquele impulso interno que
existe na humanidade, e que está sempre impulsionando a raça para diante. Pois
fundo no coração de todos - amiúde suplantada por situações transitórias,
amiúde submersa debaixo de interesses e ansiedades prementes - existe uma
contínua busca por Deus. “Assim como o cervo busca pelas fontes d’água, assim
busca” (Salmos, XIII, 1) a humanidade por Deus.
A busca às vezes é interrompida durante algum tempo, e o anelo parece
desaparecer. Fases são recorrentes na civilização e no pensamento, daí que este
grito do Espírito humano pelo Divino - buscando sua fonte assim como a água
busca seu nível, para tomar um exemplo de Giordano Bruno - este anelo do
Espírito humano por aquilo que lhe é semelhante no universo, da parte pelo
todo, parece aquietar-se, parece ter-se desvanecido; não obstante o anelo
reaparece e o Espírito lança o mesmo grito. Sufocado por algum tempo,
aparentemente destruído, mesmo que a tendência do momento possa ser esta, ele
se ergue de novo e novamente com persistência imorredoura, repete-se sempre e
sempre, não importa quantas vezes tenha silenciado; e assim prova-se constituir
uma tendência inerente à natureza humana, e portanto uma parte constituinte
inerradicável. Aqueles que declaram triunfantes “Ora!, está morto!” o encontram
face a face de novo, e com a mesma vitalidade. Aqueles que edificam sem dar-lhe
espaço vêem seus edifícios tão bem construídos derrocar como se abalados por um
terremoto. Aqueles que o sufocam encontram as mais brutas superstições
seguirem-se à negação. É tanto uma parte integral da humanidade, que o homem
terá alguma resposta aos seus questionamentos; antes uma resposta falsa do que
nenhuma. Se ele não puder encontrar a verdade religiosa, ele abraçará o erro
religioso antes do que ficar sem religião alguma, e aceitará os ideais mais
toscos e incongruentes do que admitir a inexistência do ideal.
A religião, assim, satisfaz
esta ânsia, e tomando conta do constituinte humano que lhe dá surgimento, o
treina, fortalece, purifica e guia em direção ao seu fim próprio - a união do
Espírito humano com o divino, de modo “que Deus possa ser tudo em todos” (I
Coríntios, XV, 28).
A próxima pergunta com que
nos deparamos neste estudo é: Qual a origem das religiões? A isto foram dadas
duas respostas nos tempos modernos - a da Mitologia Comparada e a da Religião
Comparada. Ambas respaldam suas respostas em uma única base comum de fatos
admitidos. A pesquisa provou irrefutavelmente que as religiões do mundo são marcadamente
semelhantes nos seus ensinamentos principais, na existência de Fundadores que
apresentam poderes sobre-humanos e extraordinária elevação moral, nos seus
preceitos éticos, no seu uso de meios para entrar em contato com os mundos
invisíveis, e nos símbolos pelos quais expressam suas crenças principais. Esta
similaridade, chegando em muitos casos até a identidade, prova - de acordo com
ambas escolas - uma origem comum.
Mas sobre a natureza desta
origem comum as duas escolas estão em litígio. Os Mitologistas Comparados
pretendem que a origem comum seja a ignorância comum, e que as mais elevadas
doutrinas religiosas sejam simplesmente expressões refinadas das crenças cruas
e bárbaras dos selvagens, dos homens primitivos, a respeito de si mesmos e do seu
ambiente. O animismo, o fetichismo, o culto à natureza, o culto ao sol - estes
são os constituintes do barro primevo do qual brotou o esplêndido lírio da
religião. Um Krishna, um Buda, um Lao-Tsé, um Jesus, são altamente civilizados,
mas descendentes diretos do curandeiro dançante do selvagem. Deus é uma
fotografia compósita dos inumeráveis Deuses, os quais são personificações das
forças da natureza. E assim por diante. E é tudo resumido na frase: as
religiões são ramos de um tronco único - a ignorância humana.
A Religião Comparada
considera, por outro lado, que todas as religiões sejam originadas dos
ensinamentos dos Homens Divinos, que dão a diferentes nações do mundo, de
tempos em tempos, as partes das verdades fundamentais da religião que os povos
são capazes de receber, ensinando sempre a mesma moralidade, inculcando o uso
de meios similares, empregando os mesmos símbolos significativos. As religiões
selvagens - animismo e o resto - são degenerações, resultados da decadência,
distorcidos e atrofiados descendentes das verdadeiras crenças religiosas. O
culto ao sol e as formas puras de culto à natureza foram, em seus dias, nobres
religiões, altamente alegóricas, mas cheias de verdade e conhecimento
profundos. Os grandes Instrutores - como é proclamado pelos Hinduístas,
Budistas, por alguns que estudam a Religião Comparada, como os Teosofistas -
formam uma Fraternidade perene de homens que se elevaram para além da
humanidade, que aparecem em certas épocas para iluminar o mundo, e que são os
guardiães espirituais da raça humana. Esta visão pode ser resumida na frase:
“As religiões são ramos de um tronco único - a Sabedoria Divina”.
Esta Sabedoria Divina é
chamada de Sabedoria, Gnose, Teosofia, e alguns, em diferentes eras do mundo,
desejaram enfatizar assim sua crença nesta unidade das religiões preferindo o
nome eclético de Teosofia, antes do que qualquer designação mais estreita.
O valor relativo dos
argumentos das duas escolas opostas deve ser julgado pela reunião das
evidências apresentadas por cada uma. A aparição de uma forma degenerada de uma
idéia nobre pode semelhar-se muito ao produto refinado de uma idéia grosseira,
e o único método de discernir entre degeneração e evolução seria o exame, se
possível, de formas ancestrais intermediárias e remotas. A evidência trazida
pelos crentes na Sabedoria é deste tipo. Eles alegam que os Fundadores das
religiões, a julgar pelo registro de seus ensinamentos, estavam muito acima do
nível médio da humanidade; que as Escrituras das religiões contêm preceitos
morais, ideais sublimes, aspirações poéticas, profundas asserções filosóficas,
dos quais sequer se aproximam em beleza e elevação os escritos posteriores nas
mesmas religiões - isto é, que o antigo é mais elevado do que o novo, em vez de
o novo ser mais elevado que o antigo -; que não pode ser demonstrado nenhum
caso do processo de refinamento e melhoramento suposto ser a fonte das
religiões atuais, enquanto que podem ser apresentados muitos casos de
degeneração de ensinos puros; que mesmo entre os selvagens, se suas religiões
forma cuidadosamente estudadas, muitos traços de idéias elevadas podem ser
encontrados, idéias que obviamente estão acima da capacidade dos próprios
selvagens em produzi-las.
Esta última idéia foi
desenvolvida por Andrew Lang, que - a julgar pelo seu livro The Making of
Religion - deveria ser classificado como adepto da Religião Comparada antes do
que da Mitologia Comparada. Ele aponta para a existência de uma tradição comum,
a qual, alega ele, não pode ter sido desenvolvida pelos selvagens por si
mesmos, sendo homens cujas crenças ordinárias são do tipo mais tosco e cujas
mentes são pouco desenvolvidas. Ele mostra, debaixo de crenças brutas e visões
degradadas, elevadas tradições de um caráter sublime, chegando mesmo a tratar
da natureza do Ser Divino e Suas relações com os homens. As deidades adoradas
são, em sua maior parte, verdadeiros demônios, mas por trás, para além de todos
eles, existe uma tênue mas gloriosa Presença acima de tudo, raramente ou nunca
nomeada, mas sussurrada como sendo a fonte de tudo, como poder, amor e bondade,
terna demais para despertar terror, boa demais para requerer preces. Tais
idéias manifestamente não podem ter sido concebidas pelos selvagens onde são
encontradas, e elas permanecem como testemunhos eloqüentes da revelação feita
por algum grande Instrutor - do qual geralmente é detectável um vestígio de
tradição - que era Filho da Sabedoria, e que comunicou alguns de seus
ensinamentos em uma era há muito passada.
A razão, e na verdade a
justificação, da visão dos que assumem a Mitologia Comparada é patente. Eles
encontram em todas as direções formas inferiores de fé religiosa, existindo
entre tribos selvagens. Isto foi visto como acompanhamento da falta geral de
civilização. Considerando os homens civilizados evoluindo dos não civilizados,
o que seria mais natural do que considerar a religião civilizada derivando da
religião não civilizada? È a primeira idéia óbvia. Só um estudo posterior e
mais profundo pode mostrar que os selvagens de hoje não são nossos protótipos
ancestrais, mas são a prole degenerada de grandes raças civilizadas do passado,
e que o homem em sua infância não foi deixado crescer sem treinamento, mas
foi cuidado e educado pelos mais velhos,
de quem ele recebeu sua primeira orientação tanto em religião como em
civilização. Esta visão está sendo substanciada por fatos tais como aqueles
abordados por Lang, e logo suscitará a pergunta: “Quem foram estes mais velhos,
dos quais são encontradas tradições em todo lugar?”
Ainda prosseguindo em nossa
pesquisa, passamos à próxima questão: A que povos as religiões foram dadas? E
aqui de imediato chegamos a uma dificuldade com a qual todo Fundador de
religião deve lidar, aquela já mencionada envolvendo o objetivo primário da
própria religião, a estimulação da evolução humana, com seu corolário de que
todos os graus da humanidade em evolução devem ser considerados por Ele. Homens
em todos os estágios de evolução, do mais bárbaro ao mais desenvolvido; são
encontrados homens de elevada inteligência, mas também de mentalidade a mais
subdesenvolvida; em um local existe uma civilização altamente desenvolvida e
complexa, em outro, uma política crua e simples. Mesmo dentro de cada
civilização encontramos os tipos mais variados - o mais ignorante e o mais
educado, o mais pensativo e o mais relaxado, o mais espiritual e o mais brutal;
mesmo assim cada um destes tipos deve ser alcançado, e cada um deve ser ajudado
no estágio em que estiver. Se a evolução for uma verdade, esta dificuldade é
inevitável, e deve ser enfrentada e superada pelo Instrutor divino, senão Sua
obra será um fracasso. Se o homem está evoluindo como tudo em seu redor está
evoluindo, estas diferentes de desenvolvimento, estes variados graus de
inteligência devem ser uma característica da humanidade em toda parte, e devem
receber atenção em cada religião do mundo.
Assim somos trazidos face a
face à evidência de que não pode haver só um e o mesmo ensino religioso sequer
para uma só nação, muito menos para uma civilização que seja, ou para o mundo
todo. Se houver apenas um ensino, um grande número daqueles a quem seria
endereçada escapariam inteiramente á sua influência. Se for conformada àqueles
cuja inteligência é limitada, cuja moralidade é elementar, cujas percepções são
obtusas, de modo que possa ajudá-los e treiná-los, capacitando-os assim a
evoluir, seria uma religião completamente inadequada para aqueles homens,
vivendo na mesma civilização, que têm percepções morais finas e delicadas,
inteligência brilhante e sutil, e uma espiritualidade em evolução. Mas se, por
outro lado, esta última classe há de ser auxiliada, se à inteligência há de ser
dada uma filosofia que possa ser considerada admirável, se as delicadas
percepções morais hão de ser ainda mais refinadas, se à natureza espiritual que
desperta há de ser possibilitado que frutifique até a plenitude, então a
religião deve ser tão espiritual, tão intelectual, e tão moral, que quando for
pregada à primeira classe não tocará suas mentes ou seus corações, para eles
será como um rosário de frases sem sentido, incapazes de suscitar sua
inteligência latente, ou de dar-lhes qualquer padrão de conduta que os ajude a
evoluir para uma moralidade mais pura.
Olhando, então, para estes
fatos a respeito da religião, considerando seu objetivo, seus meios, sua
origem, a natureza e variadas necessidades dos povos a quem foi endereçada,
reconhecendo a evolução das faculdades espirituais, intelectuais e morais no
homem, e a necessidade de cada homem por um treinamento tal que lhe seja
adequado para o estágio de evolução em que chegou, somos conduzidos à absoluta
necessidade de um ensinamento religioso variado e graduado tal que atenda a
estas diferentes necessidades e ajude a cada homem em sua própria posição.
Existe ainda uma outra
razão pela qual o ensinamento esotérico é desejável a respeito de certas
classes de verdades. Este é eminentemente o fato a respeito desta classe que
“conhecimento é poder”. A promulgação pública de uma filosofia profundamente
intelectual, suficiente para treinar um intelecto altamente desenvolvido e
atrair a adesão de uma mente excelsa, não pode prejudicar ninguém. Pode ser
pregada sem hesitação, pois não atrai o ignorante, que se afastará dela
considerando-a seca, rígida e desinteressante. Mas existem ensinamentos que
tratam da constituição da natureza, explicam leis recônditas, e lançam luz
sobre processos ocultos, cujo conhecimento dá controle sobre energias naturais,
e capacitam seu possuidor a dirigir estas energias para certos fins, do mesmo
modo que o químico lida com a produção de compostos químicos. Tal conhecimento
pode ser bastante útil para homens altamente evoluídos, e pode aumentar seu
poder de servir a raça. Mas se este conhecimento fosse publicado ao mundo,
poderia ser e seria mal empregado, assim como o conhecimento de venenos sutis foi
mal empregado na Idade Média pelos Borgia e por outros. Passaria às mãos de
pessoas de poderoso intelecto, mas de desejos descontrolados, homens movidos
por instintos separativistas, procurando o lucro para seus eus separados e
descuidados do bem comum. Eles seriam atraídos pela idéia de ganhar poderes que
os colocariam acima do nível geral, e poriam a humanidade à sua mercê, e
correriam para adquirir o conhecimento que exalta seus possuidores a uma
posição super-humana. Com esta posse, eles se tornariam ainda mais egoístas e
confirmados em sua separatividade, seu orgulho seria alimentado e seu senso de
distanciamento intensificado, e assim eles inevitavelmente seriam levados pela
estrada que leva ao diabolismo, a Senda da Mão Esquerda, cuja meta é o isolamento
e não a união. E não só eles sofreriam em sua natureza interna, mas também se
tornariam uma ameaça à Sociedade, que já sofre o suficiente nas mãos de homens
cujo intelecto é mais evoluído que sua consciência. Disto emerge a necessidade
de ocultar certos ensinamentos daqueles que, moralmente, ainda não estão
prontos para recebê-los; e esta necessidade pesa sobre todo Instrutor capaz de
transmitir este conhecimento. Ele deseja dá-lo àqueles que usarão para o bem
comum, para estimular a evolução humana, os poderes que o conhecimento confere;
mas ele deseja igualmente não ter parte alguma no dá-lo àqueles que o usariam
para seu próprio engrandecimento à custa dos outros.
Tampouco isso é um assunto
teórico, de acordo com os Registros Ocultos, que dão detalhes dos eventos
aludidos no Gênesis VI et seq. Este conhecimento, naqueles antigos dias e no
continente de Atlantis, foi dado sem nenhum requisito rígido a respeito da
elevação moral, pureza e altruísmo dos candidatos. Aqueles que eram
intelectualmente qualificados eram ensinados, assim como aos homens são
ensinadas as ciências comuns nos dias modernos. A publicidade que ora é exigida
tão imperiosamente foi dada então, com o resultado de que os homens se tornaram
gigantes em conhecimento mas também gigantes no mal, até que a Terra gemeu
debaixo de seus opressores e o grito de uma humanidade arrasada ecoou através
dos mundos. Então sucedeu-se a destruição de Atlantis, o afundamento daquele
vasto continente debaixo das águas do oceano, do que alguns detalhes são dados
nas Escrituras Hebraicas através da história de Noé e o dilúvio, e, nas
Escrituras Hindus, na história do Manu Vaivasvata.
Desde aquela experiência do
perigo de permitir-se mãos impuras tocar no conhecimento que é poder, os
grandes Instrutores impuseram rígidas condições sobre pureza, altruísmo e
autocontrole para todos os candidatos àquela instrução. Eles terminantemente
recusam transmitir conhecimento deste tipo a quem quer que seja que não se
sujeite a uma rígida disciplina, planejada para eliminar a separatividade de
sentimento e interesses. Eles avaliam a força moral do candidato ainda mais do
que seu desenvolvimento intelectual, pois o próprio conhecimento desenvolverá o
intelecto, enquanto ele coloca um freio sobre a natureza moral. É muito melhor
que os Grandes sejam acusados pelo ignorante, por Seu suposto egoísmo em reter
o conhecimento, do que Eles terem de precipitar o mundo em outra catástrofe
Atlante.
Apresentamos muita teoria
sobre a necessidade de um lado oculto em todas as religiões. Quando da teoria
passamos aos fatos, naturalmente perguntamos: Este lado oculto existiu no
passado, formando parte das religiões do mundo? A resposta deve ser uma
imediata e convicta afirmativa; todas as grandes religiões têm alegado possuir
um ensinamento oculto, e têm declarado que ele é o repositório do conhecimento
místico - ou oculto - teórico, e ainda mais do prático. A explicação mística de
ensino popular era pública, e a expunha como alegoria, dando a asserções e
histórias cruas e irracionais um significado que o intelecto pudesse aceitar.
Por trás deste misticismo teórico, assim como por trás do popular, existia além
o misticismo prático, um ensino espiritual oculto, que só era concedido sob
condições muito definidas, condições conhecidas e divulgadas, que deviam ser
preenchidas por todos os candidatos. São Clemente de Alexandria menciona esta
divisão dos Mistérios. Ele diz que depois da purificação “há os Mistérios
Menores, que têm alguma base de instrução e de preparação preliminar para o que
vem depois, e os Grandes Mistérios, através dos quais nada resta para aprender
do universo, mas só para contemplar e compreender a natureza e as coisas”
(Stromata, livro V, cap. XI. Ante-Nicene Christian Library (A.-N.C.L), vol.
XII).
Esta posição não pode ser considerada
controversa a respeito das antigas religiões. Os Mistérios do Egito eram a
glória daquela terra antiga, e os mais nobres filhos da Grécia, como Platão,
foram para Saís e para Tebas para serem iniciados pelos Instrutores de
Sabedoria egípcios. Os Mistérios Mitraicos dos persas, os Mistérios Órficos e
Báquicos e mais tarde os semiMistérios Eleusinos dos gregos, os Mistérios da
Samotrácia, Cítia, Caldéia, de nome são familiares, senão pelo menos como
frases feitas. Mesmo nas formas extremamente diluídas dos Mistérios Eleusinos,
seu valor é mui altamente louvado pelos mais eminentes homens da Grécia, como
Píndaro, Sófocles, Isócrates, Plutarco, e Platão. Eles eram considerados
especialmente úteis com relação à existência pós-morte, e o iniciado aprendia
aquilo que garantiria sua futura felicidade. Sopater alegou ainda que a
Iniciação estabelecia uma afinidade da alma com a Natureza divina, e no
exotérico Hino a Deméter são feitas referências veladas ao santo infante,
Iacchus, e à sua morte e ressurreição, assim como eram apresentadas nos
Mistérios (vide o artigo “Mistérios”, Encyclopaedia Britannica, 9ª ed.
inglesa).
De Jâmblico, o grande
teurgo dos séculos III e IV, muito pode ser aprendido sobre o objetivo dos
Mistérios. Teurgia era magia, “a última parte da ciência sacerdotal” (Psellus,
citado por T. Taylor em Iamblicus on the Mysteries, p.343, nota na p. 23, 2ª
ed.) e era praticada nos Grandes Mistérios para evocar a aparição de Seres
superiores. A teoria sobre onde se baseiam estes Mistérios pode ser apresentada
brevemente da seguinte forma: Existe UM, antes de todos os seres, imóvel,
habitando na solidão de Sua própria unidade.
D’AQUELE surge o Deus Supremo, o Auto-engendrado, a Bondade, a Fonte de
todas as coisas, a Raiz, o Deus dos Deuses, a Causa Primordial, desdobrando-Se
em Luz (Iamblicus, sic ante, p. 301). D’Ele brota o Mundo Inteligível, ou
universo ideal, a Mente Universal, Nous, e os Deuses incorpóreos ou
inteligíveis relacionados a ela. Dali surge a Alma Mundial, a que pertencem “as
formas intelectuais divinas que existem junto dos corpos visíveis dos Deuses”
(Ibid., p. 72). Então derivam várias hierarquias de seres super-humanos,
Arcanjos Arcontes (Regentes) ou Cosmocratores, Anjos, Gênios [Daimons, no
original - NT], etc. O Homem é um ser de ordem inferior, aliado àqueles em sua
natureza, e capaz de conhecê-los; seu conhecimento era adquirido nos Mistérios,
e conduzia á união com Deus (O artigo Mysteries da Enc. Britannica tem a
seguinte continuação no ensinamento de Plotino [204-206 dC]: “O UM [o deus
Supremo citado antes] é exaltado acima de nous e das idéias; transcende toda a
existência e não é cognoscível pela razão. Permanecendo Ele mesmo em repouso,
como que irradia de sua própria plenitude uma imagem de Si mesmo, chamada nous,
e que constitui o sistema de idéias do mundo inteligível. A alma por sua vez é
a imagem ou produto de nous, e a alma por seu movimento toma matéria corpórea.
A alma deste modo olha para dois caminhos - para nous, de onde se origina, e
para a vida material, que é seu próprio produto. O esforço ético consiste em
repudiar o sensível; a existência material é em si um estranhamento em relação
a Deus... Para atingir sua meta última, o próprio pensamento deve ser deixado
para trás, pois o pensamento é uma forma de movimento, e o desejo da alma é
pelo descanso imóvel que pertence ao UM. A união com a deidade transcendente
não é tanto conhecimento ou visão, mas êxtase, coalescência, contato. O
Neoplatonismo é assim antes de tudo um sistema de completo racionalismo; é pressuposto,
em outras palavras, que a razão seja capaz de mapear todo o sistema das coisas.
Mas, porquanto Deus seja afirmado estar além da razão, o misticismo se torna de
certo modo o necessário complemento do todo-abrangente racionalismo último. O
sistema culmina em um ato místico”). Nos Mistérios estas doutrinas eram
expostas, “a progressão do UM, e a regressão de todas as coisas para o UM, e a
completa supremacia do UM” (Iamblichus, sic ante, p. 73), e, mais ainda, estes
diferentes Seres eram evocados, e apareciam, algumas vezes para ensinar,
algumas vezes, por Sua mera presença, para elevar e purificar. “Os Deuses”, diz
Jâmblico, “sendo benevolentes e propícios, concediam sua luz aos teurgos com
abundância generosíssima, chamando as almas deles para cima, para si mesmos,
buscando que se unissem a si mesmos, e acostumando-as, enquanto ainda estando
em corpos, a ser separadas dos corpos, e ser levadas diretamente ao seu
princípio eterno e inteligível” (Ibid., pp. 55-56). Pois “a alma, tendo uma
vida dupla, uma em conjunção ao corpo, mas outra separada de todos os corpos”
(Ibid., pp. 118-119), e “é muitíssimo necessário aprender a separá-la do corpo,
para que ela possa unir-se aos Deuses por sua parte intelectual e divina, e
aprender os genuínos princípios do conhecimento, e as verdades do mundo
inteligível” (Iamblichus, pp. 118-119). “A presença dos Deuses, em verdade,
concede-nos saúde de corpo, virtude de alma, pureza de intelecto e, numa
palavra, eleva tudo em nós até sua própria natureza. Ela (a presença dos
Deuses) exibe o que não é corpo como corpo aos olhos da alma” (Ibid., pp.
95-100). Quando os Deuses aparecem, a alma recebe “uma liberação das paixões,
uma perfeição transcendente, e uma energia inteiramente mais excelente, e
participa do amor divino e de uma imensa alegria” (Ibid. p. 101). “Com isso
ganhamos uma vida divina, e somos tornados em realidade divinos” (ibid., p.
330).
O ponto culminante dos
Mistérios era quando o Iniciado se tornava um deus, seja pela união com um Ser
divino fora de si, seja pela percepção do Eu divino em si. Isso era chamado
êxtase, e era um estado que o Yogi indiano chamaria Samadhi, sendo posto em
transe o corpo denso e a alma liberta efetuando sua própria união com o Grande
Ser. Este “êxtase não é propriamente falando uma faculdade, é um estado da
alma, que a transforma de tal modo que então ela percebe o que antes estava
oculto de si. O estado não era permanente antes que nossa união com Deus fosse
irrevogável; aqui, na vida terrena, o êxtase não passa de um instante... O
homem pode cessar de ser homem, e passar a ser Deus; mas o homem não pode ser
Deus e homem ao mesmo tempo”(G.R.S.Mead, Plotinus, p. 42-43). Plotino declara
ter atingido este estado “somente três vezes”.
Também Proclo ensinou que a
única salvação da alma era retornar à sua forma intelectual, e assim escapar do
“ciclo de geração, das peregrinações multiplicadas”, e atingir o verdadeiro
Ser, “a energia simples e uniforme do período de igualdade [sameness, no
original - NT], em vez do movimento abundantemente errante do período em que é
caracterizada pela diferença”. Esta é a vida procurada pelos iniciados por
Orfeu nos Mistérios de Baco e Prosérpina, e este é o resultado da prática das
virtudes purificativas, ou catárticas (Iamblichus, p. 364, nota na p. 134).
Estas virtudes eram necessárias para os Grandes
Mistérios, já que estavam relacionadas à purificação do corpo sutil, no qual a
alma atuava quando fora do corpo denso. As virtudes políticas ou práticas
pertenciam à vida comum dos homens, e era requerido que existissem em certo
grau antes que ele pudesse ser candidato mesmo para uma Escola tal como a
descrita antes. Então vinham as virtudes catárticas, pelas quais o corpo sutil,
o das emoções e da mente inferior, era purificado; em terceiro lugar vinham as
virtudes intelectuais, pertencendo ao Augoeides, ou a forma luminosa do
intelecto; em quarto, as contemplativas, ou paradigmáticas, pelas quais era
realizada a união com deus. Porfírio escreve: “Aquele que age de acordo com as
virtudes práticas é um homem digno; mas o que age de acordo com as virtudes
purificativas é um homem angélico, ou também um gênio [daimon, no original -
NT] bom. Aquele que atua de acordo só com as virtudes intelectuais é um Deus;
mas o que age de acordo com as virtudes paradigmáticas é o Pai dos Deuses”
(G.R.S.Mead, Orpheus, pp. 285-286).
Também era dada muita
instrução nos Mistérios pelas hierarquia angélica e outras, e de Pitágoras, o
grande instrutor que foi iniciado na Índia, e que deu “o conhecimento das
coisas que são” aos seus discípulos eleitos, é dito ter possuído um
conhecimento tal de música que ele podia usá-la para controlar as mais
selvagens paixões dos homens, e para iluminar suas mentes. São dados exemplos
disto por Jâmblico em sua Vida de Pitágoras. Parece provável que o título de
Teodidacto [”ensinado por Deus” - NT], dado a Amônio Saccas, o mestre de
Plotino, se referia menos à sublimidade de seus ensinamentos do que á divina
instrução por ele recebida nos Mistérios.
Alguns dos símbolos usados
são explicados por Jâmblico (Iamblicus, p. 864, nota na p. 134) que diz para
Porfírio remover de seu pensamento na imagem da coisa simbolizada e chegar em
seu significado intelectual. Assim “lodo” significa tudo o que é corpóreo e
material; o “Deus sentado sobre o lótus” significava que Deus transcendia tanto
o lodo quanto o intelecto, simbolizado pelo lótus, e estava estabelecido em Si
mesmo, estando sentado. Seu domínio sobre o mundo era figurado na expressão
“navegando em um barco”, e assim por diante (Ibid., p. 205 et seq). Sobre este
uso dos símbolos Proclo assinala que “o método Órfico almejava a revelação das
coisas divinas por meio de símbolos, um método comum a todos os escritores
sobre a sabedoria divina” (G.R.S. Mead, Orpheus, p. 59).
A Escola Pitagórica na Magna
Grécia foi fechada no final do século VI aC, devido à perseguição do poder
civil, mas outras comunidades existiam, preservando a tradição sagrada (Ibid.,
p. 30). Mead declara que Platão a intelectualizara a fim de protegê-la de uma
crescente profanação, e os ritos Eleusinos preservaram algumas de suas formas,
tendo perdido sua substância. Os Neoplatônicos herdaram de Pitágoras e Platão,
e seus trabalhos deveriam ser estudados por aqueles que percebiam algo da
grandeza e beleza preservadas para o mundo nos Mistérios.
A Escola Pitagórica em si
serve como um protótipo da disciplina aplicada. Sobre isto Mead fornece muitos
detalhes interessantes (G.R.S.Mead, Orpheus, p. 263 e 271) e assinala: “Os
autores da antigüidade concordam que esta disciplina havia conseguido produzir
os mais altos exemplos, não só da mais pura castidade e sentimento, mas também
uma simplicidade de modos, uma delicadeza e um gosto por buscas sérias, que não
tinha paralelo. Isto é admitido até mesmo pelos escritores Cristãos”. A Escola
tinha discípulos externos, liderando a vida familiar e social, e a citação
acima se refere a eles. Na Escola interna havia três graus - o primeiro, dos
Ouvintes, que estudavam por dois anos em silêncio, fazendo o melhor possível
para dominar os ensinamentos; o segundo era dos Mathematici, onde era ensinada
a geometria e a música, a natureza do número, da forma, da cor e do som; o
terceiro grau era dos Physici, que dominavam a cosmogonia e a metafísica. Isto
levava aos verdadeiros Mistérios. Os candidatos à Escola deveria ser “de uma
reputação imaculada e de uma disposição tranqüila”.
A estreita identidade entre
os métodos e objetivos seguidos nestes diversos Mistérios e aqueles do Yoga na
Índia é patente até ao observador mais superficial. Não é, contudo, necessário
supormos que as nações da antigüidade beberam na Índia; todas beberam de uma
única fonte, a Grande Loja da Ásia Central, que enviava seus Iniciados a todas
as terras. Todos eles ensinavam as
mesmas doutrinas, seguiam os mesmos métodos, conduzindo aos mesmos fins. Mas
havia muita intercomunicação entre os Iniciados de todas as nações, e havia uma
linguagem comum e um simbolismo comum. Deste modo Pitágoras esteve entre os
Indianos, e recebeu na Índia uma alta Iniciação, e Apolônio de Tyana mais tarde
seguir suas pegadas. Muito indianas em sua forma assim como em seu pensamento
foram as palavras de Plotino no seu leito de morte: “Agora procuro levar de
volta o Eu em mim ao Eu de tudo” (G.R.S.Mead, Plotinus).
Entre os Hinduístas o dever
de ensinar o conhecimento supremo só ao digno era estritamente enfatizado. “O
mais profundo mistério da culminação do conhecimento... não deve ser declarado
a alguém que não seja um filho ou um discípulo, e a quem não é tranqüilo de
mente” (Shvetâshvataropanishad, VI, 22). Novamente, depois de um resumo de
Yoga, lemos: “Levantai! Despertai! Tendo encontrado os Grandes Seres, ouvi! O
caminho é tão difícil de andar como se fora a fina lâmina de uma navalha. Assim
diz o sábio” (Kathopanishad, III, 14). O Mestre é necessário, pois o
ensinamento escrito sozinho não basta. A “culminação do conhecimento” é
conhecer a Deus - e não apenas acreditar; é se tornar uno com Deus - não
somente adorá-lo à distância. O homem deve conhecer a realidade da Existência
divina, e então conhecer - não apenas vagamente acreditar ou ter esperança -
que seu Eu mais profundo é uno com Deus, e que o objetivo da vida é perceber
[realise no original - pode ser entendido tanto como perceber como no sentido
de realizar, levar a cabo - NT] esta unidade. A menos que a religião possa
guiar um homem até esta realização, será somente “como um sino que toca ou um
guizo que retine” (I Coríntios, VI, 17).
Também foi dito que o homem
deveria aprender a deixar o corpo denso: “Que um homem a separe (a alma) com
firmeza de seu próprio corpo, como o cerne do talo de capim de seu invólucro”
(Kathopanishad, VI, 17). E foi escrito: “No mais elevado corpo dourado reside o
Brahman imaculado, imutável; Ele é a radiosa, branca Luz das luzes, conhecida
dos que conhecem o Eu” (Mundakopanishad, II, II, 9). “Quando o vidente vir o
Criador dourado, o Senhor, o Espírito, cujo seio é Brahman, então, tendo
arrojado de si mérito e demérito, imaculado, o sábio atinge a mais elevada
união” (Ibid., III, I, 3).
Tampouco estavam os Hebreus
desprovidos de seu conhecimento secreto e suas Escolas de Iniciação. A
companhia dos profetas em Naioth, presidida por Samuel (I Samuel, XIX, 20)
formava uma destas Escolas, e o ensinamento oral era transmitido por eles.
Escolas similares existiam em Bethel e Jericó (II Reis, II, 2, 5) e na
Concordância de Cruden (Verbete Escola) há a seguinte nota interessante: “As
Escolas ou Colégios dos profetas são as primeiras (escolas) de que temos
qualquer notícia na Escritura; onde os filhos dos profetas, isto é, seus
discípulos, viviam nos exercícios de uma vida retirada e austera, em estudo e
meditação, e na leitura da lei de Deus... Estas Escolas, ou Sociedades, dos
profetas foram sucedidas pelas Sinagogas”. A Kabbala, que contém os ensinos
semipúblicos, é, na forma que subsiste hoje, uma compilação moderna, parte da
qual é trabalho do Rabbi Moisés de Leão, que morreu em 1305. Ela consiste de
cinco livros, Bahir, Zohar, Sepher Sephiroth, Sepher Yetzirah, e Asch
Metzareth, e é dito ter sido transmitida oralmente desde tempos muito
antigos—como antigüidade, é reconhecida historicamente. O Dr. Wynn Westcott diz
que “a tradição Hebraica atribui às partes mais antigas do Zohar uma data que
anteceda a construção do segundo Templo”; e é dito que o Rabbi Simeão ben
Jochai colocou por escrito partes dele no primeiro século depois de Cristo. O
Sepher Yetzirah é mencionado por Saadjah Gaon, que morreu em 940 dC, como sendo
“muito antigo” (Dr. Wynn Westcott, Sepher Yetzirah, p. 9). Algumas partes do
ensinamento oral foram incorporadas à Kabbala na forma em que ela se encontra
hoje, mas a verdadeira sabedoria arcaica dos Hebreus permanece sob guarda de
alguns poucos dos verdadeiros filhos de Israel.
Breve como é este esboço, é
contudo suficiente para demonstrar a existência de um lado oculto nas religiões
do mundo além do Cristianismo, e podemos agora examinar a questão de se o
Cristianismo foi uma exceção a esta regra universal.
Tendo visto que as
religiões do passado reivindicaram uníssonas ter um lado oculto, ser custódias
de “Mistérios”, e que esta reivindicação foi endossada pela busca de Iniciação
pelos homens mais eminentes, devemos agora averiguar se o Cristianismo fica
fora deste círculo de religiões, sozinho sem uma Gnose, oferecendo ao mundo uma
fé simples e não um conhecimento profundo. Se for assim, seria em verdade um
fato triste e lamentável, provando ser o Cristianismo apenas destinado a uma só
classe, e não a todos os tipos de seres humanos. Mas que isto não é assim,
seremos capazes de provar além da possibilidade de dúvida racional.
E esta prova é a coisa que
a Cristandade mais urgentemente necessita nestes tempos, pois até a própria
flor da Cristandade está perecendo por falta de conhecimento. Se o ensino
esotérico puder ser restabelecido e angariar estudantes pacientes e dedicados,
não demorará muito para que o lado oculto também seja restaurado. Discípulos
dos Mistérios Menores se tornarão candidatos aos Maiores, e com a reobtenção do
conhecimento voltará também a autoridade do ensinamento. E de fato a
necessidade é grande. Pois, olhando para o mundo em volta de nós, descobrimos
que a religião no Ocidente está sofrendo da mesma dificuldade que teoricamente
nós deveríamos esperar encontrar. O Cristianismo, tendo perdido seu ensino
místico e esotérico, está perdendo terreno entre grande número das pessoas mais
altamente educadas, e a revivescência parcial durante os últimos anos é
coincidente com a reintrodução de alguns ensinamentos místicos. É patente para
todo estudante nos últimos 40 anos do século passado (o século XIX), que
multidões de pessoas inteligentes e de alta moralidade tenham se desviado para
fora das igrejas, porque os ensinamentos que recebiam lá ultrajavam sua
inteligência e chocavam seu senso moral. É inútil pretender que o agnosticismo
disseminado deste período tenha suas raízes seja na falta de moralidade ou na
deliberada perversidade de mente. Qualquer um que estudar com cuidado o
fenômeno logo admitirá que homens de poderoso intelecto foram levados para fora
do Cristianismo pela crueza das idéias religiosas apresentadas, as contradições
nos ensinamentos das autoridades, nas concepções sobre Deus, o homem e o
universo, que nenhuma inteligência treinada poderia chegar a admitir. Nem pode
ser dito que qualquer tipo de degradação moral esteja na raiz da revolta contra
os dogmas da Igreja. Os rebeldes não eram ruins demais para a sua religião. Ao
contrário, foi a religião que ficou ruim demais para eles. A rebelião contra o
Cristianismo popular foi devida ao despertar e crescimento da consciência; foi
a consciência que se revoltou, assim como a inteligência, contra ensinamentos
desonrosos tanto para Deus quanto para o homem, que representavam Deus como um
tirano, e o homem como sendo essencialmente mau, obtendo a salvação por
submissão escrava.
A razão para esta revolta
jaz no gradual rebaixamento do ensinamento Cristão para uma alegada
simplicidade, para que o mais ignorante pudesse ser capaz de compreendê-lo. Os
religiosos Protestantes assertaram sonoramente que nada deveria ser pregado
exceto aquilo que pudesse ser compreendido, que a glória do Evangelho está em
sua simplicidade, e que a criança e o inculto deveriam ser capazes de
entendê-lo e aplicá-lo à vida. Bastante verdadeiro, se com isto se quisesse
dizer que existem algumas verdades religiosas que todos podem entender, e que a
religião falha se deixa o mais inferior, o mais ignorante, o mais estúpido, de
fora de sua influência elevadora. Mas falso, completamente falso, se com isso
se quiser dizer que a religião não tem verdades que o ignorante não possa
compreender, que é uma coisa tão pobre e limitada a ponto de não ter nada para
ensinar que esteja acima do pensamento do não inteligente ou acima do nível
moral do degradado. Falso, fatalmente falso, se este for seu sentido; pois à
medida que esta visão se espalha, ocupando os púlpitos e sendo proclamada nas
igrejas, muitos homens e mulheres nobres, cujos corações quase se partem quando
rompem sua ligação que os une à sua antiga fé, saem das igrejas, e deixam seus
lugares ser preenchidos pelos hipócrita e pelo ignorante. Eles ou passam para
um estado de agnosticismo passivo, ou - se são jovens e entusiastas - para uma
condição de agressão ativa, não acreditando que aquilo que poderia ser a coisa
mais elevada ultraje tanto o intelecto como a consciência, e preferem a
honestidade de uma descrença aberta ao embotamento do intelecto e da
consciência sob imposição de uma autoridade em quem não reconhecem nada que
seja divino.
Neste estudo do pensamento
de nosso tempo vemos que a questão de um ensinamento oculto em conexão com o
Cristianismo se torna de importância vital. O Cristianismo há de sobreviver
como a religião do Ocidente? Viverá através dos séculos futuros, e continuará a
ter uma parte na formação do pensamento das raças ocidentais em evolução? Se há
de viver, deve recuperar o conhecimento que perdeu, e ter de novo seus místicos
e seus ensinamentos ocultos; deve mais uma vez colocar-se como uma autoridade
ensinando as verdades espirituais, revestido da única autoridade que vale
alguma coisa, a autoridade do conhecimento. Se estes ensinamentos forem
recuperados, sua influência logo será vista nas novas e mais amplas concepções
da verdade; dogmas, que agora parecem apenas meras cascas e plumas, deverão
novamente ser apresentações de partes das realidades fundamentais. Em primeiro
lugar, o Cristianismo reaparecerá no “Lugar Santo”, no Templo, de modo que
todos que sejam capazes de receber suas linhas de pensamento divulgado em
público; e em segundo lugar, o Cristianismo Oculto descerá outra vez ao Ádito,
residindo detrás do véu que guarda o “Santo dos Santos”, para dentro do qual só
os Iniciados podem passar. Então novamente o ensinamento oculto estará ao
alcance daqueles que se qualificarem para recebê-lo, de acordo com as antigas
regras, aqueles que desejam nos dias de hoje enfrentar as antigas exigências,
feitas a todos os que hão de alegrar-se em conhecer a realidade e a verdade das
coisas espirituais.
Mais uma vez voltemos
nossos olhos para a história, para vermos se o Cristianismo foi único entre as
religiões em não possuir nenhum conhecimento interno, ou se assemelhou-se a
todas as outras possuindo este tesouro oculto. Este problema é uma questão de
evidência, não de teoria, e deve ser decidido pela autoridade dos documentos
existentes e não pelo mero “assim se diz” dos Cristãos modernos.
É fato que tanto o Novo
Testamento e os escritos da Igreja Primitiva fazem as mesmas declarações sobre
a posse de tais ensinamentos pela Igreja, e sabemos a partir deles do fato da
existência dos Mistérios - chamados Mistérios de Jesus, ou Mistério do Reino -,
das condições impostas aos candidatos, algo da natureza geral dos ensinamentos
dados, e outros detalhes. Certas passagens no Novo Testamento ficariam
inteiramente obscuras, não fosse pela luz lançada neles pelas declarações
definidas dos Padres e Bispos da Igreja, mas debaixo daquela luz elas se tornam
claras e inteligíveis.
Teria na verdade sido
estranho se fosse diferente, quando consideramos as linhas do pensamento
religioso que influenciaram o Cristianismo primitivo. Aliado aos hebreus, os
persas, os gregos, tinto pelos antigos credos da Índia, profundamente colorido
pelo pensamento sírio e egípcio, este último ramo do grande tronco religioso
não poderia fazer outra coisa senão reafirmar as antigas tradições, colocando
ao alcance das raças ocidentais todo o tesouro das tradições antigas. “A fé
antigamente confiada aos Santos” teria na verdade sido esvaziada deste valor
principal se, quando transmitida para o Ocidente, a pérola do ensinamento
esotérico tivesse sido escamoteada.
A primeira evidência a ser
examinada é a do Novo Testamento. Para nossos propósitos podemos colocar de
lado todas as enfadonhas questões das diferentes redações e dos diferentes
autores, que só podem ser julgadas por eruditos. A erudição crítica tem muito a
dizer sobre a idade dos manuscritos, sobre a autenticidade dos documentos, e
assim por diante. Podemos aceitar as Escrituras canônicas como demonstração do
que era acreditado na Igreja Primitiva a respeito do ensino de Cristo e de Seus
seguidores imediatos, e ver o que elas dizem sobre a existência de um
ensinamento secreto transmitido somente a uns poucos. Tendo visto as palavras
postas na boca do próprio Jesus, e consideradas pela Igreja como de suprema
autoridade, olharemos para os escritos do grande apóstolo São Paulo; então
consideraremos as declarações feitas por aqueles que herdaram a tradição
apostólica e guiaram a Igreja durante os primeiros séculos. Ao longo desta
ininterrupta linha de tradição e testemunho escrito pode ser estabelecida a
proposição de que o Cristianismo tinha um lado oculto. Veremos ainda que os
Mistérios Menores de interpretação mística podem ser acompanhados através dos
séculos até o início do século XIX, e que embora já não houvesse Escolas de
Misticismo reconhecidas como preparatórias para a iniciação depois do
desaparecimento dos Mistérios, ainda assim grandes Místicos, de tempos em
tempos, alcançaram os degraus inferiores do êxtase por seus próprios esforços
contínuos, auxiliados sem dúvida pelos Instrutores invisíveis.
As palavras do próprio
Mestre são claras e definidas, e foram, como veremos, citadas por Orígenes como
referentes ao ensinamento secreto preservado na Igreja. “E quando estava
sozinho, aqueles que estavam com Ele, os doze, faziam-Lhe perguntas sobre as
parábolas. E Ele lhes disse: ‘A vós é dado conhecer o mistério do Reino de
Deus, mas a eles que estão de fora, todas estas coisas são dadas em parábolas’
“. E mais adiante: “Com muitas parábolas semelhantes Ele pregava a palavra à
multidão, pois só assim podiam ouvir. Mas sem parábolas Ele não lhes falava; e
quando eles estavam sozinhos Ele explicava todas as coisas aos Seus discípulos”
(Marcos, IV, 10, 11, 33, 34. Vide também Mateus, XIII, 11, 34, 36, e Lucas,
VIII, 10). Percebam as significativas palavras “quando estavam sozinhos”, e a
frase “aqueles que estão de fora”. Também na versão de São Mateus: “Jesus
despediu a multidão, e entrou na casa; e Seus discípulos foram com Ele”. Estes
ensinamentos dados “na casa”, os significados mais recônditos de Suas
instruções, considera-se que eram transmitidos de instrutor a instrutor. O
Evangelho dá, note-se, as explicações místicas alegóricas, aquilo que chamamos
Os Mistérios Menores, mas o significado mais profundo diz-se ter sido dado
somente aos iniciados.
Novamente, Jesus diz até
mesmo aos Seus apóstolos: “Eu ainda tenho muitas coisas para vos dizer, mas
ainda não sois capazes de as receber” (João, XVI, 12). Algumas delas
provavelmente foram ditas depois de Sua morte, quando Ele foi visto pelos
discípulos “falando das coisas pertencentes ao Reino de Deus” (Atos, 1, 3).
Nenhuma delas foi registrada publicamente, mas quem pode acreditar que foram
deixadas de lado ou esquecidas, e não preservadas como algo inestimável? Havia
uma tradição na Igreja que Ele visitou Seus apóstolos durante um considerável
período após Sua morte, para dar-lhes instrução - um fato a que faremos menção
mais tarde - e no famoso tratado Gnóstico Pistis Sophia, lemos: “chegou-se a
dizer que, depois de ressuscitar dos mortos, Jesus passou onze anos falando com
Seus discípulos e instruindo-os” (loc. cit., trad. G.R.S. Mead, I, I, 1). Então
vem a frase, que muitos gostam de amenizar e explicar evasivamente: “Não deis o
que é santo aos cães, nem lanceis vossas pérolas ao porcos” (Mateus, VII, 6) -
um preceito que é de aplicação geral, na verdade, mas foi considerado pela
Igreja Primitiva referir-se aos ensinamentos secretos. Deveria ser lembrado que
as palavras não tinham a mesma dureza naqueles dias como têm agora, pois a
palavra “cães” - significando o vulgo, o profano - era aplicada por aqueles de
um determinado círculo a todos os que eram de fora de seu grupo, seja por uma
sociedade ou associação, ou por uma nação - como pelos Judeus a respeito dos
Gentios (assim como sobre as mulheres gregas: “Não é lícito tirar o pão das
crianças e jogá-lo para os cães” - Marcos, VII, 27). Algumas vezes era usada
para designar aqueles que estavam fora do círculo dos Iniciados, e a encontramos
aplicada neste sentido na Igreja Primitiva; aqueles que, não tendo sido
iniciados nos Mistérios, eram considerados como fora do “Reino de Deus”, ou da
“Israel espiritual”, e tinham este nome aplicado a eles.
Havia diversos nomes, além
do termo “O Mistério”, ou “Os Mistérios”, usados para designar o círculo
sagrado de Iniciados ou ligados à Iniciação: “O Reino”. “O Reino de Deus”, O
Reino dos Céus”, A Vereda Estreita”, “A Porta Estreita”, “O Perfeito”, “O
Salvo”, “Vida Eterna”, “Vida”, “O Segundo Nascimento”, “O Pequenino”, “A
Criancinha”. O significado é tornado claro pelo uso destas palavras nos
primeiros escritos Cristãos, e em alguns casos fora do círculo Cristão. Assim,
o termo “O Perfeito” era usado pelos Essênios, que tinham três graus em suas
comunidades: os Neófitos, os Irmãos, e os Perfeitos - sendo estes os Iniciados;
e é empregado geralmente neste sentido nos antigos escritos. “A Criancinha” era
o nome comum para um candidato recém iniciado, isto é, aquele que recém teve
seu “segundo nascimento”.
Quando passamos a conhecer
este uso, muitas passagens de outro modo obscuras e rudes se tornam
inteligíveis. “Então um disse-lhe: Senhor, serão poucos os salvos? E Ele
respondeu-lhes: Esforçai-vos para entrar pela porta estreita; pois digo-vos, muitos
procurarão entrar e não serão capazes” (Lucas, XIII, 23, 24). Se isto for
aplicado, do modo Protestante usual, à salvação do fogo eterno do inferno, a
afirmação se torna incrível, chocante. Não se pode supor que nenhum Salvador do
mundo possa afirmar que muitos procurarão evitar o inferno e entrar no céu, mas
não serão capazes de fazê-lo. Mas se aplicado à estreita porta de entrada na
Iniciação e sua conseqüente salvação do renascimento, é perfeitamente
verdadeiro e natural. E novamente: “Entrai pela porta estreita; pois larga é a
porta e amplo é o caminho que conduz à destruição, e muitos serão os que
andarão neles; porque estreita é a porta e apertado é o caminho que conduz à
vida; e poucos o encontrarão” (Mateus, VII, 13, 14). A advertência que se segue
imediatamente contra os falsos profetas, os mestres dos Mistérios tenebrosos, é
muito própria em relação a aquilo. Nenhum estudante pode esquecer o som
familiar destas palavras usadas no mesmo sentido em outras passagens. A “antiga
vereda estreita” é familiar a todos; a senda “tão difícil de trilhar como se
fosse o fio de uma navalha” (Kathopanishad, II, IV, 10, 11) já mencionado; a
perambulação “de morte em morte” daqueles que seguem o florido caminho dos
desejos, daqueles que não conhecem Deus; pois só se tornam imortais e escapam
da bocarra da morte, da repetida destruição, aqueles homens que eliminaram
todos os desejos (Brhadâranyakopanishad, IV, IV, 7). A alusão á morte, é claro,
é feita aos repetidos nascimentos da alma na existência material grosseira,
considerada sempre como “morte” quando comparada à “vida” dos mundos mais
elevados e sutis.
Esta “Porta Estreita” era o
portal da Iniciação, através dele o candidato entrava no “Reino”. E sempre foi
e deve ser verdadeiro que somente uns poucos podem passar por aquele portal,
embora miríades - uma excepcionalmente “grande multitude, que ninguém poderia
contar” (Apocalipse, VII, 9), e não uns poucos - adentrem a felicidade do mundo
celeste. Assim também falou um outro grande Instrutor, há quase três mil anos
atrás: “Dentre milhares de homens talvez
só um se esforce pela perfeição; dentre os milhares que a obtém talvez só um Me
conheça em essência” (Bhagavad Gita, VII, 3). Pois são poucos os Iniciados em
cada geração, são a flor da humanidade; mas nenhuma frase terrível de
condenação eterna é pronunciada nesta declaração sobre a vasta maioria da raça
humana. Como Proclo ensinou (vide ante, p. 23), os salvos são os que escapam do
ciclo da geração, ao qual está atada a humanidade.
Em conexão a isto podemos lembrar
da história do jovem que veio a Jesus, e chamando-lhe de “Bom Mestre”,
perguntou como ele poderia obter a vida eterna - a bem reconhecida liberação
dos renascimentos através do conhecimento de Deus (deve ser lembrado que os
Judeus acreditavam que todas as almas imperfeitas voltavam para viver novamente
na Terra). Sua primeira resposta foi o preceito exotérico usual: “Observa os
mandamentos”. Mas quando o jovem respondeu: “Todas estas coisas eu tenho
observado desde minha juventude”, então, para aquela consciência livre de toda
a transgressão, veio a resposta do verdadeiro Mestre: “Se queres ser perfeito,
vai e vende tudo o que tens, e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus,
depois vem e segue-Me”. “Se queres ser perfeito”, ser um membro do reino, devem
ser abraçadas a pobreza e a obediência. E então para os seus próprios
discípulos Jesus explica que dificilmente um homem rico pode entrar no Reino
dos Céus, sendo tal entrada mais difícil que um camelo passar pelo buraco de
uma agulha; pelos homens esta entrada não poderia ocorrer, por Deus todas as
coisas são possíveis (Mateus, XIX, 16-26). Somente Deus no homem pode
ultrapassar aquela barreira. Este texto tem sido explicado de várias maneiras,
sendo obviamente impossível conseguí-lo tomando seu significado superficial,
que um homem rico não pode entrar em um estado de felicidade pós-morte. Neste
estado entram tanto o rico como o pobre, e as práticas universais dos Cristãos
mostram que eles nem por um momento acreditam que a riqueza impeça sua felicidade
após a morte. Mas se o significado real de “Reino dos Céus” for aplicado, temos
a expressão de um fato simples e direto.
Pois aquele conhecimento de Deus que é Vida Eterna (João, XVII, 3) não
pode ser obtido até que tudo o que for terreno seja abandonado, não pode ser
aprendido até que tudo tenha sido sacrificado. O homem deve desistir não só da
riqueza terrena, que daí em diante pode passa por suas mãos só para
administrá-la, mas ele deve desistir também de sua riqueza interna, até onde
ele a guardar como sua contra o mundo; antes que ele seja desnudado não poderá
passar pela porta estreita. Este tem sido sempre um requisito para a Iniciação,
e o voto do candidato tem sido sempre “pobreza, obediência, castidade”.
O “segundo nascimento” é um
outro termo bem conhecido para Iniciação; mesmo hoje na Índia as castas mais
elevadas são chamadas “duas vezes nascidas”, e a cerimônia que os torna duas
vezes nascidos é uma cerimônia de Iniciação - na verdade mera simulação, nos
dias de hoje, mas segue “o padrão das coisas que está no céu” (Hebreus, IX,
23). Quando Jesus está se dirigindo a Nicodemos, Ele fala que “a não ser que um
homem nasça duas vezes, não pode ver o Reino de Deus”, e este nascimento é dito
como sendo aquele “da água do Espírito” (João, III, 3, 5); esta é a primeira
Iniciação; uma ulterior é a “do Espirito Santo e do fogo” (Mateus, III, 11), o
batismo do Iniciado em sua maturidade, assim como a primeira é a do nascimento,
que o recebe como “uma Criancinha” que entra no Reino (ibid., XVIII, 3). Quão
totalmente familiares eram estas imagens entre os místicos dos Judeus é
indicado pela surpresa demonstrada por Jesus quando Nicodemos se embaraçava com
Sua fraseologia mística: “Tu és um mestre de Israel e não conheces estas
coisas?” (João, III, 10).
Um outro preceito de Jesus
que permanece como “um ditado rude” para seus seguidores é: “Sêde perfeitos,
assim como vosso Pai no céu é perfeito” (Mateus, V, 48). O Cristão comum sabe
que possivelmente não conseguirá obedecer a este mandamento; cheio como está
com as fragilidades e fraquezas humanas, como poderá ser perfeito como Deus é
perfeito? Vendo a impossibilidade da meta posta diante dele, ele discretamente
a põe de lado, e não pensa mais nisso. Mas vista como o esforço coroador de
muitas vidas de melhoras constantes, como o triunfo do Deus interno sobre a
natureza inferior, a meta parece então dentro do alcance, e lembramos as
palavras de Porfírio, sobre como o homem que atinge as “virtudes paradigmáticas
é o Pai dos Deuses” (vide ante, p. 24) e que nos Mistérios aquelas virtudes são
adquiridas.
São Paulo segue nas pegadas
de seu Mestre, e fala exatamente do mesmo sentido, mas com uma explicitude e
clareza maiores, como poderia ser esperado a partir de seu trabalho organizador
na Igreja. O estudante deveria ler com atenção os capítulos II e III, e o
versículo 1 do capítulo V da Primeira Epístola aos Coríntios, lembrando, à
medida que lê, que as palavras são endereçadas aos membros batizados e
comungantes da Igreja, membros plenos no sentido moderno, embora, descritos
como bebês e carnais pelo Apóstolo. Eles não eram catecúmenos ou neófitos, mas
homens e mulheres que estava em plena posse de todos os privilégios e
responsabilidades como membros da Igreja, reconhecidos pelo Apóstolo como
estando apartados do mundo, e dos quais não esperava que se portassem como
homens do mundo. Eles estavam, de fato, de posse de tudo o que a Igreja moderna
dá aos seus membros. Resumamos as palavras do Apóstolo:
“Eu venho a vós trazendo o testemunho
divino, e não vos enganando com sabedoria humana, mas venho com o poder do
Espírito. Em verdade ‘falamos sabedoria entre os que são perfeitos, mas não é
sabedoria humana’. Falamos da sabedoria de Deus em mistério, mesmo a sabedoria
oculta, que Deus ordenou antes que o mundo existisse, a qual nem os príncipes
deste mundo conhecem. As coisas daquela sabedoria estão além do entendimento
dos homens, ‘mas Deus as revela a eles por Seu Espírito... as coisas íntimas de
Deus’, ‘ensinadas pelo Espírito Santo’ (Note-se como isto se alinha com a
promessa de Jesus em João, XVI, 12-14: “Eu tenho ainda muitas coisas a vos
dizer, mas ainda não as podeis suportar. Porém quando Ele, o Espírito da
Verdade, vier, Ele vos guiará em toda a verdade... Ele vos mostrará as coisas
do porvir... Ele as receberá de Mim e as mostrará a vós”). Estas são coisas
espirituais, a serem discernidas somente pelos homens espirituais, em quem está
a mente de Cristo. ‘E Eu, irmãos, não vos poderia falar como falo aos
espirituais, mas falo como aos carnais até mesmo para os bebês em Cristo...
Eles não eram capazes de o suportar, como vós não o suportaríeis ainda. Pois
sois ainda carnais’. Como um mestre-construtor [um outro termo técnico nos
Mistérios] Eu deixei as fundações’ e ‘vós sois o Templo de Deus, e o Espírito
de Deus habita em vós’. ‘Que um homem nos considere assim, como ministros de
Cristo, e guardiães dos Mistérios de Deus’ “.
Alguém pode ler esta
passagem - e tudo o que foi dito no resumo é para enfatizar os pontos
importantes - sem reconhecer o fato de que o Apóstolo possuía uma sabedoria
divina dada nos Mistérios, que seus seguidores coríntios ainda não eram capazes
de receber? E notem a recorrência de termos técnicos: a “sabedoria”, a
“sabedoria de Deus em mistério”, a “sabedoria oculta”, conhecida somente pelos
homens “espirituais”, falada somente entre os “perfeitos”, sabedoria da qual
eram excluídos os não-“espirituais”, os “bebês em Cristo”, e só conhecida dos
“mestres construtores”, os “guardiães dos Mistérios de Deus”.
Repetidas vezes ele se
refere a estes Mistérios. Escrevendo aos Cristãos de Éfeso ele diz que “pela
revelação”, pelo desvelamento, tinha sido feito “sabedor dos Mistérios”, e daí
seu “conhecimento dos mistérios de Cristo”; todos podiam saber sobre a “irmandade
dos Mistérios” (Efésios, III, 3, 4, 9). Sobre este Mistério, ele repete aos
colossenses que foi “feito ministro”, “o Mistério que esteve ocultos das idades
e das gerações, mas que agora era tornado manifesto aos Seus santos”; não ao
mundo, nem mesmo aos Cristãos, mas somente aos Santos. Para eles era revelada
“a glória deste Mistério”; e o que era isso? “Cristo em vós” - uma frase
significativa, que veremos, logo, pertencer à vida do Iniciado; assim
finalmente todo homem deve aprender a sabedoria, e se tornar “perfeito em
Cristo Jesus” (Colossenses, i, 23, 25-28. Mas São Clemente, em seu Stromata,
traduz “todo homem” como “o homem todo”. Vide o Livro V, cap. X). A estes
Colossenses ele ordena orar “para que Deus nos abra aporta da profecia, para
falar o Mistério de Cristo” (Colossenses, IV, 3), uma passagem à qual São
Clemente se refere como sendo uma em que o Apóstolo “revela claramente que o
conhecimento não pertence a todos” (Clemente de Alexandria, Stromata, Livro V,
cap. X; A.-N.C.L. Alguns ditos adicionais dos Apóstolos serão encontrados nas
citações de Clemente, mostrando qual significado tinham para as mentes daqueles
que sucederam os Apóstolos, e que viviam na mesma atmosfera de pensamento). Da
mesma forma também escreve ao seu bem-amado Timóteo, ordenando-lhe selecionar
seus diáconos dentre aqueles que “mantinham o Mistério da fé em uma consciência
pura”, aquele “grande Mistério da Piedade”, que ele havia aprendido (I Timóteo,
III, 9, 16), cujo conhecimento era necessário para os instrutores da Igreja.
Porém São Timóteo está em
uma posição importante como representante da geração seguinte de instrutores
Cristãos. Ele foi discípulo de São Paulo, e foi indicado por ele para guiar e
dirigir uma porção da Igreja. Ele havia sido, sabemos, iniciado nos Mistérios
pelo próprio São Paulo, e é feita referência a isto, e os termos técnicos mais
uma vez servem como chave. “Esta função te delego, meu filho Timóteo, de acordo
com as profecias que foram feitas sobre ti” (I Timóteo, I, 18), a bênção solene
do Iniciador, que admitia o candidato; mas o Iniciador não estava sozinho: “Não
descureis o dom que está em vós, o qual vos foi dado pela profecia, abandonando
o Presbitério” (ibid., IV, 14) dos Irmãos Maiores. E ele lhe adverte preservar
aquela “vida eterna, à qual também fostes chamado, e professastes um bom voto
diante de muitas testemunhas” (ibid., VI, 13) - o voto do novo Iniciado
prestado na presença dos Irmãos Maiores e da assembléia dos Iniciados. O
conhecimento dado então era a incumbência sagrada sobre a qual São Paulo fazia
tanta ênfase: “Oh Timóteo, preserva aquilo que te foi confiado” (Ibid. 20) - e
não o conhecimento comumente possuído pelos Cristãos, a respeito do qual não
havia obrigação nenhuma sobre São Timóteo, mas o depósito sagrado confiado a ele
como Iniciado, e essencial ao bem da Igreja. São Paulo mais tarde volta a isto,
enfatizando a suprema importância do assunto de um modo que teria sido
exagerado se o conhecimento fosse a propriedade comum dos homens Cristãos:
“Guarda bem a forma das sérias palavras que ouvistes de mim... Aquela boa coisa
que te foi confiada, guarda-a pelo Espírito Santo que reside em nós” (II
Timóteo, I, 13,14) - uma adjuração tão séria quanto seria possível por lábios
humanos. Mais ainda, era seu dever prover a devida transmissão deste depósito
sagrado, para que pudesse transmitido ao futuro, e a Igreja nunca fosse deixada
sem Instrutores: “As coisas que ouvistes de mim entre muitas testemunhas” - os
ensinamentos orais sagrados dados na assembléia dos Iniciados, que testemunhava
a precisão da transmissão - “confia o mesmo a homens dignos, que sejam também
capazes de ensinar aos outros” (Ibid., II, 2).
O conhecimento - ou, se
preferirmos o termo, a suposição - de que a Igreja possuía estes ensinamentos
ocultos lança uma torrente de luz sobre estas diversas passagens de São Paulo
sobre si mesmo, e quando as reunimos, temos um perfil da evolução do Iniciado.
São Paulo diz que embora ele já estivesse entre os perfeitos, os Iniciados -
pois ele diz: “Que nós, portanto, que somos perfeitos, tenhamos esta
mentalidade” - ele ainda não tinha “atingido”, ainda não era em verdade
inteiramente “perfeito”, pois ainda não havia recebido Cristo, ele ainda não
havia atingido o “alto chamado de Deus em Cristo”, “o poder de Sua ressurreição,
e a companhia de Seus sofrimentos, sendo tornado conforme à Sua morte”; e ele
estava tentando, diz, “se por algum meio puder alcançar a ressurreição dos
mortos” (Filipenses, III, 8, 10-12, 14, 15). Pois esta era a Iniciação que
libertava, que fazia do Iniciado um Mestre perfeito, o Cristo Ressurrecto,
libertando-o finalmente dos “mortos”, da humanidade presa ao ciclo da geração,
dos laços que atavam a alma à matéria grosseira. Novamente aqui temos um número
de termos técnicos, e mesmo o leitor superficial deveria perceber que a
“ressurreição dos mortos” mencionada aqui não poderia ser a ressurreição comum
dos modernos Cristãos, suposta ser inevitável para todos os homens, e portanto
não requerendo obviamente nenhuma luta especial da parte de ninguém para conseguí-la.
De fato a própria palavra “conseguir” estaria fora de lugar ao referir-se a uma
experiência humana universal e inevitável. São Paulo não poderia evitar esta
ressurreição, de acordo com o ponto de vista dos Cristãos modernos. Qual seria
então a ressurreição a ser conseguida para a qual ele estava fazendo tão
estrênuos esforços? Uma vez mais a única resposta vem dos Mistérios. Neles o
Iniciado se aproximava da Iniciação que libertava do ciclo do renascimento, o
ciclo da geração, era chamado de “o Cristo sofredor”, ele compartilhava dos
sofrimentos do Salvador do mundo, era crucificado misticamente, “tornado
conforme à Sua morte”, e então conseguia a ressurreição, a companhia do Cristo
glorificado, e, depois, a morte já não tinha poder sobre ele (Apocalipse, i,
18. “Eu sou Aquele que vive, esteve morto e ressurgiu, e vive eternamente.
Amen”). Este era o “prêmio” em direção ao qual o Apóstolo estava se esforçando,
e ele urge “todos os que são perfeitos”, não o crente comum, para que também se
esforcem deste modo. Que não se contentem com o que já obtiveram até então, mas
que se esforcem por mais.
Esta semelhança com Cristo
do Iniciado, de fato, é o próprio trabalho dos Mistérios Maiores, como veremos
em maior detalhe quando estudarmos “O Cristo Místico”. O Iniciado já não devia
ver o Cristo como fora de si mesmo. “Embora tenhamos conhecido o Cristo na
carne, deste modo já não o conhecemos” (II Coríntios, V, 16).
O crente comum havia sido
“revestido de Cristo, assim como todos de vós que fostes batizados em Cristo se
revestiram de Cristo” (Gálatas, III, 27). Então eles se tronavam os “bebês em
Cristo”, a quem já se fez referência, e Cristo era o Salvador de quem eles
buscavam ajuda, conhecendo-O “na carne”. Mas quando eles haviam vencido a
natureza inferior e já não eram “carnais”, então eles entrariam em um caminho
mais elevado, e se tornariam eles mesmo Cristo. Isto que ele mesmo já havia
conseguido era o desejo do Apóstolo para os seus seguidores. “Meus filhos, de
quem sofro as dores do parto até que Cristo seja formado em vós” (Gálatas, IV,
19). Ele já era seu pai espiritual, “tendo-vos gerado através do evangelho” (I
Coríntios, IV, 15). Mas agora ele era como aquele que gera “novamente”, como se
fosse sua mãe para levá-los ao segundo nascimento. Então o Cristo Infante, a
Santa Criança, nascia na alma, “o homem oculto no coração” (I Pedro, III, 4), e
o Iniciado se tornava assim “a Criancinha”; daí por diante ele devia viver em
sua pessoa a vida do Cristo, até que se trinasse o “homem perfeito”, crescendo “até
a medida da plena estatura de Cristo” (Efésios, IV, 13). Então ele, como São
Paulo estava fazendo, repetia em sua própria carne os sofrimentos de Cristo
(Colossenses, I, 24) e sempre tinha “junto a si a morte do Senhor Jesus”, para
que pudesse dizer com verdade “sou crucificado com Cristo; não obstante eu
vivo; embora não seja eu, mas é Cristo que vive em mim” (Gálatas, II, 20).
Assim o Apóstolo estava ele mesmo sofrendo; assim ele descrevia si próprio. E
quando a luta termina, quão diferente é o tom calmo de triunfo sobre árduos
esforços dos primeiros anos: “Agora estou pronto para ser oferecido, e o tempo
de minha partida está próximo. Eu lutei a boa luta, terminei minha carreira,
guardei a fé; por isso me espera uma coroa de justiça” (II Timóteo, IV, 6-8).
Esta era a coroa dada “ a ele que vencera”, de quem é dito pelo Cristo
Ressurrecto: “Eu farei dele um pilar no Templo de meu Deus; e dali não sairá
mais” (Apocalipse, III, 12). Pois após a “Ressurreição” o Iniciado se tornava o
Homem Perfeito, o Mestre, e já não sai do Templo, mas dali serve e guia os
mundos.
Pode ser bom assinalar,
antes de encerarmos este capítulo, que o próprio São Paulo sanciona o uso do
ensinamento teórico místico na explicação dos eventos históricos registrados
nas escrituras. A história escrita ali não é considerada por ele um mero
registro de fatos, que ocorreram no plano físico. Verdadeiro místico, ele via
nos eventos físicos as sombras das verdades universais sempre ocorrendo nos
mundos mais altos e internos, e sabia que os eventos escolhidos para serem
preservados nos escritos ocultos eram aqueles mais típicos, cuja explicação
serviria à instrução humana. Assim ele toma a história de Abraão, Sarai, Hagar,
Ismael e Isaac, e dizendo que “aquelas coisas são alegorias”, ele passa a dar a
interpretação mística (Gálatas, IV, 22-31). Referindo-se à fuga dos israelitas
do Egito, ele fala do Mar Vermelho como um batismo, do maná e da água como
comida e bebida espirituais, da rocha de onde a água fluiu como sendo o Cristo
(I Coríntios, X, 1-4). Ele vê o grande mistério da união de Cristo com Sua
Igreja na relação de marido e mulher, e fala dos Cristãos como sendo a carne e
os ossos do corpo de Cristo (Efésios, V, 23-32). O autor desta Epístola aos
Hebreus alegoriza todo o sistema de culto Judeu. No Templo ele vê um espelho do
Templo celeste, no Sumo Sacerdote ele vê Cristo, nos sacrifícios vê a doação do
Filho imaculado; os sacerdotes do Templo não passam de “exemplos e sombras das
coisas celestes”, do sacerdócio celeste servindo no “verdadeiro tabernáculo”.
Uma alegoria muito elaborada é assim
desenvolvida nos capítulos III a X, e o escritor alega que o Espírito Santo
significava assim o sentido mais profundo; tudo era “uma imagem para esta
época”.
Nesta visão dos escritos
sagrados não é alegado que os eventos registrados não tenham tido lugar, mas
apenas que sua ocorrência física era coisa de menor importância. Uma explicação
como esta é o desvelar dos Mistérios Menores, o ensinamento místico que é
permitido dar ao mundo. Não é, como muitos imaginam, um mero jogo de
imaginação, mas é a atividade de uma verdadeira intuição, vendo os protótipos
nos céus, e não somente as sombras lançadas por eles na tela do tempo terreno.
Enquanto possa ocorrer que
alguns estejam querendo admitir a posse pelo Apóstolo e seus sucessores
imediatos de um conhecimento das coisas espirituais mais profundo do que o que
era corrente entre as massas dos crentes em seu redor, poucos provavelmente
desejarão dar o próximo passo, e, deixando este círculo enfeitiçado, aceitar os
Mistérios da Igreja Primitiva como o depositário de seus ensinamentos sagrados.
Mesmo que tenhamos São Paulo fazendo os preparativos para a transmissão do
ensino não escrito, iniciando ele mesmo a São Timóteo, e instruindo São Timóteo
para que por sua vez iniciasse outros, os quais o dariam a ainda outros, depois
deles. Vemos assim um arranjo de quatro gerações sucessivas de instrutores,
citadas nas mesmas Escrituras, e eles com muita folga sobrepujariam os
escritores da Igreja Primitiva que testemunham a existência dos Mistérios. Pois
entre eles há discípulos dos próprios Apóstolos, embora as declarações mais
definitivas sejam daqueles afastados dos Apóstolos por um instrutor
intermediário. Porém, assim que iniciamos o estudo dos escritos da Igreja
Primitiva, se nos deparam os fatos de que existem alusões que são inteligíveis
apenas considerando a existência dos Mistérios, e depois declarações de que os
Mistérios realmente existem. Isto poderia, é claro, ser esperado, analisando as
condições em que o Novo Testamento deixa o assunto, mas causa satisfação
descobrir que os fatos correspondem às expectativas.
As primeiras testemunhas
são aqueles chamados Padres Apostólicos, os discípulos dos Apóstolos; mas
demasiado pouco subsiste de seus escritos, e mesmo o que resta é questionado.
Quando não são escritas controversamente, as declarações não são tão
categóricas como as dos escritores posteriores. Suas cartas são para o encorajamento
dos crentes. Policarpo, Bispo de Smirna, e, juntamente com Inácio, discípulo de
São João (The Martyrdom of Ignatius, vol. I, cap. III - Os texto utilizados
provêm da Ante-Nicene Christian Library, de Clarke, um utilíssimo compêndio de
antigüidades Cristãs. O número do volume é o seu número na série), expressa a
esperança de que seus correspondentes sejam “bem versados nas sagradas
Escrituras e que nada lhes seja oculto; mas para mim este privilégio ainda não
foi outorgado” (Ibid., The Epistle of Polycarp, cap. XII). - escrevendo,
aparentemente, antes de alcançar a Iniciação plena. Barnabé fala em comunicar
“alguma porção do que eu mesmo recebi” (Ibid., The Epistle of Barnabas, cap. I)
e depois de expor a Lei misticamente, declara que “nós, então, entendendo
corretamente Seus mandamentos, os explicamos do modo como o Senhor pretendeu
que significassem” (Ibid., cap. X). Inácio, Bispo de Antióquia, um discípulo de
São João (Ibid., The Martyrdom of Ignatius, cap. I), fala de si mesmo como
“ainda não sendo perfeito em Jesus Cristo. Pois só agora iniciei a ser um
discípulo, e falo a vós como a meus condiscípulos” (Ibid., Epistle of Ignatius
to the Ephesians, cap. III), e fala deles como “iniciados nos mistérios do
Evangelho com Paulo, o santo, o martirizado” (Ibid., cap. XII). Mais uma vez
ele diz: “Poderia eu não vos escrever coisas mais cheias de mistério? Mas temo
em fazê-lo, podendo prejudicar-vos, a vós que sois apenas bebês. Perdoai-me a
este respeito, pois não sendo capazes de receber todo seu peso, seríeis
sufocados por elas. Pois mesmo eu, embora ligado (por Cristo) e sendo capaz de
entender coisas celestiais, as ordens angélicas, e os diferentes tipos de anjos
e hierarquias, a diferença entre tronos e potestades, a grandiosidade dos éons,
e a preeminência dos querubins e serafins, a sublimidade do Espírito, o reino
do Senhor, e acima de tudo a incomparável majestade de Deus Todo-poderoso -
embora eu conheça estas coisas, ainda não sou de modo algum perfeito, nem sou
um discípulo da estatura de Paulo ou Pedro” (Ibid., To the Trallians, vol. 2).
Esta passagem é interessante, ao indicar que a organização das hierarquias
celestes era um dos assuntos sobre os quais era dada instrução nos
Mistérios. Novamente ele fala do Sumo
Sacerdote, do Hierofante, “a quem foi confiado o Santo dos Santos, e quem
sozinho foi informado dos segredos de Deus” (Ibid., To the Philadelphians, cap.
IX).
Passamos a seguir para São
Clemente de Alexandria e seu discípulo Orígenes, os dois escritores dos séculos
II e III que mais nos contam sobre os Mistérios na Igreja Primitiva; embora a
atmosfera geral seja cheia de alusões místicas, os dois são claros e
categóricos em suas asserções de que os Mistérios eram uma instituição
reconhecida.
São Clemente foi um
discípulo de Panteno, e fala dele e de dois outros, ditos ser provavelmente
Tatiano e Teódoto, como “preservando a tradição da doutrina bendita derivada
diretamente dos santos Apóstolos Pedro, Tiago, João e Paulo” (Clemente de
Alexandria, Stromata, livro I, cap., I - A.-N.C.L, vol. IV), assim seu elo com
os próprios Apóstolos tem apenas um intermediário. Ele foi o diretor da Escola
Catequética de Alexandria em 189 dC, e morreu cerca de 220 dC. Orígenes nasceu
em torno de 185 dC, foi seu discípulo, e é, talvez, o mais instruído dos
Padres, e um homem da mais rara beleza moral. Estas são as testemunhas de quem
recebemos o mais importante registro da existência de Mistérios definidos na
Igreja Primitiva.
Os Stromata, ou Miscelânea,
de São Clemente, são nossa fonte de informação sobre os Mistérios naquela sua
época. Ele mesmo fala destes escritos como uma “miscelânea de notas Gnósticas,
de acordo com a verdadeira filosofia” (Stromata, livro I, cap. XXVIII -
A.-N.C.Lib., vol. IV), e as descreve também como memorandos dos ensinamentos que
ele mesmo recebera de Panteno. A passagem é instrutiva: “O Senhor...
permitiu-nos comunicar aqueles Divinos Mistérios, e aquela santa luz, àqueles
capazes de os receber. Ele certamente não revela à multidão o que não pertence
à multidão, mas aos poucos que Ele sabe que lhes pertencem, que são capazes de
recebê-los e ser moldados de acordo com eles. Mas coisas secretas são confiadas
á voz, e não ao escrito, como é o caso com Deus. E se alguém diz (parece que
mesmo naquele tempo havia alguns que objetavam de alguma verdade ser ensinada
secretamente!) que está escrito ‘Não há nada escrito que não seja revelado, nem
oculto que não seja descoberto’, que também ouça de nós, que àquele que ouve
secretamente, mesmo o que é secreto será manifesto. Isto é o que foi predito
por aquele oráculo. E para aquele que é capaz de conservar em segredo o que lhe
é transmitido, o que é velado lhe será descoberto como verdade; e o que está
oculto da maioria aparecerá manifesto aos poucos... Os Mistérios são confiados
misticamente, para o que é falado possa estar na boca do que fala; não em sua
voz, mas em seu entendimento... O escrito destes meus memoranda, bem o sei, é
fraco quando comparado com aquele espírito, que é cheio de graça, o qual eu
tive o privilégio de ouvir. Mas será uma imagem para recordar o arquétipo
àquele que foi tocado com o Tirso”. O Tirso, podemos assinalar, era a vareta
levada pelos Iniciados, e os candidatos eram tocados com ela durante a
cerimônia de Iniciação. Tinha uma significação mística, simbolizando a medula
espinhal e a glândula pineal nos Mistérios Menores, e um Bastão, conhecido dos
Ocultistas, nos Maiores. Dizer, portanto, “àqueles que foram tocados com o
Tirso”, era exatamente o mesmo que dizer, “àquele que foi iniciado nos
Mistérios’. Clemente prossegue: “Nós professamos não explicar coisas secretas
suficientemente - longe disto - mas apenas recordá-las à memória, se tivermos
esquecido algum detalhe, ou com o intuito de não esquecer. Muitas coisas, sei
bem, nos escapam, na da passagem do tempo, e que deixamos de lado sem as
escrever... Há coisas então de que não guardamos memória alguma; pois o poder
que estava nos homens benditos era grande”. Uma experiência freqüente daqueles
ensinados pelos Grandes Seres, pois Sua presença estimula e torna ativos
poderes que normalmente estão latentes, e que o discípulo, desassistido, não
pode evocar. “Também há coisas que permanecem de todo não registradas; que
agora nos fogem; e outras que estão confusas, tendo se desvanecido na própria
mente, uma vez que tal tarefa não é simples para os inexperientes; estas eu
reavivo em meus comentários. Algumas coisas eu omito de propósito, exercitando
uma sábia seleção, receando escrever o que eu evitei falar; não para enganar -
pois seria errado - mas temendo por meus leitores, para que não tropecem
tomando-as num sentido equívoco; e, como diz o ditado, estaríamos ‘dando uma
espada para uma criança’. Pois é impossível que o que fosse escrito não fosse
percebido (se tornasse sabido), assim permanece impublicado por mim. Mas sendo
sempre circunspecto, usando apenas uma voz, a do escrito, (as coisas escritas)
não respondem nada para aquele que faz perguntas além do que foi escrito; pois
elas requerem necessariamente a ajuda de alguém, seja de quem escreveu, ou de
outro que seguiu em seus passos. Meu tratado esconde certas coisas; em outras
se demora; outras apenas menciona. Ele tenta falar discretamente, exibir
secretamente, e demonstrar silenciosamente” (Ibid., livro I, cap. I).
Esta passagem, se apenas
ela existisse, seria suficiente para confirmar a existência de um ensinamento
secreto na Igreja Primitiva. Mas de modo algum é um espécimen isolado. No
capítulo XII do mesmo livro I, sob o título “Os Mistérios da Fé não devem ser
divulgados a todos”, Clemente declara que, uma vez que outros além do sábio
podem chegar a ver sua obra, “é obrigatório portanto ocultar em um Mistério a
sabedoria enunciada, que o Filho de Deus ensinou”. Língua purificada de quem
fala, ouvido purificado de quem ouve, isto era necessário. “Tais foram as restrições
no caminho de minha escrita. E mesmo agora eu temo, como se diz, de ‘lançar as
pérolas aos porcos, para que não as calquem sob seus pés e se voltem contra nós
e nos despedacem’. Pois é difícil exibir
as palavras realmente puras e transparentes a respeito da verdadeira luz aos
ouvidos suínos e destreinados. Pois dificilmente haveria coisas que pudessem
ser mais ridículas do que estas para a multidão; nem, por outro lado, qualquer
assunto poderia ser mais admirável ou mais inspirador para aqueles de natureza
nobre. Mas o sábio não profere com sua
boca o que discute em concílio. Mas o que ouvis no ouvido, disse o Senhor,
‘proclamai acima das casas’, fazendo com que recebam as tradições sagradas do
verdadeiro conhecimento, e expondo-as alto e conspicuamente; e já que ‘ouvimos
no ouvido’, então as entregarmos a outros é obrigatório; mas não nos agrada
comunicar a todos sem distinção o que lhes é dito em parábolas. Mas só existe
um esboço em nossos memoranda, os quais têm a verdade esparsa e difusa, para
que possa escapar da atenção daqueles que apanham sementes como gralhas; mas
quando elas encontram um homem que as acolhe bem cada uma delas germinará e
produzirá grão”.
Clemente poderia ter
acrescentado que “proclamar acima das casas” era proclamar ou expor na
assembléia dos Perfeitos, dos Iniciados, e de modo algum bradá-las para os
homens nas ruas.
Novamente ele diz que
aqueles que são “ainda cegos e surdos, não tendo entendimento, ou a visão clara
e penetrante da alma contemplativa... devem ficar de fora do coro divino... Por
conseguinte, em concordância com o método de ocultação, o Verbo verdadeiramente
sagrado, verdadeiramente divino e necessário para nós, depositado no escrínio
da verdade, era indicado, pelos egípcios, pelo que eles chamavam de adyta, e os
Hebreus, de véu. Somente os consagrados... eram autorizados a ter-lhe acesso.
Pois Platão também ensinou que não é lícito para ‘o impuro tocar no que é puro.
Por isso as profecias e oráculos são proferidos em enigmas, e os Mistérios não
são exibidos de imediato e em amplitude a todos, mas somente depois de certas
purificações e instruções prévias” (Ibid., livro V, cap. IV). Ele então
discorre longamente sobre os Símbolos, expondo os Pitagóricos, os Hebreus,
Egípcios, e então assinala que o ignorante e o inculto falham em entendê-los.
“Mas o Gnóstico compreende. Pois não é desejado que todas as cosias sejam
expostas indiscriminada e completamente a todos, nem que os benefícios da
sabedoria sejam comunicados àqueles que nem em sonho se purificaram na alma
(pois não é permitido entregar a qualquer arrivista o que foi procurado com
tantos esforços laboriosos); nem serão expostos ao profano os Mistérios da
Palavra”. Os Pitagóricos e Platão, Zenão e Aristóteles tinham ensinamentos
exotéricos e esotéricos. Os filósofos estabeleceram os Mistérios, pois “não
seria mais benéfico para a santa e bendita contemplação das realidades serem
ocultas?” (Ibid., cap. IX). Os Apóstolos também aprovavam “o velamento dos
Mistérios da Fé”. “pois existe uma instrução para os perfeitos”, à qual se
alude em Colossenses, 9-11 e 25-27. “Tanto é que, por outro lado, então,
existem os Mistérios que estavam ocultos até o tempo dos Apóstolos, e foram
pregados por eles assim como foram recebidos do Senhor, e, ocultos no Antigo
Testamento, foram manifestos aos santos. E, por outro lado, há ‘as riquezas da
glória do mistérios entre os Gentios’, que é a fé e esperança em Cristo; o que
em outra parte ele chama de “o fundamento”. Ele cita São Paulo para demonstrar
que este “conhecimento não pertence a todos”, e diz, referindo-se a Hebreus V e
VI, que “certamente existem entre os Hebreus algumas coisas transmitidas
oralmente”; e então se refere a São Barnabé, que fala de Deus, “que colocou em
nossos corações a sabedoria e o entendimento de seus segredos”, e diz que “é
dado a poucos entender estas coisas”, como se apresentando “um traço de
tradição Gnóstica”. “Portanto a instrução que revela coisas ocultas é chamada
de iluminação, assim como é somente o instrutor que levanta a tampa da arca”
(Ibid., livro V, cap. X). Referindo-se mais a São Paulo, ele comenta sua
declaração em Romanos de que ele “virá na plenitude da bênção de Cristo” (loc.
cit., XX, 29), e diz que ele significa com isto “o dom espiritual e a
interpretação Gnóstica, que ao estar presente deseja transmitir a eles como ‘a
plenitude de Cristo, de acordo com a revelação do Mistérios selado nas eras da
eternidade, mas agora manifesto pelas Escrituras proféticas’ (Ibid., XVI, e
25-26; a versão citada difere em palavras, mas não em sentido, da Edição
Inglesa Autorizada)... Mas apenas a uns poucos dentre eles é mostrado o que são
estas coisas que o Mistério contém. Corretamente, então, Platão, nas cartas
tratando de Deus, diz: ‘Devemos nos expressar em enigmas; para que se por
qualquer acaso o escrito, por terra ou por mar, cair nas mãos de alguém, este
permaneça ignorante” (Stromata, livro V, cap. X).
Depois de muito exame dos
escritores gregos, e uma investigação na filosofia, São Clemente declara que a
Gnose “transmitida e revelada pelo Filho de Deus é sabedoria... E a Gnose em si
é aquilo que continuou pela transmissão a uns poucos, tendo sido transmitida
oralmente pelos Apóstolos” (Ibid., livro VI, cap. VII). É feita uma exposição
muito alentada da vida do Gnóstico, do Iniciado, e São Clemente a conclui
dizendo: “Que isto baste para aqueles que têm ouvidos. Pois não é preciso
desvelar o mistério, mas apenas indicar o que baste, para aqueles que são
partícipes no conhecimento, para traze-lo de novo à mente” (Ibid., livro VII,
cap. XIV).
Considerando a Escritura
como consistindo de alegorias e símbolos, e como escondendo o sentido a fim de
estimular a indagação e para preservar o ignorante do perigo (ibid., livro VI,
cap. XV), São Clemente naturalmente confinou a instrução superior aos mais cultos.
“Nosso Gnóstico será profundamente culto” (Ibid., livro VI, cap. X), diz ele.
“Pois o Gnóstico deve ser erudito” (ibid., livro VI, cap. VII). Aqueles que
adquiriram desenvoltura através de treinamento prévio poderiam dominar o
conhecimento mais profundo, pois embora “um homem possa ser um crente sem
estudo, também declaramos que é impossível para um homem sem estudo compreender
as coisas que são expostas na doutrina” (Ibid., livro I, cap. VI). “Alguns que
se imaginam naturalmente dotados não desejam se aproximar da filosofia ou da
lógica; antes não desejam aprender a ciência natural. Eles requerem apenas a fé
pobre... Assim também eu chamo de verdadeiramente erudito aquele que leva tudo
à base da verdade - para que, da geometria, da música, da gramática e da
própria filosofia, selecionando o que é útil, preserve a fé contra assaltos.
Quão necessário é, para o que deseja compartilhar do conhecimento de Deus,
tratar dos assuntos intelectuais através da filosofia” (ibid., cap. IX). “O
Gnóstico se vale dos ramos do conhecimento como exercícios preparatórios
auxiliares” (Ibid., livro VI, cap. X). Quão longe estava São Clemente de pensar
que o ensinamento do Cristianismo devesse ser medido pela ignorância do
inculto. “Aquele que é familiarizado com todos os tipos de sabedoria será
preeminentemente um Gnóstico” (Ibid., livro I, cap. XIII). Assim enquanto
acolhe o ignorante e o pecador, e encontra no Evangelho o que atende às suas
necessidades, considera que somente o culto e o puro seriam candidatos
adequados para os Mistérios. “O Apóstolo, distintamente da perfeição Gnóstica,
chama a fé comum de fundamento, e algumas vezes de leite” (Stromata, vol. XII,
livro V, cap. IV), mas sobre aquele fundamento devia ser erguido o edifício da
Gnose, e o alimento próprio de homens devia suceder ao dos bebês. Não há
nenhuma intolerância ou complacência na distinção que ele faz, mas apenas um
calmo e sábio reconhecimento dos fatos.
Mesmo o candidato bem
preparado, o discípulo culto e treinado, só poderiam esperar avançar passo a
passo nas profundas verdades desveladas nos Mistérios. Isto aparece claramente
em seus comentários sobre a visão de Hermas, onde ele também dá algumas
sugestões sobre o método de ler-se obras ocultas. “Não deu também o Poder, que
apareceu a Hermas na Visão, sob a forma da Igreja, para transcrição o livro que
ele desejava que fosse conhecido dos eleitos? E isto, ele diz, ele transcreveu
ao papel, não sabendo como completar as sílabas. E isto significa que a
Escritura é clara para todos, quando tomada ao pé da letra; e que isto é a fé
que ocupa o lugar dos rudimentos. Daí é empregada também a expressão figurada
‘leitura de acordo com a letra’, enquanto que nós entendemos que a
interpretação gnóstica das Escrituras, quando a fé chegou a um grau avançado, é
comparada com a leitura de acordo com as sílabas... Porém aquilo o Salvador
ensinou os Apóstolos, a interpretação oral dos escritos (Escrituras) foi dada
também a nós, inscrita pelo poder de Deus nos corações renovados, de acordo com
a renovação do livro. Assim aqueles de grande reputação entre os gregos dedicam
o fruto da romãzeira a Hermes, a quem chamam de fala, por conta de sua
interpretação. Pois a fala oculta muito... Portanto não é apenas àqueles que
lêem com simplicidade que a aquisição da verdade é tão difícil, mas a história
de Moisés ensina que nem mesmo àqueles cuja prerrogativa é o conhecimento da
verdade a sua contemplação é desvelada completamente; assim como os hebreus
foram acostumados a contemplar a glória de Moisés, e os profetas de Israel as
visões dos anjos, assim também nós nos tornamos capazes de olhar os esplendores
da verdade face a face” (Ibid., livro VI, cap. XV).
Poderiam ser dadas ainda
outras referências, mas estas serão suficientes para estabelecer o fato de que
São Clemente sabia da existência dos Mistérios no seio da Igreja, havia sido
iniciado neles, e escreveu para o benefício daqueles que também haviam sido
iniciados.
A testemunha seguinte é o
discípulo Orígenes, aquela brilhantíssima luz de erudição, coragem, santidade,
devoção, brandura e zelo, cujas obras permanecem como minas de ouro onde o
estudante pode garimpar os tesouros da sabedoria.
Em sua famosa controvérsia
contra Celso, foram feitos ataques ao Cristianismo que suscitaram uma defesa da
posição Cristã onde foram feitas freqüentes referências aos ensinamentos
secretos (Contra Celsus, livro I. Este livro é encontrado no volume X da
A.-N.C.Lib. Os livros restantes estão no volume XXIII).
Celso alegou, como
argumento de seu ataque, que o Cristianismo era um sistema secreto, e Orígenes
refuta isto dizendo que conquanto certas doutrinas fossem secretas, muitas
outras eram públicas, e que este sistema de ensinamentos exotéricos e
esotéricos, adotado no Cristianismo, era também de uso geral entre os
filósofos. O leitor notará, na passagem abaixo, a distinção feita entre a
ressurreição de Jesus, considerada sob uma luz histórica, e o “mistério da
ressurreição”:
“Acima de tudo, uma vez que
ele (Celso) freqüentemente chama a doutrina Cristã de sistema secreto (de fé), devemos
confutá-lo também neste ponto, uma vez que quase todo o mundo está mais
familiarizado com aquilo que os Cristãos pregam do que com as opiniões
favoritas dos filósofos. Pois quem desconhece a declaração de que Jesus nasceu
de uma virgem, e que foi crucificado, e que Sua ressurreição é um artigo de fé,
e que é esperado um juízo final, no qual os maus serão punidos de acordo com
suas faltas, e os justos serão devidamente recompensados? Mesmo assim, o
Mistério da ressurreição, não sendo compreendido, é feito objeto de ridículo
entre os descrentes. Nestas circunstâncias, falar da doutrina Cristã como sendo
um sistema secreto é um completo absurdo. Mas que deva haver certas doutrinas,
não descobertas à multidão, que o são depois que o profano é ensinado, não é
uma peculiaridade apenas do Cristianismo, mas também de sistemas filosóficos
nos quais certas verdades são exotéricas e outras são esotéricas. Alguns dos
ouvintes de Pitágoras se contentavam com seu ipse dixit, enquanto que outros
eram ensinados em segredo naquelas doutrinas que não eram consideradas próprias
para serem comunicadas aos ouvidos profanos e insuficientemente preparados.
Além disso, todos os Mistérios que são celebrados em toda a Grécia e em todos
os países bárbaros, embora mantidos em segredo, não sofrem de nenhum
descrédito, de modo que é vão que ele procure caluniar as doutrinas secretas do
Cristianismo, constatando-se que ele não compreende corretamente sua natureza”
(Origen against Celsus, livro I, cap. VII - A.-N.C.Libr, vol. X).
É impossível negar que
nesta importante passagem Orígenes nitidamente coloca os Mistérios Cristãos na
mesma categoria dos do mundo Pagão, e invoca que aquilo que não é considerado
como um descrédito em relação a outras religiões não deveria constituir motivo
de ataque quando encontrado no Cristianismo.
Ainda escrevendo contra
Celso, ele declara que os ensinamentos secretos de Jesus foram preservados na
Igreja, e se refere especificamente às explicações que Ele deu a Seus
discípulos a respeito de Suas parábolas, ao responder á comparação de Celso
entre “os Mistérios internos da Igreja de Deus” e o culto egípcio aos animais.
“Ainda não falei da observância de tudo o que está escrito nos Evangelhos, cada
um dos quais contém muita doutrina difícil de ser entendida, não apenas pela
multidão, mas mesmo por alguns dos mais inteligentes, incluindo uma
profundíssima explicação das parábolas que Jesus aplicava ‘àqueles de fora’, ao
mesmo tempo reservando a exibição de seu pleno significado àqueles que haviam
passado pelo estágio do ensino exotérico, e que vinham a Ele em privado na
casa. E quando estes passam a entendê-la, admiram a razão pela qual alguns são
ditos ser ‘de fora’ e outros ‘de casa’ (Origen against Celsus, livro I, cap.
VII).
E ele se refere
discretamente à “montanha” de onde Jesus ascendeu, e de onde Ele desceu para
auxiliar “aqueles que eram incapazes de seguí-Lo para onde foram os Seus
discípulos”. A alusão é à “Montanha da Iniciação”, uma frase mística bem
conhecida, do mesmo modo que Moisés fez o Tabernáculo segundo o modelo
“mostrado a ti no monte” (Êxodo, XX, 40; XXVI, 30, e compare-se com Hebreus,
VIII, 5, e IX, 25). Orígenes se refere novamente a isto mais tarde, dizendo que
Jesus mostrou-se bem diferente, em sua aparência real quando estava na “Montanha”,
daqueles que O viram e não podiam “seguí-Lo tão alto” (Origen against Celsus,
livro IV, cap. XVI).
Igualmente em seu
comentário sobre o Evangelho de Mateus, capítulo XV, tratando do episódio da
mulher sírio-fenícia, Orígenes assinala: “E talvez, também, das palavras de
Jesus existam alguns pães que são passíveis de serem dados somente aos mais
racionais, como se fosse a crianças; e outras haja como se fossem migalhas da
mansão e mesa dos bem-nascidos, que podem ser usadas por algumas almas
semelhantes a cães”.
A Celso, que lamentava que
pecadores fossem trazidos para dentro da Igreja, Orígenes responde dizendo que
a Igreja tinha o remédio para os que estavam doentes, mas também o estudo e
conhecimento das coisas divinas para aqueles que estavam sãos. Os pecadores
eram ensinados a não pecar, e somente quando era visto que havia sido feito
progresso, e os homens estivessem “purificados pela Palavra”, “então, e não
antes, nós os convidamos à participação em nossos Mistérios. Pois nós falamos
sabedoria entre os que são perfeitos” (Origen against Celsus, livro III, cap.
LIX). Os pecadores vêm para serem curados: “Pois existe na divindade do Verbo
alguns auxílios para a cura dos que estão doentes... (Existem) outros, ainda,
que ao puro de alma e corpo exibem a ‘revelação do Mistério, que foi mantido
secreto desde que o mundo começou, mas que agora foi feito manifesto pelas
Escrituras dos profetas’, e ‘pelo aparecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo’,
cuja ‘aparição’ é manifesta a cada um dos que são perfeitos, e que ilumina a
razão no verdadeiro conhecimento das coisas” (Origen against Celsus, livro III,
cap. LXI). Tais aparições de Seres divinos tinham lugar, como vimos, nos
Mistérios Pagãos, e aqueles da Igreja tinham igualmente visitantes gloriosos.
“Deus, o Verbo”, ele diz, “foi enviado como um médico para os pecadores, mas
como um Instrutor dos Mistérios Divinos para aqueles que já são puros, e que
não pecam mais” (Ibid., cap. LXII). “A sabedoria não entrará na alma de um
homem vil, nem irá residir em um corpo que está imerso no pecado”; daí que
estes ensinamentos elevados são dados apenas àqueles que são “atletas na
piedade e em todas as virtudes”.
Os Cristãos não admitiam o
impuro neste conhecimento, mas diziam: “Quem quer que haja limpado as mãos, e,
portanto, ergue mãos limpas para Deus... que venha a nós... quem quer que seja
puro não somente de todo aviltamento, mas também do que é considerado como
transgressões menores, que seja intrepidamente iniciado nos Mistérios de Jesus,
que são feitos propriamente conhecidos somente aos santos e aos puros”. Também
assim, antes que a cerimônia de Iniciação começasse, aquele que atuava como
Iniciador, de acordo com os preceitos de Jesus, o Hierofante, fazia a
significativa proclamação “àqueles que foram purificados no coração: Aquele
cuja alma desde há muito tempo não tem consciência de nenhum mal, especialmente
desde que sujeitou-se à cura pelo Verbo, que este ouça as doutrinas que eram
ditas em privado por Jesus a Seus genuínos discípulos”. Esta era a abertura das
portas da “Iniciação, dos que já estavam purificados, para os sagrados
Mistérios” (Origen against Celsus, livro III, cap. LX). Só estes poderiam aprender as realidades dos
mundos invisíveis, e poderiam entrar nos recintos sagrados onde, como
antigamente, os anjos eram os instrutores, e onde o conhecimento era dado pela
visão e não pelas palavras. É impossível não perceber o tom diferente destes
Cristãos em relação aos seus sucessores modernos. Para aqueles a perfeita
pureza de vida, a prática da virtude, o cumprimento da Lei divina em cada
detalhe na conduta exterior, a perfeição da justiça, eram - assim como para os
Pagãos - somente o início do caminho ao invés de seu final. Hoje em dia
considera-se que a religião completou gloriosamente seu objetivo quando produz
um Santo; assim foi aos Santos que devotou suas mais altas energias, e, tomando
os puros de coração, levava-os à Visão Beatífica.
O mesmo fato do ensinamento
secreto aparece novamente quando Orígenes discute os argumentos de Celso sobre
a sabedoria de preservar costumes ancestrais, baseada na crença de que “as
várias regiões da Terra foram desde o início entregues a diferentes Espíritos
superintendentes, e foram assim distribuídas entre certos Poderes diretores, e
deste modo a administração do mundo é levada adiante” (Origen against Celsus,
livro V, cap. XXV - A.-N.C.Libr., vol. XXIII).
Tendo Orígenes condenado as
deduções de Celso, prossegue: “Mas como imaginamos ser provável que alguns
daqueles acostumados a investigações mais profundas se deparem com este
tratado, arrisquemos a deixar algumas considerações de um tipo mais profundo,
com uma visão mística e secreta a respeito da distribuição original das várias
regiões da Terra entre diferentes Espíritos superintendentes” (Ibid., cap.
XXVIII). Ele diz que Celso havia entendido mal as razões mais profundas a
respeito do arranjo dos assuntos terrenos, algumas das quais são abordadas
mesmo na história grega. Então ele cita o Deuteronômio, XXXII, 8-9,: “Quando o
Altíssimo dividiu as nações, quando Ele dispersou os filhos de Adão,
estabeleceu os limites dos povos de acordo com o número dos Anjos de Deus; e a
porção do Senhor foi Seu povo Jacó, e Israel a linhagem de Sua herança”. Este é
o fraseado da edição Septuaginta, não a da Inglesa Autorizada, mas é muito
sugestivo de que o título de “Senhor” fosse atribuído ao Anjo Regente dos
Judeus, apenas, e não ao “Altíssimo”, isto é, Deus. Esta visão desapareceu,
pela ignorância, e disto deriva a inadequação de muitas das declarações que se
referem ao “Senhor”, quando são transferidas ao “Altíssimo”, como por exemplo
em Juizes, I, 19 [”O Senhor estava com Judá, e ele conquistou a montanha, porém
não pôde despojar os habitantes da planície, que possuíam carruagens de ferro”
- NT].
Orígenes então relata a
história da Torre de Babel, e continua: “Mas muito poderia ser dito sobre estes
assuntos, e coisas de tipo místico, como o que segue: ‘É bom ocultar o segredo
de um rei’, Tobias, XII, 7, ‘a fim de que a doutrina da entrada das almas nos
corpos (porém não a da transmigração de um corpo para outro) não seja divulgada
ao entendimento comum, nem o que é santo dado aos cães, nem pérolas jogadas aos
porcos. Pois tal procedimento seria ímpio, sendo equivalente a uma traição das
declarações misteriosas da sabedoria de Deus... É suficiente, contudo,
representar no estilo de uma narrativa histórica, com uma vestimenta de
história, o que é planejado para veicular um significado secreto, para que
aqueles que têm capacidade desenvolvam por si mesmos tudo o que se relaciona ao
assunto” (Origen against Celsus, livro V, cap. XXIX - A.-N.C.Libr., vol.
XXIII). Ele então expõe mais completamente a história da Torre de Babel, e
escreve: “Porém, a seguir, se alguém tiver capacidade, que entenda aquilo que
assume a forma de história, e que contém algumas coisas que são literalmente
verdade, embora ao mesmo tempo veicule um significado mais profundo...” (Ibid.,
cap. XXXI).
Depois de tentar mostrar
que o “Senhor” era mais poderoso do que os outros Espíritos superintendentes de
diferentes partes da Terra, e que ele enviou seu povo para ser punido vivendo
debaixo do domínio de outros poderes, e depois alinhou-os com todas as nações
menos favorecidas que podiam ser reunidas, Orígenes conclui dizendo: “como
observamos previamente, estas declarações devem ser entendidas como sendo
feitas por nós com um sentido oculto, indicando os erros daqueles que
asseveram... “ (Ibid., cap. XXXII) como o fez Celso.
Depois de assinalar que “o
objetivo do Cristianismo é que nos tornemos sábios” (Ibid., cap. XIV), Orígenes
prossegue: “”Se consultamos os livros escritos depois do tempo de Jesus,
veremos que aquelas multidões de crentes que ouviram as parábolas são, como se
diz, “de fora’, e dignos apenas das doutrinas exotéricas, enquanto que os
discípulos aprendem em privado a explicação das parábolas. Pois privadamente
Jesus descerrou todas as coisas aos Seus discípulos , estimando acima das
multidões aqueles que desejavam conhecer Sua sabedoria. E Ele promete àqueles
que acreditam n’Ele torná-los homens sábios e escribas... E Paulo também em seu
catálogo dos ‘Charismata’ outorgados por Deus, colocou em primeiro lugar ‘a
Palavra da sabedoria’, e em segundo, como sendo-lhe inferior, a ‘palavra do
conhecimento’, mas em terceiro, e mais abaixo, a ‘fé’. E porque ele considerava
‘a palavra’ mais alto do que os poderes miraculosos, ele por esta razão coloca
a ‘operação de milagres’ e os ‘dons de cura’ em um lugar mais baixo do que os
dons da ‘Palavra’ “ (Ibid., cap. XLVI).
O Evangelho em verdade
ajudava o ignorante, “mas não é
impedimento algum para o conhecimento de Deus, antes é uma assistência, ter
sido educado, e ter estudado as melhores opiniões, e ser sábio” (Ibid., caps.
XLVII e LIV). Assim, para o inculto, “eu tento melhorá-lo também com o melhor
de minha habilidade, embora eu não deseje construir a comunidade Cristã a
partir de tais materiais. Pois eu busco de preferência os que são mais sagazes
e argutos, porque são capazes de compreender o significado dos ditos mais
difíceis”(Ibid., cap. LXXIV). Aqui expusemos claramente a antiga idéia Cristã,
inteiramente de acordo com as considerações apresentadas no Capítulo I deste
livro. No Cristianismo existe espaço para o ignorante, mas ele não foi
planejado somente para estes, e tem ensinamentos mais profundos para os “sagazes
e argutos”.
É para estes últimos que
ele tem grande empenho em mostrar que as Escrituras Cristãs e Judaicas têm
significados ocultos, velados debaixo de histórias cujo significado exterior
ele repele como absurdos, aludindo à serpente e a árvore da vida, e “as outras
declarações que se seguem, que poderiam em si conduzir um leitor cândido a ver
que todas estas coisas têm, não impropriamente, um significado alegórico”
(Ibid., livro IV, cap. XXXIX). Muitos capítulos são devotados a estes sentidos
alegóricos e místicos, escondidos debaixo das palavras do Velho e do Novo
Testamentos, e ele alega que Moisés, como os Egípcios, contou histórias que
ocultavam o significado” (Origen against Celsus, livro I, cap. XVII e outros -
A.-N.C.Libr., vol X). “Aquele que lida candidamente com as histórias” - este é
o cânone geral de interpretação de Orígenes - “e deseje se preservar de ser
confundido por elas, exercitará seu julgamento sobre a quais declarações dará
seu consentimento, e o que aceitará figuradamente, procurando descobrir a
intenção dos autores destas invenções, e contra quais declarações ele
preservará suas crenças, como tendo sido escritas para a gratificação de certos
indivíduos. E dissemos isto como
antecipação a respeito de toda a história relatada nos Evangelhos a respeito de
Jesus” (Ibid., cap. XIII). Uma grande parte de seu Livro IV é tomada por
ilustrações das explicações místicas das histórias das Escrituras, e qualquer
um que deseje seguir o assunto pode lê-lo.
No De Principiis, Orígenes
dá como sendo o ensinamento recebido da Igreja “que as escrituras foram
escritas pelo Espírito de Deus, e tendo um significado, não apenas aquele
aparente á primeira vista, mas também um outro, que escapa da percepção da
maioria. Pois aquelas (palavras) que são escritas são as formas de certos
Mistérios, e as imagens das coisas divinas. A este respeito existe uma única
opinião em toda a Igreja, de que toda a lei é em verdade espiritual; mas que o
significado espiritual que a lei veicula não é conhecido de todos, mas só àqueles
em quem a graça do espírito Santo é outorgada na palavra da sabedoria e do
conhecimento” (De Principiis, prefácio, p. 8 - A.-N.C.Libr., vol. X). Aqueles
que lembram o que já foi citado verão na “Palavra de sabedoria” e na “palavra
do conhecimento” as duas instruções místicas típicas, a espiritual e a
intelectual.
NO Livro IV de De
Principiis, Orígenes explica longamente suas concepções sobre a interpretação
da Escritura. Ela tem um “corpo”, que é “o senso histórico e comum”; uma
“alma”, um significado figurado a ser descoberto pelo exercício do intelecto; e
um “espírito”, um sentido interno e espiritual, a ser conhecido somente por
aqueles que têm “a mente de Cristo”. Ele considera que coisas incongruentes e
impossíveis são inseridas na história para estimular um leitor inteligente, e
compeli-lo a buscar uma explicação mais profunda, enquanto que as pessoas
simples a lerão sem perceber as dificuldades (Ibid., cap. I).
O Cardeal Newman, em seu
Arians of the Fourth Century, faz certas declarações interessantes sobre a
Disciplina Arcani, mas, com o ceticismo profunda e indelevelmente enraizado do
século XIX, ele não pode acreditar de todo nas “riquezas da glória do
Mistério”, ou provavelmente nem por um momento concebeu a possibilidade da
existência de tais esplêndidas realidades. Mesmo sendo ele um crente em Jesus,
e as palavras da promessa de Jesus sendo
claras e definidas: “Eu não vos deixarei sem conforto; Eu virei a vós. Ainda um
pouco mais, e o mundo já não Me verá; mas vós me vereis: porque Eu vivo, e
viverei. Naquele dia devereis saber que Eu estou no meu Pai, e vós em Mim, e Eu
em vós” (João, XIV, 18-20). A promessa foi amplamente cumprida, pois Ele veio a
eles e os ensinou em Seus Mistérios; lá eles O viram, embora o mundo já não O
visse, e reconheceram o Cristo neles, e sua vida como a do Cristo.
O cardeal Newman reconhece
uma tradição secreta, transmitida desde os Apóstolos, mas ele considera que
consistia das doutrinas Cristãs, mais tarde divulgadas, esquecendo que aqueles
que eram informados de que ainda não estavam prontos para recebê-la (a doutrina
secreta) não eram pagãos, nem mesmo catecúmenos, mas membros plenos e
comungantes da Igreja Cristã. Assim ele
diz que esta tradição secreta foi mais tarde (divulgada com autoridade e
perpetuada sob a forma de símbolos”, e foi corporificada “nos credos dos
primeiros Concílios” (Loc. cit., cap. I, seç. III, p. 55). Mas como as
doutrinas nos credos são encontráveis nos Evangelhos e nas Epístolas, esta
posição é completamente insustentável, tudo isto já tendo sido divulgado ao
mundo amplamente; e os membros da Igreja certamente estavam instruídos de tudo
a respeito de todas elas. As repetidas declarações a respeito do sigilo se
tornam sem sentido se explicadas desta forma. O Cardeal, entretanto, diz que o
que quer que “não tenha sido autenticado desta forma, seja informação profética
ou comentário sobre as antigas dispensações, é, pelas circunstâncias do caso,
perdido para a Igreja” (Loc. cit., cap. I, seç., III, pp. 55-56). Isto é muito
provável, de fato é certamente verdadeiro, até onde interessa à Igreja, mas não
obstante é recuperável.
Comentando sobre Irineu,
que em sua obra Contra as Heresias dá muita ênfase sobre a existência de uma
Tradição Apostólica na Igreja, o Cardeal escreve: “Ele então passa a falar da
clareza e poder de persuasão das tradições preservadas na Igreja, como contendo
a verdadeira sabedoria dos perfeitos, da qual fala São Paulo, e à qual
pretendem os Gnósticos. E, na verdade, (mesmo) sem provas formais da existência
e da autoridade nos primeiros tempos de uma Tradição Apostólica, é claro que
deve ter havido uma tal tradição, supondo que os Apóstolos conversassem, e seus
amigos tivessem lembranças, como outros homens. É de todo inconcebível que eles
não tivessem sido levados a arranjar as séries de doutrinas reveladas mais
sistematicamente do que as registram nas Escrituras, assim que seus seguidores
foram expostos aos ataques e más interpretações dos heréticos; a menos que
tenham sido proibidos disto, uma suposição que não se sustenta. Suas
declarações surgidas nestas circunstâncias obviamente seriam preservadas,
juntamente com os outros segredos, mas que eram verdades de menor importância,
aos quais São Paulo parece aludir, e que os primeiros escritores mais ou menos
reconhecem, seja a respeito dos modelos da Igreja Judaica, ou dos destinos
futuros da Cristã. E tais recordações dos ensinamentos apostólicos
evidentemente seriam imperativas sobre a fé daqueles que eram instruídos nelas;
a menos que se possa supor que, embora provindo de instrutores inspirados, não
fossem de origem divina” (Ibid., pp. 54,55). Em uma parte da seção que trata do
método alegórico, ele escreve em referência ao sacrifício de Isaac, etc, como
sendo “típico da revelação do Novo Testamento”: “Em reforço a esta declaração,
seja observado que parece ter havido (‘parece ter havido’ é uma expressão algo
fraca, depois do que é dito sobre Clemente e Orígenes, dos quais algumas
citações são dadas no texto) na Igreja uma explicação tradicional destes
modelos históricos, derivada dos Apóstolos, mas mantidas entre as doutrinas
secretas, por serem perigosas à maioria dos ouvintes; e certamente São Paulo,
na Epístola aos Hebreus, nos dá um exemplo desta tradição, tanto como existente
quanto como secreta (mesmo sendo mostrado ser de origem Judaica), quando,
primeiro provando-se e questionando a fé de seus irmãos, comunica, não sem
hesitação, a visão evangélica da passagem sobre Melquisedec, do modo como foi
introduzida no livro do Gênesis” (Ibid., p. 62).
As convulsões sociais e
políticas que acompanharam a morte do Império Romano agora começavam a torturar
sua vasta moldura, e mesmo os Cristãos foram colhidos no torvelinho dos
interesses egoístas em combate. Ainda encontraremos referências esparsas ao
conhecimento especial concedido aos líderes e instrutores da Igreja,
conhecimento das hierarquias celeste, instruções dadas por anjos, e assim por
diante. Mas a ausência de discípulos aceitáveis fez com que os Mistérios se
extinguissem como uma instituição cuja existência era reconhecida publicamente,
e o ensinamento passou a ser dado mais e mais secretamente àquelas almas mais e
mais raras, que pela cultura, pureza e devoção se mostravam capazes de
recebê-lo. Já não havia escolas onde os ensinamentos preliminares fossem dados,
e com seu desaparecimento “a porta foi fechada”.
Não obstante pode-se
detectar duas correntes na Cristandade, as quais tiveram suas fontes nos
Mistérios desaparecidos. Uma era a corrente do aprendizado místico, fluindo da
Sabedoria, da Gnose transmitida nos Mistérios; outra era a corrente da
contemplação mística, igualmente parte da Gnose, conduzindo ao êxtase, à visão
espiritual. Esta última, contudo, divorciada do conhecimento, raramente atingiu
o verdadeiro êxtase, e tendeu ou a correr desenfreada para as regiões mais
baixas dos mundos invisíveis, ou perder-se entre uma variegada multidão de
formas sutis superfísicas, visíveis como aparições objetivas à visão oculta -
forçada prematuramente por jejuns, vigílias e atenção concentrada - mas em sua
maioria nascidas dos pensamentos e emoções do vidente. Mesmo quando as formas
observadas não eram pensamentos externalizados, eram vistas através de uma
atmosfera distorcedora de idéias e crenças preconcebidas, e assim tornadas
largamente indignas de crédito. Não obstante, algumas das visões foram
veramente de coisas celestiais, e Jesus realmente apareceu de tempos em tempos
aos Seus amantes devotados, e anjos algumas vezes iluminaram com sua presença a
cela do monge e da freira, a solitude do devoto apaixonado e do paciente
buscador de Deus. Negar a possibilidade de tais experiências seria amputar na
própria raiz aquilo “que tem sido acreditado com mais certeza” em todas as
religiões, e é conhecido dos ocultistas - a intercomunicação entre Espíritos
encerrados na carne e aqueles revestidos de vestimentas mais sutis, o contato
de mente com mente através das barreiras da matéria, o desabrochar da divindade
no homem, o conhecimento seguro de uma vida além dos portões da morte.
Olhando pelos séculos não
vemos tempo algum em que a Cristandade estivesse de todo privada de mistérios.
“Foi provavelmente em torno do final do século V, bem na época em que a antiga
filosofia estava morrendo na Escola de Atenas, que a filosofia especulativa do
Neoplatonismo estabeleceu-se definitivamente no pensamento Cristão através das
falsificações literárias do Pseudo-Dionísio. As doutrinas do Cristianismo
estavam naquela altura tão firmemente estabelecidas que a Igreja poderia
encarar uma interpretação simbólica ou mística delas sem ansiedade. O autor da
Theologica Mystica e de outras obras atribuídas ao Areopagita passa, assim, a
desenvolver as doutrinas de Proclo sem muita modificação em um sistema de
Cristianismo esotérico. Deus é o Ser inominável e supra-essencial, acima da
própria bondade. Daí a ‘teologia negativa’, que sobe da criatura até Deus
retirando um após outro todos os atributos determinados, e que nos conduz para
mais perto da verdade. O retorno para Deus é a consumação de todas as coisas e
a meta indicada pelo ensino Cristão. As mesmas doutrinas foram pregadas com
maior fervor eclesiástico por Máximo, o Confessor (580-622). Máximo representa quase a última atividade
especulativa da Igreja grega, mas a influência dos escritos do Pseudo-Dionísio
foi transmitida para o Ocidente no século IX por Erígena, em cujo espírito
especulativo tiveram origem tanto o escolasticismo quanto o misticismo da Idade
Média. Erígena traduziu Dionísio para o latim junto com os comentários de
Máximo, e seu sistema é essencialmente baseado no deles. É adotada a teologia
negativa, e Deus é considerado um Ser sem atributos, acima de todas as
categorias, e portanto não impropriamente chamado de Nada. Fora deste Nada ou
essência incompreensível é criado eternamente o mundo das idéias ou causas
primordiais. Este é o Verbo ou Filho de Deus, em quem existem todas as coisas,
até onde possuam existência substancial. Toda a existência é uma teofania, e
como Deus é o início de todas as coisas, também é seu final. Erígena ensina o
resgate de todas as coisas sob a forma da adunatio ou deificatio Dionisiana.
Estas são as linhas gerais permanentes do que pode ser chamado a filosofia do
misticismo nos tempos Cristãos, e é notável a escassez de variação com que são
repetidas de era em era” (Artigo sobre Misticysm, in Encyclopaedia Britannica).
No século XI Bernardo de
Claraval (1091-1153) e Hugo de São Victor continuaram a tradição mística, com
Richard de São Victor no século seguinte, e São Boaventura, o Doutor Seráfico,
e o grande Tomás de Aquino (1227-1274) no século XIII. Tomás de Aquino domina a
Europa da Idade Média, pela força de seu caráter não menos do que por sua
erudição e piedade. Ele estabelece a “Revelação” como uma fonte de
conhecimento, sendo a Escritura e a tradição os dois canais por onde corre, e a
influência, perceptível em seus escritos, do Pseudo-Dionísio o conecta aos
Neoplatônicos. A segunda fonte é a Razão, e aqui os canais são a filosofia
Platônica e os métodos de Aristóteles - este uma aliança que não fez bem ao
Cristianismo, pois Aristóteles se tornou um obstáculo para o progresso do
pensamento superior, o que se evidencia nas lutas de Giordano Bruno, o
Pitagórico. Tomás de Aquino foi canonizado em 1323, e o grande Dominicano
permanece como um modelo da união da teologia e da filosofia - o anelo de sua vida.
Eles pertencem à grande Igreja da Europa ocidental, e sustentam sua
reivindicação de ser considerada a transmissora da tocha santa do ensinamento
místico. Em torno dela também se disseminaram muitas seitas, julgadas
heréticas, mas que continham tradições verdadeiras do sagrado conhecimento
secreto, como os Cátaros e muitos outros, perseguidos por uma Igreja ciumenta
de sua autoridade, temerosa de que as pérolas santas passassem à custódia
profana. Também naquele século Santa Elisabeth da Hungria rebrilha com doçura e
pureza, enquanto que Eckhart (1260-1329) prova ser um digno herdeiro das
Escolas Alexandrinas. Eckhart ensinou que “a Divindade é a Essência (Wesen)
absoluta, incognoscível não só pelos homens, mas também por Si mesmo; Ela é
escuridão e absoluta indeterminação, Nicht, em contraste a Icht, ou existência
definida e cognoscível. Mas é a potencialidade de todas as coisas, e Sua
natureza, num processo triádico, passa à consciência de Si como o Deus trino. A
criação não é um ato temporal, mas uma necessidade eterna da natureza divina”.
Eckhart se compraz em dizer que “eu sou necessário para Deus, assim como Deus é
necessário para mim. Em meu conhecimento e amor Deus conhece e ama a Si mesmo”
(Verbete Mysticism; Encyclopaedia Britannica).
Eckhart é seguido, no
século XIV, por John Tauler e Nicolas de Basel, “o amigo de Deus em Oberland”.
Deles nasceu a Sociedade dos Amigos de Deus, verdadeiros místicos e seguidores
da antiga tradição. Mead assinala que Tomás de Aquino, Tauler e Eckhart
seguiram o Pseudo-Dionísio, que seguiu Plotino, Jâmblico e Proclo, que por sua
vez seguiram Platão e Pitágoras (Mead, Orpheus, pp. 53-54). Deste modo são
interligados os seguidores da Sabedoria em todas as eras. Foi provavelmente um
“Amigo” o autor da Die Deustche Theologie, um livro de devoção mística, que
teve o curioso destino de ser aprovado por Schaupitz, o Vigário-Geral da ordem
Agostiniana, que foi recomendado a Lutero e pelo próprio Lutero, que o publicou
em 1516, como um livro que deveria estar logo depois da Bíblia e dos escritos
de Santo Agostinho de Hipona. Um outro “Amigo” foi Ruysbroeck, cuja influência
em Groot foi devida à fundação dos Irmãos do Quinhão Comum ou da Vida Comum -
uma Sociedade que deve permanecer sempre memorável, já que tinha entre seus membros
aquele príncipe dos místicos, Thomas a Kempis (1380-1471), o autor da imortal
Imitação de Cristo.
No século XV o lado mais
puramente intelectual do misticismo desponta mais fortemente do que o extático
- tão dominante nestas sociedades do século XIV - e temos o Cardeal Nicolau de
Cusa, junto com Giordano Bruno, o martirizado cavaleiro errante da filosofia, e
Paracelso, o caluniadíssimo cientista, que retirou seu conhecimento diretamente
das fontes orientais originais, em vez de através de canais gregos.
O século XVI presenciou o
nascimento de Jacob Böhme (1575-1624), o “remendão inspirado”, verdadeiramente
um Iniciado em obscurecimento, dolorosamente perseguido por homens não
iluminados; e então veio Santa Teresa, a oprimidíssima e sofredora mística espanhola;
e São João da Cruz, uma flama ardente de intensa devoção; e São Francisco de
Sales. Roma foi sábia ao canonizá-los, mais sábia que a Reforma, que perseguiu
Böhme, mas o espírito da Reforma foi sempre intensamente antimístico, e onde
quer que seu alento tenha passado as formosas flores do misticismo murcharam
como debaixo do Sirocco.
Assim, embora tendo
apoiado, canonizando, uma Teresa morta, depois de tê-la atormentado amargamente
em vida, a Igreja procedeu pior com Madame de Guyon (1648-1717), uma verdadeira
mística, e com Miguel de Molinos (1627-1696), digno de sentar-se ao lado de São
João da Cruz, que continuou no século XVII a alta devoção do místico,
transformada em uma forma peculiarmente passiva - o Quietismo.
Neste mesmo século surgiu a
escola dos Platônicos em Cambridge, de quem Henry More (1614-1687) pode servir
como exemplo eminente; também Thomas Vaugham, e Robert Fludd, o Rosacruz; e lá
foi formada ainda a Sociedade dos Filadelfos, e vemos William Law (1686-1761)
ativo no século XVIII, e ultrapassando Saint-Martin (1743-1803), cujos escritos
fascinaram tantos estudantes do século XIX (Aqui devo prestar reconhecimento ao
artigo Mysticism da Encyclopaedia Britannica, embora esta publicação não possa
de modo algum ser responsabilizada pelas opiniões expressas).
Nem devemos omitir
Christian Rosenkreutz (morto em 1484), cuja mística Sociedade da Rosa e da
Cruz, aparecida em 1614, tinha verdadeiro conhecimento, e cujo espírito
renasceu no “Conde de Saint-Germain”, a misteriosa figura que apareceu e
desapareceu na melancolia, iluminada por lúgubres lampejos, do final do século
XVIII. Também místicos foram alguns Quakers, a muito perseguida seita dos
Amigos, procurando a iluminação da Luz Interior, e ouvindo sempre a Voz
Interior. E houve muitos outros místicos, “de quem o mundo não foi digno”, como
a completamente adorável e sábia Mãe Juliana de Norwich, do século XIV, jóias
da Cristandade, escassamente conhecidas, mas justificando o Cristianismo diante
do mundo.
Assim, ao mesmo tempo em que
saudamos reverentes estas Crianças da Luz, espalhadas pelos séculos, somos
forçados a reconhecer nelas a ausência daquela união de intelecto agudo e alta
devoção que seriam fundidos pelo treinamento nos Mistérios, e enquanto nos
maravilhamos de que tenham se alçado tão alto, não podemos senão desejar que
tivessem seus raros dons sido desenvolvidos debaixo da magnífica disciplina
arcani.
Alphonse Louis Constant,
mais conhecido por seu pseudônimo Eliphas Levi, expressou muito bem a perda dos
Mistérios, e a necessidade de sua reinstituição. “Um grande infortúnio se
abateu sobre a Cristandade. A traição dos Mistérios pelos falsos Gnósticos -
pois Gnósticos, isto é, aqueles que sabem, eram os Iniciados do Cristianismo
primitivo - fizeram com que a Gnose fosse rejeitada, e alienaram a Igreja das
supremas verdades da Kabbala, que contém todos os segredos da teologia
transcendental... Que a ciência mais absoluta, que a mais excelsa razão, se
tornem uma vez mais o patrimônio dos líderes dos povos; que a arte sacerdotal e
a arte régia tomem o duplo cetro das antigas iniciações, e o mundo social será
uma vez mais tirado de seu caos. Chega de queimar as imagens, basta de derrubar
os templos; templos e imagens são necessários para os homens; mas expulsem os
mercenários da casa de oração; que o cego deixe de ser o líder para os cegos,
reconstrua-se a hierarquia de inteligência e santidade, e reconheçam somente
aqueles que sabem como instrutores dos que crêem” (The Mysteries of Magic,
trad. para o inglês de A.E.Waite, pp 58 e 60).
Retomarão as Igrejas de
hoje o ensinamento místico, os Mistérios Menores, preparando assim seus filhos
para o restabelecimento dos Mistérios Maiores, atraindo mais uma vez o Anjos
para ensinar, e tendo como Hierofante o Divino Mestre, Jesus? Da resposta a
esta pergunta depende o futuro do Cristianismo.
Já falamos, no capítulo I,
sobre as identidades que existem em todas as religiões do mundo, e vimos que de
um estudo destas identidades de crenças, simbolismos, ritos, cerimônias,
histórias e festivais comemorativos nasceu uma escola moderna que relaciona
tudo isto a uma fonte comum na ignorância humana, e em uma explicação primitiva
dos fenômenos naturais. A partir destas identidades foram forjadas armas para
atacar cada religião por sua vez, e os mais efetivos ataques ao Cristianismo e
à existência histórica de seu Fundador obtiveram suas armas naquela fonte.
Passando agora ao estudo da vida de Cristo, dos ritos do Cristianismo, seus
sacramentos, suas doutrinas, seria fatal ignorarmos os fatos reunidos pela
Mitologia Comparada. Entendidos corretamente, eles podem ser úteis, em vez de
daninhos. Vimos que os Apóstolos e seus sucessores trataram mui livremente o
Antigo Testamento como tendo um sentido alegórico e místico muito mais
importante do que o histórico, embora de modo algum negando-o, e não tiveram
escrúpulos em instruir o crente culto de que alguns relatos que eram
aparentemente históricos fossem em verdade puramente alegóricos. Ali, talvez,
seja mais necessário entender isto do que ao estudarmos a história de Jesus,
cognominado de Cristo, pois quando não desenredamos as linhas emaranhadas, e
vemos onde os símbolos foram tomados como eventos, alegorias como histórias,
perdemos a maior parte da instrutividade da narrativa e muito de sua finíssima
beleza. Não podemos insistir demais no fato de que o Cristianismo ganha, e não
perde, quando o conhecimento é acrescentado à fé e à virtude, de acordo com a
injunção apostólica (II Pedro, I, 5). Os homens temem que o Cristianismo seja
enfraquecido quando a razão o analisa, e que seja “perigoso” admitir que
eventos imaginados serem históricos têm o significado mais profundo no terreno
mítico ou místico. Ao contrário, ele é fortalecido, e o estudante descobre, com
alegria, que a pérola de grande valor brilha com um lustro mais puro e claro
quando a camada de ignorância é removida e as suas muitas cores são vistas.
Hoje em dia há duas escolas
de pensamento, acerbamente opostas entre si, disputando em torno da história do
grande Instrutor Hebreu. De acordo com uma escola não há nada exceto mitos e
lendas nos registros de Sua vida - mitos e lendas que foram dados como
explicação de certos fenômenos naturais, resquícios de um modo figurativo de se
ensinar os fatos da natureza, de imprimir nas mentes dos incultos certas
classificações abrangentes dos eventos naturais que são importantes em si, e
que se prestavam á instrução moral. Os que ratificam esta visão formam uma
escola bem definida à qual pertencem muitos homens de alta educação e poderosa
inteligência, e em torno deles se reúnem multidões de menos instruídos, que
enfatizam com veemência crua os elementos mais destrutivos dos seus
pronunciamentos. A esta escola se opõe a dos crentes no Cristianismo ortodoxo,
que declaram que toda a narrativa de Jesus é histórica, não adulterada pela
lenda ou pelo mito. Eles sustentam que esta narrativa não é nada mais do que a
história da vida de um homem nascido há dezenove séculos atrás na Palestina,
que passou por todas as experiências registradas nos Evangelhos, e eles negam
que a narrativa tenha qualquer significação além daquela de uma vida divina e
humana. Estas duas escolas permanecem em antagonismo direto, uma asseverando
que tudo é lenda, a outra declarando que tudo é história. Entre elas existem
muitas variantes de opinião geralmente rotuladas de “livre-pensamento”, que
consideram a narrativa da vida como parcialmente legendária e parcialmente
histórica, mas não oferecem nenhum método definido e racional de interpretação,
e nenhuma explicação adequada para o complexo todo. E também encontramos,
dentro do âmbito da Igreja Cristã, um número grande e sempre crescente de
Cristãos fiéis e devotos de inteligência refinada, homens e mulheres que são
aplicados em sua fé e religiosos em suas aspirações, mas que vêem na narrativa
Evangélica mais do que a história de um simples Homem Divino. Eles alegam -
defendendo sua posição contra as Escrituras reveladas - que a história de
Cristo tem um significado mais profundo e importante do que aquele que jaz na
superfície; conquanto sustentem o caráter histórico de Jesus, ao mesmo tempo
declaram que O CRISTO é mais que o homem Jesus, e que tem um significado
místico. Em apoio a esta posição eles indicam certas frases que são usadas por
São Paulo: “Meus filhos, de quem sofro as dores do parto até que Cristo esteja
formado em vós” (Gálatas, IV, 19); aqui São Paulo obviamente não pode se
referir a um Jesus histórico, mas a alguma projeção [forth-putting, no original
- NT] da alma humana que para ele é a formação de Cristo no seu interior.
Novamente o mesmo instrutor declara que embora ele tenha conhecido Cristo na
carne, dali em diante ele já não o conheceria assim (II Coríntios, V, 16);
obviamente implicando que embora conhecendo o Cristo de carne - Jesus - havia
uma concepção superior à qual chegara que lançava o Cristo histórico na
sombra. Esta é a visão que muitos estão
procurando hoje em dia, e - confrontados com os fatos da Religião Comparada,
perplexos pelas contradições dos Evangelhos, confusos pelos problemas que eles
não podem resolver enquanto ficarem presos ao mero significado superficial de
sua escritura - então gritam desesperados que a letra mata mas o espírito
vivifica, e procuram descobrir algum significado mais profundo e vasto em uma
história que é tão velha quanto as religiões do mundo, e tem sempre servido
como o verdadeiro cerne e vida para cada religião na qual reapareceu. Estes
infatigáveis pensadores, demasiado desconectados e indefinidos para serem
considerados uma escola, parecem estender uma mão, de um lado, para aqueles que
imaginam tudo ser uma lenda, pedindo-lhes para aceitarem uma base histórica; de
outro lado, dizem a seus irmãos Cristãos que existe um perigo crescente em se
aferrar a um significado literal e exclusivo, o qual já não pode ser defeso
diante do conhecimento crescente desta época, e pondo a perder inteiramente o
significado espiritual. Há um perigo de perder-se “a história do Cristo” junto
com aquele pensamento sobre o Cristo que tem sido o sustento e a inspiração de
milhões de vidas nobres no Oriente e no Ocidente, embora o Cristo seja chamado
por outros nomes e adorado sob outras formas; um perigo de que a pérola de
grande valor se perca para nós, e o homem seja completamente empobrecido para
sempre.
O que é preciso, a fim de
que este perigo possa ser evitado, é desemaranhar as diferentes linhas na
história do Cristo, e colocá-las lado a lado - a linha da história, a linha da
lenda, a linha do misticismo. Elas se misturaram numa só linha, para grande
prejuízo daquele que pensa, e desemaranhando-as veremos que a história se torna
mais, e não menos, valiosa quando se acrescenta a ela o conhecimento, e que
aqui, como em tudo que pertence basicamente à verdade, quanto mais brilhante é
luz lançada, maior é a beleza que se desvela.
Estudaremos primeiro o
Cristo histórico; depois o Cristo mítico, e enfim o Cristo místico. E veremos
que elementos retirados de todos eles constituem o Jesus Cristo das Igrejas.
Todos eles entram na composição da Figura patética e grandiosa que domina os
pensamentos e as emoções da Cristandade, o Homem das Dores, o Salvador, o
Amante e o Senhor dos Homens.
A linha da história de vida
de Jesus é uma que pode ser separada sem grande dificuldade das outras com que
se mesclou. Podemos aqui muito bem auxiliar nosso estudo com referência àqueles
registros do passado que peritos podem confirmar por si mesmos, e a partir dos
quais certos detalhes a respeito do Instrutor Hebreu foram transmitidos ao
mundo por H.P.Blavatsky e por outros peritos em investigação oculta. Mas nas
mentes de muitos pode surgir um óbice quando essa palavra “perito” é aplicada
em conexão ao ocultismo. Embora signifique simplesmente uma pessoa que por
estudo especial, por treinamento especial, acumulou um tipo especial de
conhecimento, e desenvolveu poderes que o capacitam a dar uma opinião
fundamentada em seu conhecimento pessoal a respeito do assunto com que está
lidando. Assim como falamos de Huxley como um perito em Biologia, assim como falamos
de Senior Wrangler como um perito em Matemática, ou de Lyell como um perito em
geologia, então podemos muito bem chamar de perito em ocultismo um homem que
primeiro dominou intelectualmente certas teorias fundamentais sobre a
constituição do homem e do universo, e segundo desenvolveu em si mesmo os
poderes que existem latentes em todos - e são passíveis de serem desenvolvidos
por aqueles que se aplicam aos estudos apropriados - capacidades que o
habilitam a examinar por si mesmo os mais obscuros processos da natureza. Assim
como um homem pode nascer com uma faculdade matemática, e treinando esta
faculdade ano após ano ele pode aumentar imensamente sua capacidade matemática,
do mesmo modo um homem pode nascer com certas faculdades em si, faculdades pertencentes
à Alma, que podem ser desenvolvidas pelo treino e pela disciplina. Quando,
tendo desenvolvido estas faculdades, ele as aplica ao estudo do mundo
invisível, um tal homem se trona um perito na Ciência Oculta, e um tal homem
pode à sua vontade confirmar os registros a que me referi. Esta confirmação
está tão fora do alcance da pessoa comum quanto um livro matemático escrito nos
símbolos da matemática avançada está fora do alcance daqueles destreinados na
ciência matemática. Não há nada de exclusivo no conhecimento a não ser até onde
cada ciência é exclusiva; aqueles que nascem com uma faculdade, e a adestram,
podem dominar sua respectiva ciência, enquanto que aqueles que iniciam a vida
sem qualquer faculdade, ou os que não a desenvolvem se a possuem, devem se
contentar em permanecer na ignorância. Estas são as regras por toda parte a
respeito da obtenção de conhecimento, tanto no Ocultismo como em qualquer
ciência.
Os registros ocultos em
parte endossam a história contada nos Evangelhos, e em parte a refutam; eles
nos apresentam a vida, e assim nos capacitam a separá-la dos mitos que se lhe
estão entretecidos.
A criança cujo nome foi
traduzido como Jesus nasceu na Palestina em 105 aC, durante o consulado de
Publius Rutilius Rufus e Gnaeus Mallius Maximus. Seus pais eram de boa
linhagem, mas pobres, e ele foi educado no conhecimento das escrituras
Hebraicas. Sua fervorosa devoção e uma gravidade precoce levaram seus pais a
dedicá-lo à vida religiosa e ascética, e logo após uma visita a Jerusalém, na
qual a extraordinária inteligência e avidez por conhecimento do jovem foram
demonstrados em sua busca pelos doutores do Templo, ele foi enviado para ser
treinado em uma comunidade Essênia no sul do deserto da Judéia. Chegando aos
dezenove anos, foi para o mosteiro Essênio perto do Monte Serbal, um mosteiro
que era muito visitado pelos eruditos que viajavam da Pérsia e Índia para o
Egito, e onde havia sido reunida uma magnífica biblioteca de obras ocultas -
muitas delas indianas da região Trans-himalaica. Desta séde de conhecimento
místico ele passou mais tarde para o Egito. Ele foi completamente instruído nos
ensinamentos secretos que eram a verdadeira fonte da vida entre os Essênios, e
foi iniciado no Egito como um discípulo daquela Loja sublime de onde saíram todos
os Fundadores de todas as grandes religiões. Pois o Egito havia permanecido
como um dos centros mundiais dos verdadeiros Mistérios, dos quais todos os
Mistérios semipúblicos são o pálido e distante reflexo. Os Mistérios
mencionados na história como Egípcios eram as sombras das verdadeiras coisas
“no Monte”, e lá o jovem hebreu recebeu a consagração solene que o preparou
para o Real Sacerdócio que mais tarde ele obteria. Tão sobre-humanamente puro e
tão pleno de devoção era ele, que em sua graciosa maturidade pairava
conspicuamente acima dos severos e algo fanáticos ascetas entre os quais havia
sido treinado, espalhando nos austeros Judeus ao seu redor a fragrância de uma
sabedoria gentil e terna, como uma rosa estranhamente plantada em um deserto
espalharia seu aroma na aridez à volta. A bela e majestosa graça de sua branca
pureza permanecia em seu redor como um halo feito de radioso luar, e suas
palavras, embora escassas, eram sempre doces e amáveis, trazendo mesmo o mais
rude para uma temporária gentileza, e o mais rígido para uma efêmera suavidade.
Assim ele viveu por vinte e nove anos de vida mortal, crescendo de graça em
graça.
Esta pureza e devoção
sobre-humanas aprontaram o homem Jesus, o discípulo, para tornar-se o templo de
um poder superior, de uma poderosa Presença interna. O tempo havia chegado para
uma daquelas manifestações divinas que de era em era ocorrem para o auxílio da
humanidade, quando um novo impulso é necessário para estimular a evolução
espiritual da humanidade, quando uma nova civilização está prestes a despontar.
O mundo do Ocidente estava então no seio do tempo, pronto para nascer, e a
sub-raça Teutônica devia receber o cetro do império das mãos fraquejantes de
Roma. Antes que ela iniciasse sua jornada deveria aparecer um Salvador do
Mundo, para permanecer abençoando ao lado do berço do Hércules infante.
Estava para encarnar sobre
a Terra um poderoso “Filho de Deus”, um Instrutor supremo, “cheio de graça e
verdade” (João, I, 14), um Ser em quem a Sabedoria Divina residia em plena
medida, que era verdadeiramente “o Verbo” encarnado, Luz e Vida em abundante
riqueza, uma verdadeira Fonte das Águas da Vida. Senhor de Compaixão e
Sabedoria - tal era Seu nome - e de Sua morada nos Lugares Secretos veio Ele
para o mundo dos homens.
Para Ele era necessário um
tabernáculo terreno, uma forma humana, o corpo de um homem, e quem mais pronto
para emprestar seu corpo em alegre e anelante serviço Àquele diante de quem os
Anjos e homens se curvam na mais humilde reverência, como este Hebreu dos hebreus,
este o mais puro e mais nobre dentre os “Perfeitos”, cujo corpo imaculado e
mente impecável era o melhor que a humanidade poderia oferecer? O homem Jesus
entregou-se em um sacrifício voluntário, “ofereceu-se sem mácula” ao Senhor do
Amor, que tomou aquela forma pura como tabernáculo, e lá residiu por três anos
de vida mortal.
Esta época é assinalada nas
tradições reunidas nos Evangelhos como a do Batismo de Jesus, quando o Espírito
foi visto “descendo dos céus como uma pomba, e ficou sobre Ele” (Ibid., I, 32),
e uma voz celestial proclamou-O como Seu Filho muito amado, a quem os homens
deveriam ouvir. Em verdade Ele era o Filho bem-amado de quem o Pai se comprazia
(Mateus, III, 17), e daquele tempo em diante “Jesus começou a pregar” (Ibid.,
IV, 17), e este foi o mistério assombroso, “Deus manifesto na carne” (I
Timóteo, III, 16) - não só n’Ele estava Deus, pois: “Não está escrito em vossa
lei, ‘Eu disse: Vós sois Deuses’? Se a Lei chama Deuses a quem a palavra de
Deus foi dirigida, e a Escritura não pode ser ignorada, dizei d’Ele, a quem o
Pai santificou e enviou ao mundo, ‘Tu blasfemas’, porque Eu disse ‘Eu sou o
Filho de Deus’ ?” (João, X, 34-36). Verdadeiramente todos os homens são Deuses,
no que tange ao Espírito neles, mas não em todos a Divindade está manifesta
como n’Aquele bem-amado Filho do Altíssimo.
A esta Presença manifesta o
nome “o Cristo” pode ser dado corretamente, e foi Ele quem viveu e se moveu sob
a forma do homem Jesus através das colinas e planícies da Palestina, ensinando,
curando doenças, e reunindo em Seu redor como discípulos umas poucas almas
dentre as mais avançadas. O raro charme de Seu régio amor, derramando-se d’Ele
como raios de um sol, atraiu para em torno a Si os sofredores, os fatigados e
os oprimidos, e a magia sutilmente terna de Sua gentil sabedoria, purificava,
enobrecia e aliviava as vidas que entravam em contato com a Sua. Com parábolas
e imagens luminosas Ele ensinou as multidões incultas que se aglomeravam à Sua
volta, e usando os poderes do Espírito livre, curava muitas doenças com a
palavra ou o toque, fortalecendo as energias magnéticas que eram de Seu corpo
puro com a força irresistível de Sua vida interior. Rejeitado pelos Seus irmãos
Essênios onde primeiramente trabalhou - cujos argumentos contra Sua vida proposta
de trabalho amoroso são resumidas na história da tentação - porque ele levava
às multidões a sabedoria espiritual que eles consideravam o tesouro de que mais
se orgulhavam, e o mais secreto, e porque Seu amor todo-abrangente atraía para
seu círculo o pária e o degradado - sempre amante no mais baixo como no mais
alto, o Eu Divino - Ele viu se juntando em Seu redor muito rapidamente as
negras nuvens do ódio e da suspeita. Os doutores e regentes da nação logo
passaram a encará-Lo com inveja e raiva; Sua espiritualidade era uma censura
constante para seu materialismo, Seu poder, uma constante, embora silenciosa,
exposição de sua fraqueza. Mal três anos
haviam se passado desde Seu batismo quando a tempestade que se formava
irrompeu, e o corpo humano de Jesus pagou o preço por abrigar a gloriosa
Presença de um Instrutor mais que humano.
O pequeno grupo de
discípulos eleitos que Ele havia escolhido como repositórios de Seus
ensinamentos foi assim privado da presença física de Seu Mestre antes que
houvessem assimilado Suas instruções, mas eram almas de um tipo elevado e
avançado, prontas para aprender a sabedoria, a aptas para transmiti-la para
homens menos evoluídos. O mais receptivo de todos era o “discípulo que Jesus
amava”, jovem, ávido e ardente, profundamente devoto de Seu Mestre, e
compartilhando de Seu espírito de amor todo-abrangente. Ele representou,
através do século que se seguiu à partida física do Cristo, o espírito da
devoção mística que buscava o êxtase, a visão e a união com o Divino, enquanto
que o grande Apóstolo tardio, São Paulo, representou o lado sabedoria dos
Mistérios.
O Mestre não esqueceu Sua
promessa de vir a eles depois que o mundo O tivesse perdido de vista (João,
XIV, 18-19), e por cerca de cinqüenta anos Ele os visitou em Seu corpo
espiritual sutil, continuando os ensinamentos que havia iniciado enquanto
estava com eles, e treinando-os num conhecimento das verdades ocultas. Eles
viviam juntos, em sua maior parte, em um local retirado nos limites da Judéia,
não atraindo nenhuma atenção entre as muitas comunidades aparentemente
similares da época, estudando as profundas verdades que Ele ensinava e
adquirindo “os dons do Espírito”.
Estas instruções internas,
começadas durante Sua vida física entre eles e desenvolvidas depois de Ele deixar
o corpo, formaram a base dos “Mistérios de Jesus”, que vimos na primitiva
História da Igreja, e deram a vida interna que foi o núcleo em torno do qual se
juntaram os materiais heterogêneos que formaram o Cristianismo eclesiástico.
No admirável fragmento
chamado Pistis Sophia, temos um documento do maior interesse a respeito dos
ensinamentos ocultos, escrito pelo famoso Valentino. Nele é dito que durante os
onze anos imediatamente depois de Sua morte Jesus instruiu Seus discípulos até
“a região dos primeiros estatutos somente, e até as regiões do primeiro
mistério, o mistério dentro do véu” (Valentinus, Pistis Sophia, livro I, 1;
trad., de G.R.S.Mead,). Eles não haviam aprendido até a distribuição das ordens
angélicas, das quais fala Inácio. Então Jesus, estando “no Monte” com Seus
discípulos, e tendo recebido Sua Vestimenta mística, o conhecimento de todas as
regiões e das Palavras de Poder que as franqueiam, ensinou mais Seus
discípulos, prometendo: “Eu vos aperfeiçoarei em toda perfeição, dos mistérios
do interior até os mistérios do exterior: Eu vos encherei do Espírito, para que
sejais chamados de espirituais, perfeitos em todas as perfeições” (Ibid., 60).
E Ele os ensinou sobre Sophia, a Sabedoria, e sua queda na matéria em sua
tentativa de se elevar até o Altíssimo, e de seus gritos para a Luz na qual ela
havia confiado, e sobre o envio de Jesus para redimi-la do caos, e sobre sua
coroação com Sua luz, e sua libertação da escravidão. E Ele lhes falou mais
sobre o Mistério mais excelso, o inefável, o mais simples e claro de todos, a
ser conhecido somente pelos que renunciaram completamente ao mundo (Ibid.,
livro II, 218), através de cujo conhecimento os homens se tornam Cristos, pois
“tais homens são eu mesmo, e eu sou estes homens”, pois Cristo é aquele
Mistério mais excelso (Ibid., 230). Sabendo isto, os homens são “transformados
em pura luz e são trazidos para dentro da luz” (Ibid., 357). E ele executou
para eles a grande cerimônia da Iniciação, o batismo “que conduz à região da
verdade e à região da luz”, e ordenou-lhes celebrá-la para outros que fossem
dignos: “Mas ocultai este mistério, não o deis a todos os homens, mas só
àqueles que farão todas as coisas que vos disse em meus mandamentos” (Ibid.,
377).
Desde então, estando
plenamente instruídos, os apóstolos saíram a pregar, sempre auxiliados por seu
Mestre.
Além disso, estes mesmos
discípulos e seus primeiros colegas escreveram de memória todos os ditos
públicos e parábolas do Mestre que haviam ouvido, e reuniram com grande zelo
quaisquer relatos que puderam encontrar, registrando também estes, e
divulgando-os todos entre aqueles que gradualmente se associavam á sua pequena
comunidade. Foram feitas várias coleções, qualquer membro escrevendo o que ele
mesmo lembrava, e adicionando seleções de relatos alheios. Os ensinamentos
internos, dados por Cristo aos Seus eleitos, não forma registrados, mas eram
ensinados oralmente àqueles julgados dignos de os receber, para estudantes que
formavam pequenas comunidades para levar uma vida retirada, e que ficavam em
contato com o corpo central.
O Cristo histórico é, pois,
um Ser glorioso pertencente à grande hierarquia espiritual que guia a evolução
espiritual da humanidade, e que usou por cerca de três anos o corpo humano do
discípulo Jesus; que passou o último destes três anos ensinando publicamente
através da Judéia e da Samaria; que foi um curador de doenças e operou outras
obras ocultas admiráveis; que reuniu em torno de Si um pequeno grupo de
discípulos a quem instruiu nas verdades mais profundas da vida espiritual; que
atraiu homens para Si pelo amor singular, pela ternura e pela rica sabedoria
que transpiravam de Sua Pessoa; e que finalmente foi votado à morte por
blasfêmia, por ensinar a Divindade inerente de Si mesmo e de todos os homens
Ele veio para dar um novo impulso à vida espiritual do mundo; para restabelecer
os ensinamentos internos referentes á vida espiritual; para indicar novamente a
antiga senda estreita; para proclamar a existência do “Reino dos Céus”, da
Iniciação que admite àquele conhecimento de Deus que é a vida eterna; e para
admitir uns poucos a este Reino que seriam capazes de ensiná-lo a outros. Em
torno desta Figura gloriosa se reuniram os mitos que O ligaram à longa linhagem
de Seus predecessores, os mitos que em alegorias contam a história de todas as
vidas que à d’Ele se assemelham, pois elas simbolizam a obra do Logos no Cosmos
e a mais elevada evolução da alma humana individual.
Mas não devemos supor que a
obra do Cristo em prol de Seus seguidores encerrou depois que Ele estabeleceu
os Mistérios, ou ficou confinada a raras aparições ali. Aquele poderoso Ser que
utilizou o corpo de Jesus como veículo, e cujo cuidado vigilante se estende
sobre toda a evolução espiritual da quinta raça da humanidade, depositou nas
fortes mãos do santo discípulo que lhe rendera o corpo o cuidado pela Igreja
nascente. Aperfeiçoando sua evolução humana, Jesus se tornou um dos Mestres de
Sabedoria, e tomou a Cristandade sob Sua especial responsabilidade, sempre
procurando guiá-la nas linhas certas, protegê-la, guardá-la e nutri-la. Ele era
o Hierofante nos Mistérios Cristãos, o Instrutor direto dos Iniciados. Sua foi
a inspiração que manteve acesa a Gnose na Igreja, até que a crescente massa de
ignorância se tornou tão grande que mesmo Seu alento não poderia alimentar a
chama suficientemente para que evitar sua extinção. Seu é o paciente labor com
que alma após alma fortalecida persevera através das trevas, e acalenta dentro
de si mesma a centelha do anelo místico, a sede de encontra o deus Oculto. Seu
é o constante derramar de verdade em cada cérebro pronto a recebê-la, para que
mão após mão estendida através dos séculos passe a tocha do conhecimento, que
assim jamais se extinguiu. Sua era a Forma que ficava ao lado de cada patíbulo
e em meio às chamas da fogueira, consolando Seus confessores e Seus mártires,
amenizando as dores de suas penas, e enchendo seus corações com Sua paz. Seu
foi o impulso que falou através do trovão de Savonarola, que guiou a calma
sabedoria de Erasmo, que inspirou a profunda ética de intoxicado por deus
Spinoza. Sua foi a energia que impeliu Roger Bacon, Galileu e Paracelso em suas
pesquisas da natureza. Sua foi a beleza que deslumbrou Fra Angelico e Raphael e
Leonardo da Vinci, que inspirou o gênio de Michelangelo, que brilhou diante dos
olhos de Murillo, e que deu o poder que erigiu as maravilhas do mundo, o Duomo
de Milão, San Marco em Veneza, a Catedral de Florença. Sua foi a melodia que se
ouve nas missas de Mozart, nas sonatas de Beethoven, nos oratórios de Haendel,
nas fugas de Bach, no austero esplendor de Brahms. Sua é a presença que
confortou os místicos solitários, os ocultistas perseguidos, os pacientes
buscadores da verdade. Pela persuasão e pela ameaça, pela eloqüência de um São
Francisco e nos chistes de um Voltaire, pela doce submissão de um Thomas a
Kempis, e na robusta virilidade de um Lutero, Ele procurou instruir e
despertar, ganhar para a santidade ou atiçar para longe do mal. Através dos
longos séculos Ele tem se esforçado e trabalhado, e, mesmo com todo o enorme peso
do Cristianismo para levar, jamais deixou descuidado ou desconsolado um só
coração humano que tenha lhe clamado por ajuda. E agora Ele está tentando
devolver em benefício da Cristandade uma parte da copiosa torrente de Sabedoria
derramada para a renovação do mundo, e está buscando pelas Igrejas alguns que
tenham ouvidos para ouvir a Sabedoria, e os que respondam ao Seu apelo por
mensageiros que a levem ao seu rebanho; “Eis-me aqui; envia-me”.
Já vimos que o uso que se
faz da Religião Comparada contra a Religião, e alguns de seus ataques mais
destrutivos têm sido levantados contra o Cristo. Seu nascimento de uma Virgem
no “Natal”, a matança dos Inocentes, Seus milagres e Seus ensinamentos, Sua
crucificação, ressurreição e ascensão - todos estes eventos na história de Sua
vida são assinalados na história de outras vidas, e Sua existência histórica é
questionada com base nestas identidades. Até onde se relaciona aos milagres e
ensinamentos, podemos brevemente descartar os primeiros reconhecendo que os
maiores Instrutores operaram obras que, no plano físico, aparecem como milagres
à visão de seus contemporâneos, mas são sabidos pelos ocultistas serem
realizados pelo exercício de poderes possuídos por todos os Iniciados acima de
certo nível. Os ensinamentos que Ele deu também podem ser considerados
não-originais; mas onde o estudante de Mitologia Comparada imagina ter provado
que ninguém é inspirado divinamente ao demonstrar que saíram dos lábios de
Manu, dos lábios de Buda, dos lábios de Jesus, ensinamentos morais similares, o
ocultista diz que certamente Jesus deve ter repetido os ensinamentos de Seus
predecessores, uma vez que foi um mensageiro da mesma Loja. As verdades
profundas a respeito do Espírito divino e humano eram tão verdadeiras milhares
de anos antes que Jesus tivesse nascido na Palestina quanto depois de Ele ter
nascido, e dizer que o mundo foi deixado sem este ensinamento, e que o homem
foi deixado na escuridão moral desde sua origem até vinte séculos atrás é dizer
que houve uma humanidade sem um Instrutor, filhos sem um Pai, almas humanas
gritando por luz no meio da treva que não lhes dá resposta alguma - uma
concepção tão blasfema sobre Deus quanto é desesperante para o homem, uma
concepção contradita pela aparição de cada Sábio, pela grandiosa literatura,
pelas nobres vidas nas milhares de eras antes que Cristo aparecesse.
Reconhecendo então em Jesus
o grande mestre do Ocidente, o principal Mensageiro da Loja para o mundo ocidental,
devemos enfrentar a dificuldade que arruinou a crença n’Ele nas mentes de
tantos: Por que os festivais que comemoram os eventos na vida de Jesus são
encontrados nas religiões pré-Cristãs, e nelas comemoram eventos idênticos das
vidas de outros Instrutores?
A Mitologia Comparada, que
atraiu a atenção pública para esta questão nos tempos modernos, pode ser dita
ter um século de idade, datando do aparecimento da Histoire Abrégée de
différents Cults, de Dulaure, da Origens de touts les Cultes, de Dupuis, do
Hindu Pantheon, de Moor, e do Anacalypsis, de Godfrey Higgins. Estas obras
foram seguidas por uma enxurrada de outras, ficando mais científicas e
rigorosas em suas compilações e comparações dos fatos, até que se tornou
impossível para qualquer pessoa educada sequer duvidar das identidades e
similaridades que existem em todas as direções. Não se encontrará nestes dias
qualquer Cristão que esteja preparado para argumentar que os símbolos, ritos e
cerimônias Cristãos são únicos - exceto, talvez, entre os ignorantes.
Aqui ainda temos
simplicidade de crença aliada à ignorância dos fatos; mas fora desta última
classe não encontramos nem mesmo o mais devoto Cristão alegando que o
Cristianismo não tem muito em comum com credos mais antigos que ele mesmo. Mas
é bem sabido que nos primeiros séculos “depois de Cristo” estas semelhanças
eram admitidas por todos, e que a Mitologia Comparada moderna só está repetindo
com grande precisão o que era reconhecido universalmente na Igreja Primitiva.
Justino Mártir, por exemplo, povoa suas páginas com referências às religiões de
seu tempo, e se um atacante moderno do Cristianismo citasse alguns casos onde
os ensinamentos Cristãos são idênticos aos de religiões mais antigas, ele não
poderia encontrar guias melhores do que os apologistas do segundo século. Eles
citam ensinamentos, histórias e símbolos Pagãos, advogando que a própria
identidade dos ensinamentos, histórias e símbolos Cristãos com aqueles deveria
prevenir a rejeição apriorística destes por serem considerados em si incríveis.
É dada na verdade uma razão curiosa para esta identidade, que dificilmente
encontrará seguidores nos dias de hoje. Diz Justino Mártir: “Os que transmitem
os mitos que os poetas criaram não aduzem nenhumas provas para os jovens que os
aprendem; e passamos a demonstrar que eles foram elaborados sob a influência de
demônios maus, para enganar e perder a raça humana. Pois tendo ouvido ser
proclamado pelos profetas que Cristo havia de vir, e que os homens maus haviam
de ser punidos pelo fogo, enviaram muitos que seriam chamados filhos de
Júpiter, com a impressão de que eles seriam capazes de produzir nos homens a
idéia de que as coisas ditas a respeito de Cristo eram meras fábulas
maravilhosas, como as coisas que foram ditas pelos poetas”. “E os demônios, em
verdade, tendo ouvido sobre esta purificação publicada pelo profeta, instigaram
aqueles que entram em seus templos, e estão prestes a se aproximarem dali com
libações e holocaustos, a espargirem a si mesmos [com água, referência à
prática dos Cristãos de usar a água benta para a purificação prévia quando da
entrada na igreja, prática empregada também por religiões Pagãs em seus templos
- NT]; e eles os fazem ainda se lavarem inteiramente quando partem” (Justin
Martyr, First Apology, §§ LIV, LXII e LXVI; A.-N.C.Libr., vol. II). “Pois eu
mesmo, quando descobri os malignos artifícios que os maus espíritos lançaram em
volta das doutrinas divinas dos Cristãos, para impedir que outros se lhe
juntassem, ri” (Justin Martyr, Second Apology, § XIII; A.-N.C.Libr., vol. II).
Estas identidades foram
consideradas então como a obra de demônios, cópias dos originais Cristãos, e
circularam largamente no mundo pré-Cristão com o intuito de prejudicar a
recepção da verdade quando ela viesse. Há uma certa dificuldade em aceitarmos
as declarações mais antigas como cópias e as mais tardias como originais, mas
sem disputar com Justino Mártir se as cópias precederam os originais ou os
originais às cópias, podemos nos contentar em aceitar seu testemunho sobre a
existência destas identidades entre a fé que florescia no império Romano de seu
tempo e a nova religião a qual ele estava engajado em defender.
Tertuliano fala de modo
igualmente explícito, levantando a objeção feita em seus dias também ao
Cristianismo, de que “as nações que são alheias ao entendimento dos poderes
espirituais, atribuem aos seus ídolos a dotação da mesma eficácia às águas”. “E
de fato eles o fazem”, ele responde muito francamente, “mas estes se iludem com
águas inócuas. Pois a ablução é o canal através do qual eles são iniciados em
certos ritos sacros de alguns Ísis ou Mitras notórios; e eles honram os
próprios Deuses com abluções... Eles são batizados nos jogos Apolíneos ou
Eleusinos, e presumem que o efeito de seus atos é a regeneração e remissão de seus
pecados devidos aos seus perjúrios. De fato, reconhecemos aqui também o zelo
dos diabos ao rivalizarem com as coisas de Deus, quando os encontramos
praticando também o batismo em seus súditos” (Tertulian, On Baptism, cap. V;
A.-N.C.Libr., vol VII). Pare resolvermos estas dificuldades devemos estudar o
Cristo Mítico, o Cristo dos mitos ou lendas solares, sendo estes mitos as
formas figuradas nas quais certas verdades profundas foram dadas ao mundo.
Mas um “mito” de modo algum
é o que a maioria das pessoas imagina que seja - uma mera história fantástica
erguida sobre uma base factual, ou mesmo inteiramente à parte dos fatos. Um
mito é muito mais verdadeiro do que uma história, pois uma história só conta um
relato das sombras, enquanto que um mito conta um relato das substâncias que
produzem as sombras. Assim no alto como embaixo; e primeiro no alto, e depois
embaixo. Existem certos grandes princípios de acordo com os quais nosso grande
sistema é construído; há certas leis através das quais estes princípios são
desenvolvidos em detalhe; há certos seres que encarnam os princípios e cujas
atividades são as leis; existem hostes de seres inferiores que atuam como
veículos para estas atividades, como agentes, como instrumentos; existem os
Egos dos homens misturados a tudo isto, cumprindo sua parte no grande drama
cósmico. Estes trabalhadores multivariados nos mundos invisíveis lançam suas
sombras na matéria física, e estas sombras são as “coisas” - os corpos, os
objetos, que constituem o universo físico. Estas sombras só dão uma idéia pobre
dos objetos que as originam, assim como o que chamamos de sombras aqui embaixo
só dão uma idéia pobre dos objetos que as lançam; elas são meros contornos, com
uma negrura uniforme em vez de detalhes, e só possuem largura e altura, mas não
profundidade.
A história é um relato,
muito imperfeito e freqüentemente distorcido, da dança da sombras no
mundo-sombra da matéria física. Qualquer um que tenha assistido a um teatro de
sombras chinesas, e comparou o que acontece detrás da tela de projeção com os
movimentos das sombras na tela, pode ter uma vívida idéia da natureza ilusória
das ações-sombras, e pode elaborar daí diversas analogias de modo nenhum
enganosas (O estudante poderia ler o relato de Platão sobre a “Caverna” e seus
habitantes, lembrando que Platão foi um Iniciado: Platão, República, livro
VII).
O mito é um relato dos
movimentos daqueles que lançam as sombras, e a linguagem na qual o relato é
dado é o que se chama linguagem de símbolos. Assim como temos palavras para
designar as coisas - assim como a palavra “mesa” é um símbolo para um artigo
reconhecido de certo tipo - igualmente o símbolo designa objetos nos planos
superiores. São um alfabeto pictórico, usado por todos os elaboradores de
mitos, e cada símbolo tem seu significado determinado. Um símbolo é usado para
significar um certo objeto assim como as palavras são usadas aqui embaixo para
distinguir uma coisa da outra, de modo que é necessário um conhecimento dos
símbolos para a leitura de um mito. Pois os contadores originais de todos os
mitos são sempre Iniciados, que estão acostumados a usar a linguagem simbólica,
e que, é claro, usam os símbolos em seus significados convencionados.
Um símbolo tem um
significado principal, e depois vários outros significados subsidiários
relacionados àquele significado principal. Por exemplo, o Sol é o símbolo do
Logos; este é o significado principal ou primário. Mas também funciona aplicado
para uma encarnação do Logos, ou para qualquer um dos grandes Mensageiros que O
representam na época, como os embaixadores representam seu Rei. Grandes
Iniciados que são enviados em missões especiais para encarnar entre os homens e
viver com eles durante algum tempo como regentes ou Instrutores seriam
designados pelo símbolo do Sol; pois embora este não seja seu símbolo em um
sentido individual, é seu em virtude de seu ofício.
Todos aqueles que são
designados por este símbolo têm certas características, passam por certas
situações e desempenham certas atividades durante suas vidas na Terra. O Sol é
a sombra física, ou corpo, como é chamado, do Logos, daí que seu curso anual na
natureza reflete Sua atividade, no modo parcial através do qual uma sombra
representa a atividade do objeto que a lança. O Logos, “o Filho de Deus”,
descendo à matéria, tem como sombra o curso anual do Sol, e o Mito Solar o
relata. Daí, mais uma vez, uma encarnação do Logos, ou um de Seus altos
embaixadores, também apresentará esta atividade, como sombra, em Seu corpo de
homem. Assim é necessário que surjam identidades nas histórias de vida destes
embaixadores. De fato, a ausência destas identidades de imediato indicaria que
esta pessoa em questão não era um embaixador pleno, e que sua missão era de um
caráter inferior.
O Mito Solar, então, é uma
história que primariamente representa a atividade do Logos, ou Verbo, no cosmo;
secundariamente, representa a vida de alguém que seja uma encarnação do Logos,
ou seja um de Seus embaixadores. O Herói do mito é usualmente representado como
um Deus, ou Semideus, e sua vida, como será compreendido pelo que já se disse,
deve ser ordenada de acordo com o curso do Sol, como sombra do Logos. A parte
do curso vivida durante a vida humana é a que recai entre o solstício de
inverno e o zênite do verão. O Herói nasce no solstício de inverno, morre no equinócio
de primavera, e, vencendo a morte, ascendo aos céus.
As seguintes notas são
interessantes neste sentido, por olharem o mito de um modo mais genérico, como
uma alegoria, figurando verdades internas: “Alfred de Vigny disse que a lenda é
mais freqüentemente verdadeira do que a história, porque a lenda reconta não
atos que são amiúde incompletos e abortivos, mas o gênio em si do grande homem
e das grandes nações. É principalmente em relação ao Evangelho que este belo
pensamento é aplicável, pois o Evangelho não é meramente a narração do que
sucedeu; é a narração sublime do que é e sempre será. O Salvador do mundo será
sempre adorado pelos reis da inteligência, representados pelos Magos;
multiplicará sempre o pão eucarístico, para alimentar e confortar nossas almas;
virá a nós caminhando sobre as águas, sempre estenderá Suas mãos e nos fará
atravessar as cristas das ondas; sempre curará nossas intemperanças e dará luz
para nossos olhos; sempre aparecerá aos Seus fiéis, luminoso e transfigurado
sobre o Tabor, interpretando a lei de Moisés e moderando o zelo de Elias”
(Eliphas Levi, The Mysteries of Magic, p. 48).
Veremos que os mitos são
muito estreitamente associados aos Mistérios, pois parte dos Mistérios
consistia em apresentar imagens vivas das ocorrências nos mundos superiores que
se tornaram corporificadas nos mitos. De fato nos Pseudomistérios, fragmentos
mutilados das imagens vivas dos Mistérios verdadeiros eram representados por
atores que apresentavam um drama, e muitos mitos secundários são estes dramas
colocados em palavras.
As linhas gerais da
história do Deus Sol são muito nítidas, sendo a movimentada vida do Deus Sol
estendida pelos seis primeiros meses do ano solar, sendo os outros seis
empregados na proteção e preservação gerais. Ele sempre nasce no solstício de
inverno, depois do dia mais curto do ano, na meia-noite do dia 24 de dezembro
[isto no hemisfério norte - NT], quando o signo da Virgem está se elevando no
horizonte; nascendo na elevação deste signo, nasce sempre de uma virgem, e ela permanece
sempre virgem depois de ter dado à luz a seu Filho Solar, assim como a Virgem
Celeste permanece intacta e imaculada quando o Sol emerge dela nos céus. Ele é
fraco e frágil como uma criança, nascido quando os dias são mais curtos e as
noites mais longas - estamos ao norte da linha equatorial - rodeado de perigos
em sua infância, e o reino das trevas muito maior que o seu em seus primeiros
dias. Mas ele sobrevive a todos os perigos que o ameaçam, e o dia aumenta sua
duração à medida que se aproxima o equinócio da primavera, até que chega o
tempo do traspasse, a crucificação, cuja data varia a cada ano. O Deus Sol
algumas vezes é figurado dentro do círculo do horizonte, com a cabeça e pés
tocando o círculo ao norte e ao sul, e as mãos estendidas tocando o leste e o
oeste - “Ele foi crucificado”. Depois disto ele se ergue triunfante e ascende
ao céu, e colhe o grão e a vinha, dando sua própria vida para eles para fazer
sua substância a através deles para os seus adoradores. O Deus que nasce no
início do dia 25 de dezembro é sempre crucificado no equinócio da primavera, e
sempre dá sua vida como alimento aos seus adoradores - estas são as mais
salientes características do Deus Sol. A fixidez da data de nascimento e a
variabilidade da data de morte são cheias de significado, quando lembramos que
uma é uma posição solar fixa e a outra é variável. A “Páscoa” é um evento
móvel, calculado pelas posições relativas do sol e da lua, um modo impossível
de se fixar ano após ano o aniversário de um evento histórico, mas um modo
muito natural e na verdade inevitável de calcular um festival solar. Estas
datas móveis não apontam para a história de um homem, para a do Herói de um
mito solar.
Estes eventos são
reproduzidos nas vidas dos vários Deuses Solares, e a antigüidade é pródiga em
ilustrações deles. A Ísis do Egito, como nossa Maria de Belém, foi Nossa
Senhora Imaculada, Estrela do Mar, Rainha do Céu, Mãe de Deus. Nós a vemos em
imagens acima do crescente lunar, coroada de estrelas; ela acalenta seu filho
Hórus, e a cruz aparece no dorso do trono onde ele se assenta sobre o joelho de
sua mãe. A Virgem do Zodíaco é representada nos antigos desenhos como uma mãe
aleitando uma criança - o protótipo de todas as Madonnas com seus Bebês
divinos, mostrando a origem do símbolo. Devaki é igualmente figurada com o
divino Krishna em seus braços, assim como Mylitta, ou Istar, da Babilônia,
também com a onipresente coroa de estrelas, e com seu filho Tammuz sobre seu
joelho. Mercúrio e Esculápio, Baco e Hércules, Perseu e os Dióscuros, Mitra e
Zoroastro, foram todos de nascimento divino e humano.
A relação do solstício de
inverno e Jesus também é significativa. O nascimento de Mitra era celebrado no
solstício de inverno com grande júbilo, e Hórus também nascia nesta ocasião:
“Seu nascimento é um dos maiores mistérios da religião (Egípcia). Imagens
representando-o apareciam nas paredes dos templos... Ele era o filho da
Deidade. Na época do Natal, ou aquele espelho de nosso festival, sua imagem era
levada para fora do santuário com cerimônias especiais, assim como a imagem do
Bambino ainda é levada para fora e exibida em Roma” (Bonwiok, Egyptian Belief,
p. 157. Citado em Williamson, The Great Law, p. 26).
Sobre a fixação da data de
25 de dezembro como o nascimento de Jesus, Williamson diz o seguinte: “Todos os
Cristãos sabem que 25 de dezembro agora é o festival convencionado para o
nascimento de Jesus, mas poucos se dão conta que não foi sempre assim; diz-se
que 136 datas diferentes forma fixadas por diferentes seitas Cristãs. Lightfoot
o assinala em 15 de setembro, outros em fevereiro ou agosto, Epifânio menciona
duas seitas, uma celebrando-o em junho, outra em julho. O assunto finalmente
foi decidido pelo Papa Júlio I, em 337, e São Crisóstomo, em 390, diz: ‘Neste
dia (25 de dezembro), o nascimento de Cristo foi também há pouco fixado em
Roma, a fim de que enquanto os pagãos estivessem ocupados com seu suas
cerimônias (as Brumálias, em honra a Baco), os Cristãos pudessem realizar seus
ritos em paz’. Gibbon, em seu Declínio e Queda do Império Romano, escreve: ‘Os
(Cristãos) Romanos, tão ignorantes como seus irmãos a respeito da data real de
seu (de Cristo) nascimento, fixaram o festival solene em 25v de dezembro, nas
Brumálias ou solstício de inverno, quando os Pagãos celebravam anualmente o
nascimento do Sol’. King, em seu Gnostics and Their Remains, também diz: ‘O
antigo festival fixado em 25 de dezembro em honra do nascimento do Invencível
(O festival Natalia Solis Invicti, o nascimento do Sol Invencível), e celebrado
com os grandes jogos no Circo, foi depois transferido para a comemoração do
nascimento de Cristo, cuja data precisa muitos Padres confessam que
desconhecem’, enquanto que nos dias de hoje Canon Farrar escreve que ‘todas as
tentativas de descobrir o mês e dia da natividade são inúteis. Não existe
nenhum dado que nos habilite a determiná-los sequer com exatidão aproximada’.
Do que se disse fica aparente que o grande festival do solstício do inverno tem
sido celebrado durante eras passadas, e em terras muito separadas, em honra do
nascimento de um Deus, que quase invariavelmente é mencionado como um
‘Salvador’, e cuja mãe é dita ser uma virgem pura. As notáveis semelhanças,
também, que têm sido citadas não só a respeito do nascimento mas também da vida
de tantos destes Deuses Salvadores são de longe numerosas demais para serem
tidas como mera coincidência” (Williamson, The Great Law, pp. 40-42 Os que
desejam estudar este assunto sob o viés da Religião Comparada não podem fazer
melhor senão ler The Great Law, cujo autor é um homem profundamente religioso e
um Cristão).
No caso do Senhor Buda
podemos ver como um mito se liga a um personagem histórico. A história de Sua
vida é bem conhecida, e nos relatos indianos comuns a história do nascimento é
simples e humana. Mas no relato chinês Ele nasce de uma Virgem, Mâyâdevi, o
mito arcaico encontrado n’Ele um novo Herói.
Williamson também nos fala
que fogos eram e são acesos em 25 de dezembro sobre as colinas entre os povos
celtas, e eles ainda são conhecidos entre os highlanders irlandeses e escoceses
como Bheil ou Baaltine, levando os fogos o nome de Bel, Bal ou Baal, sua antiga
deidade, o Deus Sol, embora sejam acesos agora em honra de Cristo (Ibid., pp.
36-37).
Considerado corretamente, o
festival Cristão deveria ter novos elementos de júbilo e sacralidade, quando os
amantes de Cristo vêem nele a repetição de uma antiga solenidade, vêem-no se
estendendo sobre todo o mundo, e longe, muito longe na obscura antigüidade;
para que os sinos do Natal retinam através de toda a história humana e soem
musicalmente de dentro da noite dos tempos. A marca da verdade é encontrada não
na posse exclusiva, mas na aceitação universal.
A data da morte, como dito
antes, não é fixa como a data de nascimento. A data da morte é calculada pelas
posições relativas do Sol e da Lua no equinócio de primavera, variando em cada
ano, e a data da morte de cada Herói Solar é encontrada para ser celebrada
nesta conexão. O animal adotado como símbolo do Herói é o signo do Zodíaco no
qual o Sol está no equinócio vernal desta era, e isto varia com a precessão dos
equinócios. Oannes da Assíria tinha o signo de Peixes, e é figurado assim.
Mitra cai em Touro, e portanto conduz um touro, e Osíris era adorado como
Osíris-Ápis, ou Serápis, o Touro, O Merodach da Babilônia era adorado como um
Touro, assim como Astarte da Síria. Quando o Sol está no signo de Áries, temos
o Carneiro ou Cordeiro, o mesmo para Astarte e Júpiter Ammon, e é este mesmo
animal que se tornou o símbolo de Jesus - O Cordeiro de Deus. O uso do Cordeiro
como Seu símbolo, freqüentemente portando uma cruz, é comum nas esculturas das
catacumbas. Sobre isto escreve Williamson: “No curso do tempo o Cordeiro foi
representado na cruz, mas foi só no Sínodo de Constantinopla, realizado em 680,
que foi ordenado que em vez do antigo símbolo, a figura de um homem estendido
sobre uma cruz deveria ser representado. Este cânone foi ratificado pelo Papa
Adriano I” (The Great Law, p. 116). O antiqüíssimo Peixe também é assinalado
para Jesus, e assim Ele é figurado nas catacumbas.
A morte e ressurreição do
Herói Solar no ou perto do equinócio vernal é tão disseminada como seu
nascimento no solstício de inverno. Osíris foi morto por Tífon, e Ele é
representado no círculo do horizonte, com os braços estendidos, como se
crucificado - uma postura originalmente de bênção, e não de sofrimento. A morte
de Tammuz era anualmente fixada no equinócio de primavera na Babilônia e na
Síria, assim como Adônis na Síria e Grécia, e Àtis na Frígia, eram
representados “como um homem estendido com um cordeiro aos pés” (Ibid., p. 68).
A morte de Mitra era celebrada similarmente na Pérsia, e a de Baco e Dionísio -
um e o mesmo - na Grécia. No México a mesma idéia reaparece, e como o usual,
acompanhada da cruz.
Em todos estes casos a
lamentação pela morte é imediatamente seguida pelo júbilo pela ressurreição, e
a respeito disto é interessante notar que o nome Easter [Páscoa, em inglês -
NT], é derivado de Ishtar, a mãe virgem do finado Tammuz (Ibid., p. 56).
Também é interessante notar
que o luto precedente à morte no equinócio vernal - a moderna Quaresma - é
encontrado no México, Egito, Babilônia, Assíria, Ásia Menor, em alguns casos
exatamente de quarenta dias (Ibid., pp., 120-123).
Nos Pseudomistérios, a
história do Deus Sol era dramatizada, e nos antigos Mistérios era vivida pelo
Iniciado, e daí os “mitos” solares e os grandes fatos da Iniciação foram
misturados. Daí quando o Mestre Cristo se tornou o Mestre dos Mistérios, as
lendas dos antigos Heróis daqueles Mistérios se juntaram em Seu redor, e as
histórias foram de novo recitadas a respeito do último dos Instrutores divinos
representantes do Logos no Sol. Então o festival de Sua natividade se tornou a
data imemorial de quando o Sol nasceu da Virgem, quando o céu da meia-noite se
enchia das hostes jubilosas dos seres celestiais, e
“Muito cedo, muito cedo,
Cristo nasceu”.
À medida que a grande lenda
do Sol se reuniu em Seu redor, o signo do Cordeiro se tornou o de Sua
crucificação, como o signo da Virgem se tornou o de Seu nascimento. Vimos que o
Touro era consagrado para Mitra assim como o Peixe para Oannes, e que o
Cordeiro foi consagrado para Cristo, e pela mesma razão: era o signo do
equinócio de primavera, no período da história em que Ele cruzou o grande
círculo do horizonte, sendo “crucificado no espaço”.
Estes mitos Solares, sempre
recorrentes através das idades, com um nome diferente para o seu Herói em cada
nova aparição, não pode passar ignorado pelo estudante, embora ele possa
natural e corretamente ser ignorado pelo devoto, e quando eles são usados como
uma arma para mutilar ou destruir a majestática figura do Cristo, devem ser
encarados, não se negando os fatos, mas entendendo o significado profundo das
histórias, as verdades espirituais que as lendas expressam debaixo de um véu.
Por que estas lendas se
misturaram com a história de Jesus, e se cristalizaram ao Seu redor, em Seu
aspecto como personagem histórico? Elas são em verdade as histórias não de um
indivíduo em particular chamado Jesus, mas do Cristo universal, de um homem que
simbolizou um ser Divino, e que representou uma verdade fundamental na
natureza, um Homem que cumpriu uma certa função e assumiu um posto especial em
relação à humanidade, permanecendo em uma relação especial com a humanidade,
renovada era após era, à medida que geração sucedia a geração, à medida que
cada raça dava espaço a outra raça. Por isto Ele foi, como o foram todos, “o
Filho do Homem”, um título peculiar e distintivo, o nome de uma função, e não o
de um indivíduo. O Cristo do Mito Solar era o Cristo dos Mistérios, e
descobrimos o segredo do Cristo mítico no Cristo místico.
Agora nos aproximamos
daquele lado mais profundo da história do Cristo que lhe empresta a sua real ascendência
sobre os corações dos homens. Nos aproximamos daquele vida perene que borbulha
de uma fonte invisível, e assim batiza seu representante com seu lucente fluxo,
aquilo que faz com que os corações humanos se agrupem em torno de Cristo, e
sintam que poderiam mais prontamente rejeitar os fatos aparentes da história do
que negar aquilo que eles intuitivamente ser uma verdade vital, essencial, da
vida superior. Chegamos ao portal secreto dos Mistérios, e erguemos uma ponta
do véu que esconde o santuário.
Vimos que, remontando à
antigüidade o quanto pudermos, encontramos sempre reconhecida a existência de
um ensinamento oculto, uma doutrina secreta, dada sob estritas condições para
candidatos aprovados pelos Mestres da Sabedoria. Tais candidatos eram iniciados
nos “Mistérios” - um nome que na antigüidade encobre, como vimos, tudo aquilo
que eram mais espiritual na religião, tudo o que era mais profundo em
filosofia, tudo o que era mais valioso na ciência. Todos os grandes Instrutores
da antigüidade passaram pelos Mistérios e os maiores dentre aqueles eram os
Hierofantes dos Mistérios; todos os que vieram ao mundo para falar dos mundos
invisíveis passou através do portal da Iniciação e aprendeu o segredo dos
Santos Seres de Seus próprios lábios; todos vieram com a mesma história, e os
mitos solares são todos eles versões desta história, idênticas em suas
características essenciais, variando apenas em suas cores locais.
Esta história é
primariamente a da descida do Logos na matéria, e o Deus Sol é adequadamente
seu símbolo, uma vez que o Sol é Seu corpo, e Ele é freqüentemente descrito
como “Aquele que reside no Sol”. Em um aspecto, o Cristo dos Mistérios é o
Logos descendo à matéria, e o grande Mito Solar é a versão popular desta
verdade sublime. Como nos casos anteriores, o Divino Instrutor, que trouxe a
Sabedoria Antiga e a divulgou novamente no mundo, foi considerado como uma
manifestação especial do Logos, e o Jesus das Igrejas gradualmente foi
revestido com as histórias que pertenciam àquele grande Ser; assim Ele foi
identificado, na nomenclatura Cristã, com a Segunda Pessoa da Trindade, o Logos
ou Verbo de Deus (Veja-se com relação a isto a abertura do Evangelho de João,
I, 1-5. O nome Logos, atribuído ao Logos manifesto, modelando a matéria -
“todas as coisas foram feitas por Ele” - é de origem Platônica, e daí é
derivada diretamente dos Mistérios; eras antes de Platão, Vâk, Voz, era o termo
usado entre os Hindus), e os eventos principais recontados no mito do Deus Sol
se tornaram os eventos principais da história de Jesus, considerado como a
Deidade encarnada, o “Cristo mítico”. Assim como no macrocosmos, no cosmos, o
Cristo dos Mistérios representa o Logos, a Segunda Pessoa da Trindade,
igualmente no microcosmos, no homem, Ele representa o segundo aspecto do
Espírito Divino no homem - por isso é chamado “o Cristo” no homem (Vide ante,
pp. 106-107). O segundo aspecto do Cristo dos Mistérios então é a vida do
Iniciado, a vida que lhe penetra na primeira grande Iniciação, na qual o Cristo
nasce no homem, e depois da qual Ele se desenvolve no homem. Para tornar isto
mais inteligível, devemos considerar as condições impostas ao candidato à
Iniciação, e a natureza do Espírito no homem.
Somente seriam reconhecidos
como candidatos aqueles que eram tão bons quanto os homens consideram ser
bondoso, de acordo com a estrita medida da lei. Puro, santo, sem vileza, limpo
do pecado, vivendo sem transgressões - estas eram algumas das frases empregadas
para descrevê-los (Vide ante, p. 80-83). Também devia ser inteligente, com uma
mente bem constituída e bem treinada (Vide ante, p. 73). A evolução conseguida
no mundo vida após vida, desenvolvendo e dominando os poderes da mente, as
emoções e o senso moral, aprendendo através das religiões exotéricas,
praticando o cumprimento dos deveres, procurando ajudar e soerguer os outros -
tudo isto pertence à vida usual de um homem em evolução. Quando tudo isto é
feito, o homem se tornou um “homem bom”, o Chrêstos dos gregos, e assim ele
deve ser antes que se torne Christos, o Ungido. Tendo completado a vida
exotérica no bem, se torna um candidato à vida esotérica, e inicia a preparação
para a Iniciação, que consiste no preenchimento de certos requisitos.
Estes requisitos assinalam
os atributos que ele deve adquirir, e enquanto ele está trabalhando para
criá-los, algumas vezes se diz que ele está trilhando a Senda Probacionária, a
Senda que conduz à “Porta Estreita”, além da qual está a “Vereda Estreita”, ou
a “Senda da Santidade”, o “Caminho da Cruz”. Não se espera que ele desenvolva estes
atributos com perfeição, mas deve ter feito algum progresso em todos eles,
antes que Cristo possa nascer nele. Ele deve preparar uma casa pura para aquela
Criança Divina que há de se desenvolver nele.
O primeiro destes atributos
- todos são mentais e morais - é a Discriminação; isto significa que o
aspirante deve começar a separar em sua mente o Eterno do Temporário, o Real do
Irreal, o verdadeiro do Falso, o Celeste do Terreno. “As coisas que são vistas
são temporais”, diz o Apóstolo; “mas as coisas que não são vistas são eternas”
(II Coríntios, IV, 18). Os homens estão constantemente vivendo sob o glamour do
que é visível, e são cegos por ele para o que não é visto. O aspirante deve
aprender a discriminar entre os dois, de modo que o que é irreal para o mundo
possa se tornar real para ele, e o que é real para o mundo possa se tornar
irreal para ele, pois só assim é possível “caminhar pela fé, e não pela visão”
(Ibid., V, 7). E assim também um homem deve se tornar um daqueles de quem diz o
Apóstolo serem “todos crescidos, mesmo aqueles que em virtude do uso tiveram
seus sentidos exercitados a distinguir o bem do mal” (Hebreus, V, 14). A
seguir, este senso de irrealidade deve suscitar nele um Desgosto para com o
irreal e efêmero, as meras futilidades da vida, incapazes de satisfazer a fome,
a não ser do suíno (Lucas, XV, 16). Este estágio é descrito na enfática
linguagem de Jesus: “Se alguém vier a mim, e não odiar seu pai e mãe e esposa e
filhos e irmãos e irmãs, sim, e sua própria vida, não pode ser meu discípulo”
(Ibid., XIV, 26). De fato uma “frase rude”, embora além deste rigor brote um
amor mais profundo e verdadeiro, e esta etapa não pode ser contornada no
caminho para a Porta Estreita. Então o aspirante deve aprender o Controle dos
pensamentos, e isto conduzirá ao Controle das ações, sendo o pensamento, à
visão interna, o mesmo que ação: “Quem quer que haja olhado para uma mulher com
cobiça, já cometeu adultério com ela em seu coração” (Mateus, V, 28). Ele deve
adquirir Perseverança, pois os que aspiram trilhar o “Caminho da Cruz” terão
que enfrentar longos e amargos sofrimentos, e devem ser capazes de perseverar”,
vendo Aquele que é invisível” (Hebreus, XI,
27). Ele deve acrescentar aos outros requisitos a Tolerância, se há de
se tornar o filho d’Aquele que “fez Seu sol brilhar para o mau e para o bom, e
enviou a chuva sobre o justo e sobre o injusto” (Mateus, V, 45), o discípulo
d’Aquele que ordenou a Seus discípulos não proibir que um homem usasse Seu nome
se não seguisse com eles (Lucas, IX, 49, 60). Mais ainda, ele deve adquirir a
Fé para a qual nada é impossível (Mateus, XVII, 20), e o Equilíbrio que é
descrito pelo Apóstolo (II Coríntios, VI, 8-10). Enfim, ele deve buscar somente
“as coisas do alto” (Colossenses, III, 1) e desejar alcançar a visão e união
com Deus (Mateus, V, 8; João, XVII, 21). Quando um homem desenvolveu estas
qualidades em seu caráter ele é considerado apto para a Iniciação, e os
Guardiães dos Mistérios lhe abrirão a Porta Estreita. Assim, e só assim, ele se
torna um candidato preparado.
Porém, o Espírito no homem
é o dom do Deus Supremo, e contém em si os três aspectos da vida divina -
Inteligência, Amor, Vontade - sendo a Imagem de Deus. À medida que evolui,
desenvolve primeiro o aspecto da Inteligência, desenvolve o intelecto, e esta
evolução é realizada na vida comum no mundo. Tendo feito isto em um grau
elevado, acompanhado de desenvolvimento moral, leva o homem em evolução à
condição de candidato. O segundo aspecto do Espírito é o do Amor, e a sua
evolução é a evolução do Cristo. Nos verdadeiros Mistérios esta evolução é
levada a cabo - a vida do discípulo é o Drama do Mistério, e as grandes
Iniciações assinalam seus estágios. Os Mistérios celebrados no plano físico
costumavam ser representados dramaticamente, e as cerimônias em muitos aspectos
seguiam “o padrão” sempre presente “no Monte”, pois eram as sombras, numa época
decaída, das grandiosas Realidades espirituais no mundo espiritual.
O Cristo Místico, então, é
dúplice - o Logos, a Segunda Pessoa da Trindade, descendo na matéria, e o Amor,
ou segundo aspecto do Espírito Divino em desenvolvimento no homem. UM
representa os processos cósmicos acontecidos no passado e é a raiz do Mito
Solar; o outro representa um processo ocorrido no indivíduo, o estágio
conclusivo de sua evolução humana, e acrescentava muitos detalhes ao Mito.
Ambos contribuíram para a história do Evangelho, e juntos formam a Imagem do
“Cristo Místico”.
Consideremos primeiro o
Cristo cósmico, a Deidade envolta na matéria, a encarnação do Logos, o
revestimento de Deus “na carne”.
Quando a matéria que vai
formar nosso sistema solar é separada do infinito oceano de matéria que
preenche o espaço, a Terceira Pessoa da Trindade - o Espírito Santo - derrama
Sua vida nesta matéria para vivificá-la, para que logo possa assumir uma forma.
Então ela é reunida, e lhe é dada uma forma pela vida do Logos, a Segunda
Pessoa da Trindade, que Se sacrifica assumindo as limitações da matéria, se
tornando o “Homem celeste”, em cujo Corpo existem todas as formas, de cujo
corpo todas as formas fazem parte. Esta era a história cósmica, apresentada
dramaticamente nos Mistérios - os verdadeiros Mistérios que ocorriam no espaço,
no plano físico eram representados por meios mágicos ou de outro modo, e em
parte por atores.
Estes processos são muito
nitidamente apresentados na Bíblia, quando o “Espírito de Deus se movia sobre a
face das águas” na treva que “estava sobre a face do abismo” (Gênesis, I, 2-3),
o grande abismo da matéria não tinha forma, era vazio, incipiente. A forma foi
dada pelo Logos, o Verbo, de quem é escrito que “Todas as coisas foram feitas
por Ele; e sem Ele nada do que existe foi feito” (João, I, 3). C.W.Leadbeater
colocou bem: “O resultado desta primeira grande efusão (o ‘movimento’ do
Espírito) é estimular aquela maravilhosa e gloriosa vitalidade que existe em
toda a matéria (embora possa aos nossos olhos físicos parecer inerte), de modo
que os átomos dos vários planos desenvolvem, quando eletrizados por ela, todos
os tipos de atrações e repulsões previamente latentes, e entram em combinações
de todos os tipos” (The Christian Creed, p. 29. Este é um livro valiosíssimo e
extremamente fascinante, sobre o significado místico dos credos).
Somente quando esta obra do
Espírito foi feita é que o Logos, o Cristo Místico, pode assumir a roupagem de
matéria, entrando verdadeiramente no ventre da Virgem, o ventre da Matéria
ainda virgem, improdutiva. Esta matéria havia sido vivificada pelo Espírito
Santo, que, iluminando [overshadowing, no original - NT] a Virgem, derramou
nela Sua vida, preparando-a assim para receber a vida do Segundo Logos, que
tomou esta matéria como veículo para Suas energias. Isto foi a encarnação do
Cristo, o revestir-se de carne - “Tu não rejeitaste o ventre da Virgem”.
Nas traduções latinas e em
outras línguas do texto original grego do Credo de Nicéia, a frase que descreve
esta etapa da descida alterou as preposições e deste modo mudou o seu sentido.
No original consta “e encarnou do Espírito Santo e a Virgem Maria”, enquanto
que a tradução reza: “e encarnou pelo Espírito Santo da Virgem Maria” (The
Christian Creed, p. 42). O Cristo “não toma forma da matéria ‘Virgem’ apenas,
mas de matéria que já está imbuída e pulsante da vida do Terceiro Logos (um
nome do Espírito Santo), de modo que ambos vida e matéria O rodeiam como uma
vestimenta” (Ibid., p. 43).
Esta é a descida do Logos
na matéria, descrita como o nascimento de Cristo a partir de uma Virgem, e
isto, no Mito Solar, se torna o nascimento do Deus Sol quando o signo da Virgem
se eleva.
Então sucedem os primeiros
trabalhos do Logos na matéria, adequadamente tipificados no mito pela infância
[do Herói - NT]. Diante da fragilidade da infância os Seus próprios poderes se
curvam, atuando apenas levemente nas tenras formas que animam. A matéria
aprisiona, parece como que quisera matar seu Rei infante, cuja glória é velada
pelas limitações que Ele aceitou. Lentamente Ele a modela para altos fins, e
chega à maturidade, e então Ele se estende sobre a cruz de matéria para que
possa derramar a partir desta cruz todos os poderes de Sua vida doada. Este é o
Logos de quem Platão disse estar como que figurado numa cruz sobre o universo;
este é o Homem Celeste, pairando no espaço, com os braços estendidos a
abençoar; este é o Cristo crucificado, cuja morte na cruz da matéria enche toda
a matéria com Sua vida. Ele parece morto e é enterrado longe da vista de todos,
mas se ergue novamente vestido da mesma matéria na qual pareceu morrer, e leva
Seu corpo de matéria agora radiante para o céu, onde recebe o derramar da vida
do Pai, e se torna o veículo da vida imortal do homem. Pois é a vida do Logos
que forma a túnica da Alma no homem, e Ele a doa para que os homens possam
viver através das eras e crescer até a medida de Sua própria estatura. Em
verdade estamos revestidos d’Ele, primeiro materialmente e depois
espiritualmente. Ele Se sacrifica para levar muitos filhos para a glória, e Ele
está sempre conosco, e estará até a consumação dos tempos.
A crucificação de Cristo,
então, é parte do grande sacrifício cósmico, a representação alegórica disto
nos Mistérios físicos, e o símbolo sagrado do homem crucificado no espaço, se
materializaram numa morte real pela crucificação, e numa cruz sustentando a
forma de um homem morto; então esta história, mas a história de um homem, foi
associada ao Instrutor Divino, Jesus, e se tornou a história de Sua morte
física, enquanto que o nascimento de uma Virgem, os perigos que o rodeavam na
infância, a ressurreição e a ascensão, se tornaram incidentes de Sua vida
humana. Os Mistérios desapareceram, mas suas grandiosas e épicas representações
da obra cósmica do Logos rodearam e dignificaram a amada figura do Mestre da
Judéia, e o Cristo cósmico dos Mistérios, mais os contornos da história de
Jesus, se tornaram assim a Imagem central da Igreja Cristã.
Mas mesmo isso não é tudo,
p último toque de fascínio é acrescentado à história de Cristo pelo fato de que
existe um outro Cristo dos Mistérios, próximo e caro ao coração humano - o
Cristo do Espírito Humano, o Cristo que existe em todos nós, nasce e vive, é
crucificado, sobe dos mortos e ascende aos céus, em todo sofredor e triunfante
“Filho do Homem”.
A história de vida de todo
Iniciado na verdade, nos Mistérios celestes, é contada em seus contornos
principais na biografia Evangélica. Por esta razão, São Paulo fala, como vimos,
do nascimento do Cristo no discípulo, e de Sua evolução e depois a chegada à
plena estatura nele. Todo homem é um Cristo potencial, e o desdobramento da
vida Crística em um homem segue o perfil da história Evangélica em seus incidentes
principais, que já vimos serem universais, e não particulares.
Há cinco grandes Iniciações
na vida de um Cristo, cada uma marcando uma etapa no desdobramento da Vida do
Amor. Eles são dadas aqui, em sua forma ancestral, e a última assinala o
triunfo final do Homem que evoluiu até a Divindade, que transcendeu a
humanidade, e se tornou um Salvador do mundo.
Tracemos esta história de
vida, sempre renovada na experiência espiritual, e vejamos o Iniciado vivendo a
vida do Cristo.
Na primeira grande
Iniciação o Cristo nasce no discípulo; é então que ele percebe, pela primeira
vez, a efusão do Amor divino em si mesmo, e experimenta aquela maravilhosa
mudança que o faz sentir ser uno com tudo o que vive. Este é o “Segundo
Nascimento”, e neste nascimento os seres celestiais se rejubilam, pois ele
nasce “no reino dos céus”, como um dos “pequenos”, como “uma criancinha” -
estes nomes sempre são dados aos novos Iniciados. Este é o significado das
palavras de Jesus, que um homem se torne uma criancinha para entra no Reino
(Mateus, XVIII, 3). É dito significativamente em algum dos primeiros escritores
Cristãos que Jesus nasceu “numa gruta” - o “estábulo” da narrativa Evangélica;
a “Gruta da Iniciação” é uma antiga frase bem conhecida, e o Iniciado sempre
nasce ali; sobre aquela gruta” onde jaz a criança”, brilha a “Estrela da
Iniciação”, a Estrela sempre refulge no Oriente quando um Cristo Infante nasce.
Toda criança assim é rodeada de perigos e ameaças, estranhos perigos que não
ameaçam outros bebês, pois ele é ungido com o carisma do segundo nascimento e
os Poderes das Trevas do mundo invisível sempre procuram impedir. A despeito de
todas as provações, contudo, ele cresce até a maturidade, pois uma vez nascido,
o Cristo jamais pode morrer, uma vez iniciado seu desenvolvimento, o Cristo
jamais cai em sua evolução; sua formosa vida se expande e cresce, sempre
crescendo em sabedoria e em natureza espiritual, até que chega ao tempo da
segunda grande Iniciação, o Batismo do cristo pela Água do Espírito, que lhes
dão os poderes necessários para a Maestria, para aquele que deve ir e trabalhar
no mundo como “o Filho bem-amado”.
Então desce sobre ele com
largueza o Espírito divino, e a glória do Pai invisível derrama sua pura
radiância nele; mas desta cena da unção ele é levado pelo Espírito para os
ermos e mais uma vez é exposto ao ordálio de poderosas tentações. Pois agora os
poderes do Espírito estão se desdobrando nele, e os Tenebrosos tentam desviá-lo
de seu caminho através destes mesmos poderes, dizendo-lhe que os use para seu
próprio socorro em vez de fiar-se em seu Pai com paciente confiança. Em seguida
sucedem transições súbitas que testam sua força e fé, o sussurro do Tentador
encarnado segue a voz do Pai, e as areias escaldantes do deserto queimam os pés
anteriormente lavados nas frescas águas do rio santo. Vencedor destas
tentações, ele passa para o mundo dos homens para usar em seu auxílio os
poderes que ele não usaria para suas próprias necessidades, e aquele que não
transformaria uma pedra em pão para aplacar sua própria fome alimenta, com
poucos pães, “cinco mil homens, além de mulheres e crianças”.
Nesta vida de serviço
constante chega um outro período de glória, quando ele ascende “em uma alta
montanha afastada” - a sagrada Montanha da Iniciação. Lá ele é transfigurado e
encontra alguns de seus grandes Predecessores, os Poderosos de antigamente que
andaram onde ele está andando. Ele passa então para a terceira grande
Iniciação, e então a sombra de sua Paixão, que se aproxima, se abate sobre ele,
e ele intimorato dirige-se para Jerusalém - repelindo as vozes tentadoras de
seus discípulos - Jerusalém, onde o espera o batismo do Espírito Santo e do
Fogo. Após o Nascimento, o ataque de Herodes; depois do Batismo, a tentação no
deserto; depois da Transfiguração, a preparação da última etapa do Caminho da
Cruz. Assim, o triunfo é sempre seguido pelo ordálio, até que a meta seja
atingida.
A vida do amor ainda
cresce, sempre mais plena e mais perfeita, resplandecendo o Filho do Homem cada
vez mais claramente como Filho de Deus, até que se aproxima o tempo da batalha
final, e a quarta grande Iniciação o conduz em triunfo para dentro de
Jerusalém, à vista do Getsêmani e do Calvário. Agora ele é o Cristo pronto para
ser imolado, pronto para o sacrifício na cruz. Agora ele deve enfrentar a mais
dura agonia no Jardim, onde até mesmo os seus escolhidos dormem enquanto ele se
debate em sua angústia mortal, e por um momento ele ora para que a taça possa
se afastar de seus lábios; mas a vontade poderosa triunfa e ele estende sua mão
para tomar e beber, e em sua solidão chega-lhe um anjo e o conforta, como
costumam fazer os anjos quando vêem um Filho do Homem curvando debaixo do peso
da agonia. A bebida da amarga taça da traição, da deserção, da negação, o
encontra à medida que ele avança, e sozinho entre seus inimigos escarnecendo
ele se adianta para sua última e terrível provação. Abatido pela dor física,
perfurado pelos cruéis espinhos da suspeita, despojado de seus belos trajes de
pureza diante dos olhos do mundo, entregue nas mãos dos inimigos, aparentemente
abandonado por deus e pelos homens, ele suporta pacientemente tudo o que lhe
sucede, ansiando por ajuda em seu último transe. Deixado sozinho para sofrer,
crucificado, para morrer para a vida da forma, para desistir de toda a vida que
pertence ao mundo inferior, rodeado de inimigos triunfantes que lhe zombam, o
derradeiro horror da grande escuridão o envolve, e na escuridão ele enfrenta
todas as forças do mal; sua visão interna é fechada, ele sente-se sozinho,
completamente sozinho, até que o grande coração, mergulhando no desespero,
grita para o Pai que parece tê-lo abandonado, e a alma humana enfrenta, na mais
absoluta solidão, a arrasadora agonia da derrota aparente. Porém, reunindo toda
a força do “espírito invencível”, a vida inferior é entregue, sua morte é
abraçada voluntariamente, o corpo de desejos é abandonado, e o Iniciado “desce
ao Inferno”, para que nenhuma região do universo que ele deve ajudar permaneça
desconhecida por ele, para que ninguém seja considerado abjeto demais para
receber seu amor todo-abrangente. E então, emergindo das trevas, ele vê a luz
mais uma vez, sente-se de novo o Filho, inseparável do Pai que é ele próprio, e
passa para a vida que não conhece término, radiante na consciência da morte
enfrentada e vencida, forte para ajudar ao máximo cada filho do homem, capaz de
derramar sua vida em cada alma em luta. Entre seus discípulos ele permanece por
perto para ensinar, desvelando-lhes os Mistérios dos mundos espirituais,
preparando-os para trilhar a vereda que ele trilhou, até que, terminada a vida
terrena, ele ascenda ao Pai, e, na quinta grande Iniciação, se torne Mestre
triunfante, um elo entre Deus e o homem.
Esta era a história vivida
nos verdadeiros Mistérios de antigamente e de agora, e dramaticamente retratada
em símbolos nos Mistérios do plano físico, metade velados, metade descobertos.
Este é o Cristo dos Mistérios em Seu aspecto dual, Logos e homem, cósmico e
individual. Haverá qualquer surpresa que esta história, vagamente pressentida
mesmo quando desconhecida pelo místico, aninhe-se no coração e sirva como
inspiração para todo nobre viver? O Cristo do coração humano, em sua maior
parte, é Jesus, visto como o místico Cristo humano, lutando, sofrendo,
morrendo, finalmente triunfando, o Homem em quem a humanidade é vista
crucificada e ressurrecta, cuja vitória é a vitória prometida a cada um que,
como Ele, é fiel através da morte e além dela - o Cristo que jamais pode ser
esquecido enquanto nascer de novo e de novo na humanidade, enquanto o mundo
precisar de Salvadores, e os Salvadores derem a Si mesmos pelos homens.
Agora passaremos a estudar
certos aspectos da Vida Crística que aparecem entre as doutrinas do Cristianismo.
Nos ensinamentos exotéricos eles aparecem associados apenas à Pessoa do Cristo;
nos esotéricos eles são vistos como de fato pertencendo a Ele, uma vez que em
sua forma primária e em seu significado mais pleno e mais profundo, formam
parte das atividades do Logos, mas apenas secundariamente refletidos no Cristo,
e portanto em cada Alma-Cristo que trilha o caminho da Cruz. Estudados desta
forma serão vistos sendo profundamente verdadeiros, enquanto que em sua forma
exotérica eles muitas vezes confundem a inteligência e tumultuam as emoções.
Entre eles salienta-se a
doutrina da Expiação dos Pecados; não apenas ela tem sido um ponto de intenso
ataque daqueles de fora do círculo do Cristianismo, mas tem atormentado muitas
consciências sensíveis dentro daquele círculo. Alguns dos pensadores mais
profundamente Cristãos da última metade do século XIX foram torturados com
dúvidas a respeito dos ensinamentos das igrejas sobre este assunto, e tentaram
vê-lo e apresentá-lo de um modo que o suavizasse ou o explicasse diferentemente
das noções mais cruas baseadas numa leitura não inteligente de alguns poucos
textos profundamente místicos. Em parte alguma, talvez, mais do que em conexão
com estes deveria ser mantida em mente a advertência de São Pedro: “Nosso amado
irmão Paulo também, de acordo com a sabedoria que lhe foi dada, vos escreveu -
bem como em todas as suas epístolas - falando nelas sobre estas coisas, nas
quais existem algumas coisas difíceis de entender, e que são desvirtuadas por
aqueles que não têm cultura ou equilíbrio, assim como o fazem às outras
escrituras, para sua própria perdição” (II Pedro, III, 15-16). Pois os textos
que falam da identidade do Cristo com Seus irmãos homens têm sido desvirtuados
numa substituição legalizada d’Ele mesmo no lugar dos outros, e assim têm sido
usados como uma saída para se escapar dos resultados do pecado, em vez de como
uma inspiração à justiça.
O ensinamento geral na
Igreja Primitiva sobre a doutrina da Expiação foi que Cristo, como
Representante da Humanidade, enfrentou e venceu Satanás, o representante dos
Poderes Tenebrosos que têm a humanidade sob seu jugo, resgatou deles o escravo,
e o libertou. Lentamente, á medida em que os escritores Cristãos perderam
contato com as verdades espirituais, e projetaram sua própria intolerância e
acrimônia no Pai puro e amante dos ensinamentos de Cristo, eles O representaram
como estando encolerizado contra o homem, e Cristo foi feito para salvar o
homem da ira de Deus, em vez de salvá-lo da escravidão ao mal. Então se imiscuíram
expressões legalizadas, materializando ainda mais a idéia espiritual, e o
“esquema da redenção” foi delineado de modo forense. O selo foi aposto sobre o
“esquema da redenção” por Anselmo, em seu grande livro Cur Deus Homo, e a
doutrina que havia crescido lentamente na teologia da Cristandade daí por
diante passou a levar o sinete da Igreja. Tanto Católicos Romanos como
Protestantes, na época da Reforma, acreditaram no caráter vicarial e
substitutivo da expiação empreendida por Cristo. Entre eles não há querela
sobre este ponto. Prefiro deixar os vates Cristãos falar por si mesmos sobre o
caráter da expiação. “Lutero ensina que ‘Cristo, real e efetivamente, sofre por
toda a humanidade a ira de Deus, a maldição e a morte’. Flavel diz que ‘para a
ira, para a ira de um Deus infinito sem mescla, para os próprios tormentos do
inferno, Cristo foi enviado, e pela mão de seu próprio Pai’. A homilia
Anglicana prega que ‘o pecado fez Deus sair dos céus para fazer a Si mesmo
sentir os horrores e dores da morte’, e que o homem, sendo um agitador do
inferno e um sócio do demônio, ‘foi salvo pela morte de seu filho bem-amado’; a
‘fúria de sua ira’, ‘sua ira furiosa’, somente poderia ser ‘pacificada’ por
Jesus, ‘tão agradável que lhe foi o sacrifício e a oblação da morte de seu
filho’. Edwards, sendo lógico, viu que havia uma grosseira injustiça no pecado
ser punido duas vezes, e as penas do inferno, o preço do pecado, sendo
infligido duas vezes, primeiro em Jesus, o substituto da humanidade, e depois
nos perdidos, uma porção da humanidade; assim ele, em comum com a maioria dos
Calvinistas, sente-se compelido a restringir a expiação aos eleitos, e declarou
que Cristo levou os pecados, não do mundo, mas dos eleitos; ele ‘sofre não pelo
mundo, mas por aqueles que tu me deste’. Mas Edwards adere firmemente à crença
na substituição, e rejeita a expiação universal pelas mesmas razões pelas quais
‘acreditar que Cristo morreu por todos é a maneira mais segura de provar que
ele não morreu por ninguém, do modo como os Cristãos têm entendido isto’. Ele
declara que ‘Deus impôs sua cólera devida, e Cristo padeceu as dores dos
tormentos do inferno’ pelo pecado. Owens considera os sofrimentos de Cristo
como ‘uma compensação plena e valiosa, junto à justiça de Deus, por todos os
pecados’ dos eleitos, e diz que ele suportou ‘as mesmas punições que... eles
mesmos deveriam suportar’ “ (A. Besant, Essay on The Atonement).
Para mostra que estas
concepções eram ainda ensinadas autorizadamente nas igrejas, escrevi ainda:
“Stroud faz Cristo beber ‘a taça da ira de Deus’. Jenkins diz que ‘Ele sofreu
como um excluído, réprobo e esquecido de Deus’. Dwight considera que ele
suportou ‘o ódio e o desprezo’ de Deus. O Bispo Jeune nos diz que ‘depois que o
homem fez o pior, o pior ficou para que Cristo suportasse. Ele caiu nas mãos de
seu pai’. O Arcebispo Thomas prega que ‘as nuvens da ira de Deus se ajuntaram
sobre toda a raça humana: mas descarregaram-se apenas sobre Jesus’. Ele ‘se
tornou uma maldição para nós e um vaso da ira’. Liddon ecoa o mesmo sentimento:
‘Os apóstolos ensinam que a humanidade é escrava, e que Cristo na cruz está
pagando por sua salvação. Cristo crucificado é voluntariamente entregue e
amaldiçoado’; ele fala mesmo da ‘quantidade precisa de ignomínia e dor
necessária para a redenção’, e diz que a ‘divina vítima’ pagou mais do que era
absolutamente necessário’ “ (Ibid.).
Estas são as concepções
contra as quais o erudito e profundamente religioso Dr. MacLeod Campbell
escreveu seu bem conhecido livro On the Atonement, um volume contendo muitos
pensamentos verdadeiros e belos; F.D.Maurice e muitos outros homens Cristãos
também têm tentado tirar de sobre o Cristianismo o peso de uma doutrina tão
destrutiva para todas as idéias sobre as relações entre Deus e o homem.
Não obstante, quando olhamos
para trás para os efeitos produzidos por esta doutrina, vemos que a fé nela,
mesmo em sua forma legal - e para nós cruamente exotérica - está ligada a
alguns dos mais altos desenvolvimentos da conduta Cristã, e que alguns dos mais
nobres exemplos da maturidade Cristã tiraram dela sua força, sua inspiração e
seu conforto. Seria injusto não reconhecer este fato. E sempre que analisamos
um fato que nos parece espantoso e incongruente, fazemos bem em meditar sobre
este fato, e tentar entendê-lo. Pois se esta doutrina não contivesse nada além
do que é visto pelos seus oponentes dentro e fora das igrejas, se em seu
verdadeiro sentido fosse tão repelente à consciência e ao intelecto como o
imaginam muitos pensadores Cristãos, então possivelmente não teria exercido um
fascínio tão poderoso sobre as mentes e corações dos homens, nem poderia ter
sido a base de muitas auto-entregas heróicas, ou de tocantes e patéticos
exemplos de auto-sacrifício no serviço do homem. Deve haver algo mais nela do
que jaz na sua superfície, algum cerne de vida oculto que tem alimentado
aqueles que dela retiraram sua inspiração. Ao estudarmos esta doutrina como um
dos Mistérios Menores, devemos ver a vida oculta que estes nobres seres
absorveram inconscientemente, estas almas que estavam tão sintonizadas com
aquela vida que a forma sob a qual ela se velou não as repeliu.
Quando passamos a estudá-la
como um dos Mistérios Menores, devemos sentir que para seu entendimento é
necessário algum desenvolvimento espiritual, alguma abertura da visão interior.
Compreendê-la requer que seu espírito deva estar parcialmente desenvolvido na
vida, e somente aqueles que conhecem de modo prático algo do significado da
auto-entrega serão capazes de captar um lampejo do que está implicado no
ensinamento esotérico desta doutrina, como uma manifestação típica da Lei do
Sacrifício. Só podemos entendê-la aplicada ao Cristo quando a vemos como uma
manifestação especial da Lei universal, um reflexo aqui embaixo do Modelo no
alto, mostrando-nos em uma vida humana concreta o que significa sacrifício.
A Lei do Sacrifício
estrutura nosso sistema e todos os sistemas, e sobre ela são construídos todos
os universos. Ela está na raiz da evolução, e isto por si a torna inteligível.
Na doutrina da Expiação ele toma uma forma concreta em associação com homens
que atingiram certo estágio no desenvolvimento espiritual, o estágio que os
capacita perceberem sua unidade com a humanidade, e se tornar, no sentido mais
profundamente verdadeiro, Salvadores dos homens.
Todas as grandes religiões
do mundo declararam que o universo começa por um ato de sacrifício e
incorporaram a idéia do sacrifício em seus ritos mais solenes. No Hinduísmo é
dito que o alvorecer da manifestação deu-se por um sacrifício
(Brhadâaranyakopanishat, I, I, 1), a humanidade emana [da Deidade] com
sacrifício (Bhagavad-Gita, III, 10) e é a Deidade que sacrifica-Se a Si mesma
(Brhadâaranyakopanishat, I, II, 7); o objetivo do sacrifício é a manifestação;
Ele não pode tornar-Se manifesto a menos que um ato de sacrifício seja
executado, e desde que nada pode se manifestar antes que Ele se manifeste
(Mundakopanishat, II, II, 10), o ato de sacrifício é chamado de “a aurora” da
criação.
Na religião de Zoroastro
foi ensinado que na Existência ilimitável, incognoscível, inominável, o
sacrifício foi executado e apareceu assim a Deidade manifesta; Ahura-Mazda
nasceu de um ato de sacrifício (Hang, Essays on the Parsis, pp. 12-14).
Na religião Cristã a mesma
idéia é indicada na frase: “o Cordeiro morto desde a fundação do mundo” (Apocalipse,
XIII, 8), morto na origem das coisas. Estas palavras só podem se referir à
importante verdade de que não pode haver nenhuma fundação de um mundo antes que
a Deidade tenha feito um ato de sacrifício. Este ato é explicado como Ela
limitando-Se a fim de tornar-Se manifesta. “A Lei do Sacrifício poderia talvez
ser chamada com mais verdade de A Lei do Amor e da Vida, pois em todo o
universo, desde o mais alto até o mais baixo, ela é a causa da manifestação e
da vida” (W. Williamson, The Great Law, p. 406).
“Mas se estudarmos este
mundo físico, como sendo o material mais à mão, vemos que toda a vida nele,
todo o crescimento, todo o progresso, seja das unidades ou dos agregados,
depende de um contínuo sacrifício e da resistência à dor. O Mineral á sacrificado
ao vegetal, o vegetal ao animal, ambos ao homem, os homens aos homens, e todas
as formas superiores se desfazem, e reforçam novamente, com seus constituintes,
o reino mais inferior. È uma contínua seqüência de sacrifícios desde o mais
baixo até o mais alto, e o próprio sinal do progresso é o sacrifício passar de
involuntário e imposto a voluntário e auto-escolhido, e aqueles que são
reconhecidos com os maiores pelo intelecto humano e os mais amados pelo coração
humano são os sofredores supremos, aquelas almas heróicas que padeceram,
perseveraram, e morreram para que a raça pudesse aproveitar de suas penas. Se o
mundo é obra do Logos, e a lei do progresso mundial no todo e nas partes é o
sacrifício, então a Lei do Sacrifício deve apontar para algo na própria
natureza do Logos, deve ter sua raiz na própria Natureza Divina. UM pensamento
um pouco mais à frente nos mostrará que se há de existir um mundo, enfim um
universo, isto só pode acontecer porque a Existência Única condicionou-Se e
assim tornou possível a manifestação, e que o próprio Logos é o Deus
autolimitado; limitado para tornar-Se manifesto; manifesto para levar um
universo à existência; tal autolimitação e manifestação só podem ser um supremo
ato de sacrifício, a não admira que em todo o mundo isto deva mostrar sua marca
de nascença, e que a Lei do Sacrifício deva ser a lei da existência, a lei das
vidas derivadas disto.
“Além disso, já que é um
ato de sacrifício a fim de que os indivíduos possam vir à existência para
compartilhar da felicidade Divina, é verdadeiramente um ato vicarial - um ato
feito em favor de outros; daí o fato já notado de que o progresso é marcado
pelo sacrifício se tornando voluntário e auto-escolhido, e percebemos que a
humanidade atinge sua perfeição no homem que se doa pelos homens, e pelo seu
próprio sofrimento adquire algo altamente proveitoso para a raça.
“Aqui, nas mais altas
regiões, está a verdade mais recôndita do sacrifício vicarial, e por mais que
possa ser degradado e distorcido, esta verdade espiritual interna é
indestrutível, eterna, e a fonte de onde flui a energia espiritual que, de
muitas formas e maneiras, redime o mundo do mal e o torna a casa de Deus” (A.
Besant, Nineteenth Century, junho de 1895, The Atonement).
Quando o Logos sai do “seio
do Pai” naquele “Dia” em que se diz que Ele é “engendrado” (Hebreus, I, 5), a
aurora do Dia da Criação, da Manifestação, quando através d’Ele Deus “fez os
mundos” (Hebreus, I, 2), Ele por Sua própria vontade limita a Si mesmo, fazendo
como que uma esfera encapsulando a Vida Divina, surgindo como um radiante orbe
de Deidade, a Divina Substância, Espírito dentro e limitação, ou Matéria, por
fora. Este é o véu de matéria que torna possível o nascimento do Logos, Maria,
ou Mãe do Mundo, necessário para a manifestação do Eterno no tempo, para que a
Deidade possa manifestar-Se para a construção dos mundos.
Esta circunscrição, esta
autolimitação, é o ato de sacrifício, uma ação voluntária empreendida por amor,
para que outras vidas possam nascer de Si. Esta manifestação tem sido considerada
como uma morte, pois, em comparação com a vida inimaginável de Deus em Si
mesmo, tal circunscrição na matéria pode verdadeiramente ser chamada de morte.
Ela tem sido considerada, como vimos, como uma crucificação na matéria, e assim
tem sido representada, sendo a verdadeira origem do símbolo da cruz, seja em
sua forma grega, onde se representa a vivificação da matéria pelo Espírito
Santo, seja em sua forma latina, onde se representa o Homem Celeste, o Cristo
superno” (C.W.Leadbeater, The Christian Creed, pp. 54-56).
“Seguindo o simbolismo da
cruz latina, ou crucifixo, para dentro da noite dos séculos passados, os
investigadores esperavam que a figura desaparecesse, deixando apenas, supunham
eles, o emblema da cruz mais antigo. Como se comprovou, o inverso é o que foi
verificado, e eles se admiraram de descobrir que a certa altura a cruz
desapareceu, deixando apenas a figura com os braços erguidos. Já não havia
nenhum pensamento de dor ou tristeza associado a tal figura, embora ainda
falasse de sacrifício; mas antes aparecia como símbolo da mais pura alegria que
o mundo pode conceber - a alegria de dar livremente - pois ele tipifica o Homem
Divino pairando no espaço com os braços erguidos em bênção, espalhando seus
dons para toda a humanidade, derramando livremente de Si mesmo em todas as
direções, descendo para dentro daquele ‘denso mar de matéria, para ser
limitado, apertado e confinado lá, a fim de que através desta descida nós
possamos vir a ser” (C.W.Leadbeater, The Christian Creed, pp. 56-57).
Este sacrifício é perpétuo,
pois em todas as formas neste universo de infinita diversidade esta vida está
embutida, e é seu próprio coração, o “Coração do Silêncio” do ritual Egípcio, o
“Deus Oculto”. Este sacrifício é o segredo da evolução. A Vida Divina,
encasulada dentro de uma forma, sempre pressiona para fora, de modo que a forma
possa se expandir, mas pressiona gentilmente, evitando que a forma possa romper
antes que tenha alcançado seu limite máximo de expansão. Com paciência e tato e
discrição infinitos, o Ser Divino mantém a pressão constante que expande, sem
aplicar uma força que poderia destruir. Em todas as formas, no mineral, no
vegetal, no animal, no homem, esta energia expansiva do Logos age sem cessar.
Esta é a força evolucionária, a vida que se alça dentro das formas, a energia
expansiva que a ciência vislumbra mas não sabe de onde vem. O botânico fala de
uma energia dentro da planta, que a faz crescer sempre para cima; ele não sabe
como, não sabe por que, mas ele lhe dá um nome - vis a fronte - porque ele a
encontra lá, ou antes encontra os seus resultados. Do mesmo modo que na vida
vegetal, igualmente nas outras formas, fazendo-as mais e mais expressivas da
vida que está dentro delas. Quando o limite de cada forma é atingido e ela não
pode crescer mais, de modo que nada mais possa ser ganho através dela pela alma
no interior - aquele germe de Si mesmo que o Logos está cultivando - então Ele
retira Sua energia, e a forma se desintegra - o que chamamos de morte e
decomposição. Mas a alma está com Ele, e Ele modela para ela uma outra forma, e
a morte da forma é o nascimento da alma numa vida mais plena. Se olharmos com o
lho do Espírito em vez de com os olhos da carne, não deveríamos chorar sobre
uma forma, que é um cadáver devolvendo os materiais de que foi feito, mas
deveríamos nos alegrar pela vida estar passando para uma forma mais nobre, para
neste processo imutável expandir os poderes ainda latentes em si.
Através deste sacrifício
perpétuo do Logos é que toda a vida existe; é a vida pela qual o universo está
sempre em devir. Esta vida é Única, mas se encarna em miríades de formas,
sempre levando-as juntas e vencendo sua resistência. Assim há uma Unificação
[no original At-one-ment, jogo de palavras impossível de traduzir, associando
Atonement, ‘expiação ou sacrifício’, e At-one-ment, ‘tornar-um-só’ - NT], uma
força unificante, pela qual as vidas separadas gradualmente se tornam
conscientes de sua unidade, trabalhando para desenvolver em cada uma a
autoconsciência, que finalmente deverá conhecer a si mesma una com todas as
outras, e, em sua raiz, Uma só e divina.
Este é o sacrifício
primário e perene, e será visto que constitui um derramamento de Vida dirigido
pelo Amor, um derramamento voluntário e jucundo do Eu para a criação de outros
Eus. Esta é “a alegria de meu Senhor” (Mateus, XXV, 21, 23, 31-45) no qual
entra o servo fiel, seguido de modo significativo pela declaração de que Ele
estava faminto, sedento, nu, doente, um estrangeiro numa prisão, tanto nos
filhos dos homens auxiliados como nos desamparados. Para o Espírito livre,
dar-Se é uma alegria, e Ele sente Sua vida de modo mais penetrante na medida em
que mais Se doa. E quando mais dá, mais cresce, pois a lei do crescimento é que
ele aumente quando se expande, e não quando se retira - cresce no dar, e não no
tirar. O sacrifício, então, é motivo de alegria o Logos doar-Se para criar um
mundo, e, vendo o trabalho de Sua alma, fica satisfeito. (Isaías, LIII, 11).
Mas a palavra sacrifício
passou a ser associada com sofrimento, e em todos os ritos religiosos de
sacrifício existe algum sofrimento, mesmo que seja apenas um perda trivial para
aquele que sacrifica. É conveniente entendermos como ocorreu esta mudança, de
modo que quando a palavra “sacrifício” é usada, a conotação instintiva á de dor.
A explicação é encontrada
quando deixamos a Vida manifesta e observamos as formas em que ela está
corporificada, e consideramos o sacrifício do ponto de vista das formas.
Enquanto que a vida da Vida é dar, a vida ou persistência da forma é tomar,
pois a forma se desagasta à medida em que é usada, diminui à medida em que
persiste. Se a forma deve continuar, ela deve retirar material novo de fora de
si mesma a fim de reparar suas perdas, senão se gasta e se desfaz. A forma deve
coletar, manter, construir em si mesma o que recolheu, doutro modo não pode
persistir; e a lei do crescimento da forma é tomar e assimilar daquilo que o
universo maior oferece. Quando a consciência se identifica com a forma,
considerando a forma como seu eu, o sacrifício assume um aspecto doloroso; dar,
entregar, perder o que foi adquirido, é sentido como minar a persistência da
forma, e assim a Lei do Sacrifício se torna uma lei de dor em vez de uma lei de
júbilo.
O homem tem de aprender
pela constante dissolução das formas, e a dor envolvida no descarte serve para
que ele não se identifique com as formas efêmeras e mutáveis, mas sim com a
vida em crescimento perene, e esta lição lhe é ensinada não apenas pela
natureza externa, mas pelas lições deliberadas dos Instrutores que lhe deram as
religiões.
Podemos detectar nas
religiões do mundo quatro estágios de instrução na Lei do Sacrifício. Primeiro,
o homem é ensinado a sacrificar parte de suas posses materiais a fim de
conseguir prosperidade material, e são feitos sacrifícios em caridade para com
os homens e em oferendas a Deidades, como podemos ler nas escrituras dos
Hindus, dos Zoroastrianos, dos Hebreus, e de fato no mundo todo. O homem abria
mão de algo valorizado a fim de assegurar a prosperidade futura para si mesmo,
sua família, sua comunidade, sua nação. Ele sacrificava no presente para ganhar
no futuro. Em segundo lugar, veio uma lição um pouco mais difícil de aprender;
em vez de prosperidade física e bens materiais, o fruto a ser ganho pelo
sacrifício seria a felicidade celeste. O Céu deveria ser ganho, a felicidade
deveria ser desfrutada no outro lado da morte - esta era a recompensa pelos
sacrifícios feitos durante a vida vivida na Terra.
Era dado um considerável
passo adiante quando um homem aprendia a desistir das coisas pelas quais seu
corpo ansiava em prol de um bem distante que ele não podia ver nem demonstrar.
Ele aprendia a entregar o visível em troca do invisível, e ao fazer isto subia
na escala do ser, pois tão grande é o fascínio do visível e do tangível que um
homem ser capaz de desistir disto por amor a um mundo invisível no qual
acredita significa ele ter adquirido muita força e que deu um grande passo em
direção à percepção daquele mundo invisível. Repetidamente suportou-se o
martírio, enfrentou-se o vilipêndio, o homem aprendeu a permanecer só,
suportando tudo o que sua raça pudesse despejar-lhe em cima em termos de
sofrimento, miséria e vergonha, olhando o que está além da tumba. Na verdade,
ainda existe um desejo de glória celeste, mas não é coisa pouca ser capaz de
ficar sozinho sobre a Terra fiando-se só na companhia espiritual, firmando-se
na vida interior enquanto tudo na exterior é tortura.
A terceira lição vem quando
um homem, vendo-se parte de uma vida maior, deseja sacrificar-se pelo bem do
todo, e assim se torna forte o bastante para reconhecer que o sacrifício é
correto, que uma parte, um fragmento, uma unidade no total da vida, deve se
subordinar ao todo, subordinar o fragmento à totalidade. Então ele aprendeu a
fazer o bem, sem ser afetado pelos resultados disto em sua própria pessoa,
aprendeu a cumprir o dever, sem desejar o resultado para si, aprendeu a
perseverar porque a perseverança estava correta não porque seria coroada,
aprendeu a dar porque os dons eram devidos à humanidade e não porque seriam compensados
pelo Senhor. A alma heróica assim treinada estava pronta então para a quarta
lição: a de que o sacrifício de tudo o que constitui o fragmento separado deve
ser oferecido porque o Espírito não está na verdade separado, mas é parte da
Vida divina, e não conhece diferença, não sente separação, o homem se doa como
parte da Vida Universal, e na expressão desta Vida ele compartilha da alegria
de seu Senhor.
É nos três primeiros
estágios que encontramos o aspecto sofrido do sacrifício. O primeiro importa
apenas pequenos sofrimentos; no segundo a vida física e tudo o que a Terra tem
a oferecer deve ser sacrificado; o terceiro é o grande período de teste, de
provação, de crescimento e evolução da alma humana. Pois neste estágio o dever
pode exigir tudo aquilo em que a vida parece consistir, e o homem, ainda
identificado em sentimento com a forma, embora se conheça teoricamente
transcendente, descobre que é exigido dele tudo o que ele sente ser vida, e
pergunta: “Se eu entregar tudo, o que restará?” Parece que a própria
consciência haveria de cessar com esta entrega, pois deve abrir mão de tudo o
que percebe, e não vê nada para agarrar-se no outro lado. Uma convicção
sobrepujante, uma voz imperiosa, insta-o para que entregue sua própria vida. Se
ele recua, deve continuar na vida de sensação, na vida de intelecto, na vida do
mundo, mas á medida que desfruta das alegrias a que não ousou renunciar,
encontra uma constante insatisfação, uma fome constante, uma constante mágoa e
falta de prazer no mundo, e ele percebe a verdade do ditado de Cristo, de que
“aquele que deseja manter sua vida, a perderá” (Mateus, XVI, 25), e que a vida
que ele amava e queria preservar, enfim, está perdida. Mas se ele arrisca tudo
obedecendo a voz que lhe fala, se ele desiste de sua vida, ao perdê-la,
encontra-se na vida eterna (João, XII, 25), e descobre que a vida que ele
entregou só era uma morte em vida, que tudo o que ele entregou foi só a ilusão,
e que ele encontrou agora a realidade. Nesta escolha o metal de que é feita a
alma é testado, e somente o ouro puro sai da fornalha ardente, ali onde a vida
foi entregue, mas onde a vida foi ganha. E então se segue a feliz descoberta de
que a vida que foi ganha assim foi ganha para todos, não para o eu separado,
descobre que o abandono do eu separado significou a realização do Eu no homem,
e a renúncia ao limite que só ele parecia tornar a vida possível significou
derramar-se em miríades de formas, numa vividez e plenitude sequer sonhada, “o
poder de uma vida infinita” (Hebreus, VII, 16).
Este é um esboço da Lei do
Sacrifício, baseado no sacrifício primordial do Logos, o Sacrifício de que
todos os outros sacrifícios são reflexos.
Vimos como o homem Jesus, o
discípulo Hebreu, abandonou Seu corpo em alegre entrega para que uma Vida
superior pudesse descer e se encarnar no forma que Ele sacrificou
voluntariamente, e como por este ato de sacrifício Ele se tornou um Cristo de
plena estatura, para ser o Guardião do Cristianismo, e derramar Sua vida na
grande religião fundada pelo poderoso Ser com quem o sacrifício o identificou.
Vimos a Alma-Crística passando através das grandes iniciações - nascida como
uma criancinha, descendo ao rio das tristezas do mundo, com as águas com as
quais ele deve ser batizado para seu ministério ativo, transfigurado no Monte,
conduzido à cena de seu último combate, e triunfando sobre a morte. Agora temos
que ver em que sentido ele é um expiador, como na vida-Crística a Lei do
Sacrifício encontra uma expressão perfeita.
O início do que pode ser chamado
o ministério do Cristo que chegou à maturidade está naquela intensa e
permanente simpatia com as tristezas do mundo, o que é tipificado pela descida
ao rio. Deste tempo em diante a vida pode ser resumida na frase “Ele foi
fazendo o bem”, pois aqueles que sacrificam sua vida separada para serem canais
da Vida divina não podem ter interesse neste mundo exceto o de ajudar os
outros. Ele aprende a se identificar com a consciência de todos em seu redor,
aprende a sentir como eles sentem, a pensar como eles pensam, apreciar o que
eles apreciam, a sofrer como eles sofrem, e assim ele leva para sua vida
desperta diária aquele mesmo senso de unidade com os outros que ele experimenta
nos domínios superiores do ser. Ele deve desenvolver uma simpatia que vibre em
perfeita harmonia com o múltiple acorde da vida humana, para que possa ligar em
si as vidas humanas e divinas, e se tornar um mediador entre o Céu e a Terra.
Agora o poder está
manifesto nele, pois o Espírito descansa sobre ele, e ele começa a se evidenciar
aos olhos dos homens como um dos que são capazes de ajudar seus irmãos mais
jovens a trilharem o caminho da vida. À medida em que se juntam ao seu redor,
eles sentem o poder que emana dele, a Vida divina no legítimo Filho do
Altíssimo. As almas que estão famintas lhe acorrem e ele as alimenta com o pão
da vida; os doentes pelo pecado se aproximam, e ele os cura com a palavra viva
que sana a doença e restabelece a inteireza da alma; os cegos pela ignorância
se ajuntam perto dele, e ele abre seus olhos com a luz da sabedoria. È a marca
mais característica em seu ministério que os mais inferiores e os mais pobres,
os mais desesperados e os mais degradados, não sintam nenhuma barreira de
separação quando se aproximam dele, sintam, à medida em que se aglomeram à sua
volta, as suas boas-vindas, e não sua repulsa, pois ele irradia um amor que
entende e que por isso jamais deseja repelir. Por mais baixo que a alma possa
estar, nunca sente a Alma-Crística como estando acima de si, mas antes como
estando ao seu lado, caminhando com pés humanos no chão que elas mesmas estão
caminhando; porém, como cheio de um estranho poder soerguidor que as pões de pé
novamente e as enche também de um novo impulso e fresca inspiração.
Assim ele vive e trabalha,
um verdadeiro Salvador dos homens, até que chegue o tempo em que ele deve
aprender um outra lição, perdendo por um período aquela consciência daquela
Vida divina da qual a sua se tornou cada vez mais a expressão. E esta lição é
que o verdadeiro centro da Vida divina reside no interior e não no exterior. O
Eu tem seu centro dentro de cada alma humana - verdadeiramente Ele é “o centro
em toda a parte”, pois Cristo está dentro de tudo, e Deus está em Cristo - e
nenhuma vida corporificada, nada “fora do Eterno” (Light in the Path, § 8)
“pode ajudá-lo em sua mais extrema necessidade. Ele tem de aprender que a
verdadeira unidade do Pai e do Filho deve ser encontrada dentro e não fora, e
esta lição só pode ser aprendida no mais extremo isolamento, quando ele se
sente esquecido pelo Deus fora de si mesmo. À medida que esta prova se
aproxima, ele clama pelos que lhe estão mais perto para que vigiem com ele
nesta hora de escuridão; e então, pela ruptura de todas as simpatias humana,
pelo fraquejar de todos os amores humanos, ele se encontra arremessado de volta
à vida do Espírito divino, e pede a seu Pai, sentindo-se em união consciente
com Ele, que faça a taça passar. Tendo ficado totalmente só, exceto por aquele
Auxiliador divino, ele é digno de enfrentar o seu último ordálio, onde o Deus
externo a si se desvanece, e só resta o Deus interior. “Meu Deus, meu Deus, por
que me abandonaste?”, ecoa o amargo apelo do amor desorientado e do temor. A
última solidão se abate sobre ele, e ele se sente esquecido e solitário. Porém
jamais o Pai esteve mais perto do Filho do que no momento em que a
Alma-Crística se sente abandonado, pois quando ele toca a maior profundeza da
aflição a hora do seu triunfo começa a despontar. Pois agora ele aprende que
ele mesmo deve se tornar o Deus a quem ele chama, e ao sentir a última dor da
separação ele finalmente encontra a unidade eterna, ele sente que a fonte da
vida está dentro de si mesmo, e se torna eterno.
Ninguém pode se tornar um
Salvador pleno dos homens nem simpatizar perfeitamente com todos os sofrimentos
humanos a menos que tenha enfrentado e vencido a dor e o medo e a morte
sozinho, salvo pela ajuda que tem do Deus interior. É fácil sofrer quando
existe uma consciência ininterrupta entre o mais elevado e mais baixo; antes,
não há sofrimento enquanto esta consciência permanece intacta, pois a luz do
superior torna impossível a treva inferior, e a dor não é dor quando suportada
diante do sorriso de Deus. Existe um sofrimento que os homens têm de enfrentar,
quando a treva está na consciência humana e nem um brilho de luz a atravessa;
ele deve conhecer a dor do desespero sentido pela alma humana quando há apenas
sombras de todos os lados, quando a consciência vacilante não consegue
encontrar uma só mão para apertar. Todo Filho do Homem desce a esta escuridão, antes
que se erga triunfante; esta é a mais amarga experiência pela qual todo Cristo
passa, antes que seja “capaz de levar a salvação a termo para todos eles”
(Hebreus, VII, 25) que procuram o Divino através dele.
Um tal ser se tornou
verdadeiramente divino, um Salvador de homens, e ele assume o trabalho do mundo
para o qual tudo aquilo foi uma preparação. Nele devem penetrar todas as forças
que trabalham contra o homem, a fim de que elas possam ser transformadas em
forças que ajudam. Assim ele se torna um dos centros da Paz do mundo, que
transmutam as forças de combate que de outra forma poderiam aniquilar o homem.
Pois os Cristos do mundo são estes centros de Paz para onde afluem todas as
forças conflitantes, para serem transformadas lá dentro e então derramadas de
volta como forças que trabalham para a harmonia. Parte dos sofrimentos do
Cristo que ainda não está perfeito reside nesta harmonização das forças
discordes do mundo. Embora um Filho, ele ainda aprende pelo sofrimento e assim
é “tornado perfeito” (Hebreus, V, 8-9).
A humanidade estaria ainda mais cheia de combates e tomada de conflitos
não fosse pelos Cristos-discípulos vivendo em seu meio, e harmonizando muitas
das forças conflitantes em paz.
Quando se diz que o Cristo
sofre “pelos homens”, que Sua força substitui sua fraqueza, Sua pureza
substitui seus pecados, Sua sabedoria substitui sua ignorância, se diz uma
verdade, pois o Cristo se torna uno com os homens para que eles compartilhem
com Ele, e Ele com eles. Não há nenhuma substituição deles por Ele, mas o que
acontece é Ele levar as suas vidas para a Sua, e derramar a Sua vida na deles.
Pois, tendo se alçado até os planos da unidade, Ele é capaz de compartilhar
tudo o que adquiriu, de dar tudo o que ganhou. Ficando acima do plano de
separatividade e olhando para baixo, para as almas ainda imersas na
separatividade. Ele pode alcançar a todas, embora elas não possam alcançar umas
às outras. A água pode correr de cima para muitas pipas, estando elas abertas
para o reservatório enquanto permanecem fechadas umas para as outras, e assim
Ele pode enviar Sua vida para cada alma. Só é preciso uma condição para que um
Cristo possa compartilhar Sua força com um irmão mais jovem: que na vida
individual a consciência humana se abra para o divino, se mostre receptiva para
com a vida ofertada, e tome o dom livremente derramado. Pois Deus é tão
reverente para com aquele Espírito que é Ele mesmo no homem que Ele não
derramará um fluxo de força e vida a menos que aquela alma o deseje receber.
Deve haver a abertura embaixo, assim como um eflúvio de cima, a receptividade
da natureza inferior, assim como a prontidão do superior para dar. Este é o elo
entre Cristo e o homem, isto é o que as igrejas chamam de o “derramamento da
graça divina”, isto é o que se quer dizer com a “fé” necessária para tornar a
graça eficaz. Como Giordano Bruno uma vez colocou - a alma humana tem janelas,
e pode deixar estas janelas fechadas. O sol lá fora está brilhando, a luz é
imutável; deixe as janelas serem abertas e a luz do sol há de entrar. A luz de
Deus está batendo nas janelas de cada alma humana, e quando as janelas são
descerradas, a alma se torna iluminada. Não há mudança em Deus, mas há uma
mudança no homem, e a vontade humana não pode ser forçada, senão a Vida divina
nele teria sua devida evolução bloqueada.
Assim, em cada Cristo que
surge a humanidade é elevada a um passo mais alto, e por Sua sabedoria a
ignorância do mundo é diminuída. Cada homem se torna menos fraco por causa da
Sua força, que se derrama sobre a humanidade e penetra na alma individual.
Desta doutrina, vista estreitamente, e assim mal interpretada, nasceu a idéia
da Expiação vicária como uma transação legal entre Deus e o homem, na qual
Jesus assumiu o lugar do pecador. Não foi entendido que Aquele que atingira tal
altitude se tornara verdadeiramente uno com todos os Seus irmãos; a identidade
de natureza foi mal tomada como uma substituição pessoal, e assim a verdade
espiritual foi perdida na rudimentaridade de uma troca judicial.
“Então ele passa a conhecer
o seu lugar no mundo, a sua função na natureza - e ser um Salvador e fazer
expiação pelos pecados do povo. Ele está no Coração mais interno do mundo, no
Santo dos Santos, como Sumo Sacerdote da Humanidade. Ele é uno com todos os
seus irmãos, não através de uma substituição vicária, mas através da unidade de
uma vida comum. Alguém é pecador? Ele é pecador nele, para que sua pureza possa
purgá-lo. Há alguém triste? Nele ele é o homem das tristezas; todo coração
partido parte o seu, em cada coração lancinado o seu também é lancinado. Alguém
rejubila? Nele ele também rejubila. Alguém deseja? Nele ele sente a carência,
para que possa saciá-la com sua total satisfação. Ele tem tudo, e porque é
dele, é de todos. Ele é perfeito, então todos são perfeitos com ele. Ele é forte;
quem então pode ser fraco, já que ele está em todos? Ele subiu até seu alto
lugar para que pudesse dar a todos abaixo de si, e ele vive a fim de que todos
possam partilhar de sua vida. Ele ergue todo o mundo consigo quando se ergue, o
caminho fica mais fácil para todos os homens porque ele o trilhou.
“Todo filho do homem pode
se tornar um Filho de Deus assim, um Salvador do mundo. Em cada Filho destes
“Deus está manifesto na carne” (I Timóteo, III, 16), a expiação que auxilia
toda a humanidade, o poder vivo que renova todas as coisas. Só uma coisa é
necessária para trazer este poder à atividade em qualquer alma individual: a
alma deve abrir a porta e deixá-Lo entrar. Mesmo Ele, em tudo presente, não
pode forçar Seu caminho contra a vontade de Seu irmão, a vontade humana deverá
poder manter-se tanto contra Deus como contra o homem, e pela lei da evolução
ela deve associar-se voluntariamente com a ação divina, e não ser quebrada numa
submissão compulsória. Que a vontade abra a porta e a vida inundará a alma.
Enquanto a porta estiver fechada a vida só gentilmente emitirá através dela sua
indescritível fragrância, para que a doçura de tal fragrância possa conquistar,
pois a barreira não pode ser vencida pela força.
“Isto é, em parte, ser um
Cristo; mas como a pena mortal poderá espelhar o imortal, ou as palavras
mortais falar do que está além do poder de dizer? A língua não pode falar, a
mente não iluminada não pode entender aquele mistério do Filho que se tornou
uno com o Pai, carregando em Seu seio os filhos dos homens” (Annie Besant,
Theosophical Review, dezembro de 1898, pp. 344-346).
Aqueles que vão se preparar
para se elevar a uma tal vida no futuro devem começar mesmo já a trilhar na
vida inferior a senda da Sombra da Cruz. Nem deveriam duvidar de seu poder de
subir, pois duvidar disto seria duvidar do Deus em seu interior. “Tende fé em
vós mesmos”, é uma das lições que vem da visão superior do homem, pois aquela
fé é na realidade fé no Deus interior. Existe um modo pelo qual a sombra da
vida Crística possa recair sobre a vida comum dos homens, e é fazendo todo ato
como sacrifício, não pelo que irá resultar para o que o executa, mas pelo que
trará para os outros, e, na vida diária comum de pequenos deveres, ações
pequenas, interesses estreitos, através da mudança dos motivos, e assim mudando
tudo. Nada na vida externa precisa necessariamente ser alterado, em qualquer
vida pode ser ofertado um sacrifício, Deus pode ser servido em qualquer
ambiente. Desenvolver a espiritualidade é assinalado não pelo que o homem faz,
mas pelo modo que o faz; a oportunidade de crescimento reside não nas
circunstâncias, mas na atitude do homem para com elas. “E em verdade este
símbolo da cruz pode ser para nós uma pedra de toque para distinguir o bem do
mal em muitas das dificuldades da vida. ‘Só aquelas ações através das quais
brilhe a luz da cruz são dignas da vida do discípulo’, diz um verso em um livro
de preceitos ocultos, e isto é interpretado como que tudo o que o aspirante faz
deveria ser dinamizado pelo fervor do amor auto-sacrificante. O mesmo
pensamento aparece em um verso mais adiante: ‘Quando alguém entra na senda,
coloca seu coração sobre a cruz; quando a cruz e o coração se tornarem um só,
então ele atingiu a meta’. Assim, talvez, possamos medir nosso progresso observando
se o que domina em nossas vidas é o egoísmo ou o auto-sacrifício”
(C.W.Leadbeater, The Christian Creed, pp. 61-62).
Toda vida que começa a se
modelar deste modo está preparando a gruta onde o Cristo Infante deverá nascer,
e a vida se tornará uma constante unificação [at-one-ment, no original;
novamente se reproduz o jogo de palavras citado antes entre atonement e
at-one-ment - NT], trazendo o divino mais e mais para dentro do humano. Toda
vida semelhante de desenvolverá na vida de um “Filho bem-amado” e terá em si a
glória do Cristo. Todos os homens podem trabalhar nesta direção fazendo de cada
ato e de cada poder um sacrifício, até que o ouro seja separado da escória, e
só reste o minério puro.
As doutrinas da Ressurreição
e da Ascensão de Cristo também formam parte dos Mistérios Menores, sendo partes
integrais do “Mito Solar” e da história de vida do Cristo no homem.
A respeito do próprio
Cristo elas têm sua base histórica nos fatos de Ele ter continuado a ensinar
Seus apóstolos depois de Sua morte física, em Suas aparições nos Grandes
Mistérios como Hierofante depois que Sua instrução direta cessou, até que Jesus
assumiu Seu lugar. Nas lendas míticas a ressurreição do herói e sua
glorificação invariavelmente formam a conclusão de suas história de morte, e
nos Mistérios, o corpo do candidato sempre era lançado em um transe semelhante
à morte, durante o qual ele, como uma alma liberta, viajava pelo mundo
invisível, retornando e revivendo o corpo depois de três dias. E na história de
vida de um indivíduo que está se tornando um Cristo, veremos, à medida que
estudarmos, que os dramas da Ressurreição e da Ascensão se repetem.
Mas antes que possamos
seguir esta história inteligentemente, devemos dominar o básico a respeito da
constituição humana, e entender os corpos natural e espiritual do homem.
“Existe um corpo natural, e existe um corpo espiritual” (I Coríntios, XV, 44).
Ainda existem pessoas
incultas que consideram o homem como uma mera dualidade, feito de “alma” e “corpo”.
Estas pessoas usam as palavras “alma” e “espírito” como sinônimos, e falam
indiferentemente “alma e corpo” ou “espírito e corpo”, querendo dizer que o
homem é composto de dois constituintes, um dos quais perece na morte, enquanto
que o outro sobrevive. Para os simples e ignorantes esta divisão tosca é
suficiente, mas ela não vai nos capacitar a entender os mistérios da
Ressurreição e da Ascensão.
Todo Cristão que fez mesmo
um estudo superficial da constituição humana reconhece nela três constituintes
- Espírito, Alma e Corpo. Esta divisão é boa, embora necessite de subdivisões
adicionais para o estudo mais aprofundado, e foi usada por São Paulo em sua
oração para que “vossos espíritos e almas e corpos sejam preservados
irreprováveis” (I Tessalonicenses, V, 23). Esta divisão tríplice é aceita na
Teologia Cristã.
O Espírito é na realidade
uma Trindade, o reflexo e imagem da Trindade Suprema, e isto estudaremos no
capítulo seguinte, “A Trindade”. O homem real, o imortal, é o Espírito, a
Trindade no homem. Ela é vida e consciência, e a ela pertence o corpo
espiritual, cada aspecto da Trindade tendo seu próprio Corpo. A Alma é dual, e
compreende a mente e a natureza emocional, com seus invólucros apropriados. E o
corpo é o instrumento material do espírito e da Alma. De um ponto de vista
Cristão sobre o homem ele seria um ser dodécuplo, com seis modificações
perfazendo o homem espiritual, e seis outras o homem natural; de acordo com
outro ponto de vista, ele seria divisível em quatorze partes, sete modificações
da consciência e sete tipos de forma correspondentes. Esta concepção é
praticamente idêntica àquela estudada nos Mistérios, e usualmente é chamada de
sétupla, porque existem realmente sete divisões, cada uma sendo dupla, com um
aspecto vida e um aspecto forma.
Estas divisões e
subdivisões deixam o de mente simples um pouco confusos e perplexos, e é por
isso que Orígenes e Clemente, como vimos antes, enfatizaram tanto a necessidade
de inteligência de parte de todos os que quisessem se tornar Gnósticos. Enfim,
aqueles que as considerarem problemáticas podem deixá-las de lado, sem tirá-las
dos estudantes dedicados, que as consideram não só iluminadoras, mas
absolutamente necessárias para qualquer entendimento dos Mistérios da Vida e do
Homem.
A palavra Corpo significa
um veículo de consciência, ou um instrumento de consciência, aquilo onde a
consciência é levada como num carro, ou aquilo que a consciência usa para
entrar em contato com o mundo externo, como um mecânico usa uma ferramenta. Ou,
podemos compará-lo a um vaso onde está contida a consciência, assim como uma
jarra contém líquido. Ele é uma forma usada por uma vida, e não sabemos nada da
consciência salvo quando ligada a estas formas. A forma pode ser de materiais
mais refinados ou sutis, pode ser tão diáfana que só nos damos conta da vida em
seu interior; mas a forma ainda está lá, e é composta de Matéria. Pode ser tão
densa que oculta a vida interna, e só ficamos conscientes da forma; ainda assim
a vida está lá, e é composta do oposto da Matéria - o Espírito. O estudante
deve estudar e repassar este fato fundamental - a dualidade de toda existência
manifesta, a inseparável coexistência de Espírito e Matéria tanto em um grão de
pó como no Logos, o Deus manifesto. A idéia deve se tornar parte dele, doutra
forma ele deve abandonar os estudos dos Mistérios Menores. O Cristo, como Deus
e Homem, só demonstra em escala cósmica o mesmo fato dual que é repetido em
toda parte na natureza. Tudo no universo é formado em cima desta dualidade
original.
O homem tem um “corpo
natural”, e ele é constituído de quatro porções diferentes e separadas, e é
sujeito à morte. Duas delas são compostas de matéria física, e jamais se
separam completamente entre si até a morte, embora uma separação parcial possa
ser causada pela anestesia ou por doença. Estas duas devem ser classificadas
juntas como sendo o Corpo Físico. Neste o homem desempenha suas atividades
conscientes enquanto está acordado; falando tecnicamente, ele é o veículo da
consciência no mundo físico.
A terceira porção é o seu
Corpo de Desejos, chamado assim porque a natureza sentimental e passional do
homem encontra nele seu veículo especial. Durante o sono o homem deixa o corpo
físico, e desenvolve suas atividades conscientes neste outro, que atua no mundo
invisível mais próximo da nossa Terra visível. Ele é portanto seu veículo de
consciência no mais baixo dos mundos suprafísicos, que também é o primeiro
mundo para o qual o homem passa ao morrer.
A quarta porção é o Corpo
Mental, assim chamado porque a natureza intelectual do homem, até onde lida com
o concreto, atua nele. Ele é o veículo da consciência no segundo dos mundos
suprafísicos, que também é o segundo, ou mundo celeste inferior, ao qual o
homem passa depois da morte, quando liberto do mundo mencionado no parágrafo
anterior.
Esta quatro porções de sua
forma, constituídas do corpo físico dual, do corpo de desejos e do corpo
mental, formam o corpo natural de que fala São Paulo.
Esta análise científica
caiu fora do ensino Cristão usual, o qual é vago e confuso neste ponto. Não que
as igrejas jamais o tenham possuído; ao contrário, este conhecimento da
constituição do homem formava parte dos ensinamentos dos Mistérios Menores; a
divisão simples em Espírito, Alma e Corpo era exotérica, a primeira e mais
rudimentar divisão dada como fundamento. A subdivisão a respeito do “Corpo” era
feita no curso da instrução posterior, como preliminar ao treinamento pelo qual
o Instrutor habilitava o discípulo a separar um veículo de outro, e usar cada
um como veículo de consciência em seu domínio apropriado.
Esta concepção deveria ser
bem compreendida. Se um homem deseja viajar na Terra sólida, ele usa como seu
veículo um carro ou trem. Se ele quer viajar sobre os líquidos mares, toma um
navio. Se quer viajar no ar, ele muda seu veículo e usa um avião. Ele é o mesmo
homem em todas as ocasiões, mas está usando três veículos diferentes, de acordo
com o tipo de matéria em que deseje viajar. A analogia é primária e inadequada,
mas não é enganosa. Quando um homem está ocupado no mundo físico, seu veículo é
o corpo físico, e sua consciência atua em e através deste corpo. Quando ele
passa para o mundo além do físico, durante o sono ou na morte, seu veículo é o
corpo de desejos, e ele deve aprender a usá-lo conscientemente, assim como ele
usa o físico conscientemente. Ele já o usa inconscientemente todos os dias de
sua vida quando está sentindo e desejando, assim como em cada noite de sua
vida. Quando ele vai para o mundo celeste depois da morte, seu veículo é o
corpo mental, e este ele também está usando diariamente quando pensa, e não
haveria nenhum pensamento no cérebro se eles não existissem no corpo mental.
O homem tem além disso um
“corpo espiritual”. Este é feito de três porções separáveis, cada uma
pertencendo a, e separado de, cada uma das três Pessoas na Trindade do espírito
humano. São Paulo fala de ter sido “levado até o terceiro céu”, e de lá ter
ouvido “palavras impronunciáveis que não é lícito a um homem pronunciar” (II
Coríntios, XII, 2-4). Estas diferentes regiões dos mundos invisíveis supernos
são conhecidas pelos Iniciados, e eles sabem muito bem que aqueles que passam
além do primeiro céu precisam do corpo verdadeiramente espiritual como veículo,
e que de acordo com o seu desenvolvimento poderão entrar em um céu ou noutro.
A mais baixa destas três
divisões é usualmente chamada de Corpo Causal, por uma razão de que só será
totalmente assimilada por aqueles que estudaram o ensinamento sobre a
Reencarnação - ensinada na Igreja Primitiva - e por aqueles que entenderem que
a evolução humana precisa de muitas vidas sucessivas sobre a Terra, antes que a
alma germinal do selvagem se torne a alma aperfeiçoada do Cristo, e então, se
torne “perfeito como seu Pai no céu é perfeito” (Mateus, V, 48). É um corpo que
perdura de vida para vida, e no qual está armazenada toda a memória do passado.
Dele procedem as causas que constróem os corpos inferiores. Ele é o receptáculo
da experiência humana, a casa do tesouro na qual é guardado tudo o que reunimos
em nossas vidas, é a séde da Consciência, o possuidor da Vontade.
A segunda das três divisões
do corpo espiritual é mencionada por São Paulo nas significativas palavras:
“Temos uma morada feita por Deus, uma casa que não foi feita pelas mãos,
eterna, nos céus” (II Coríntios, V, 1). Este é o Corpo de Bem-aventurança, o
corpo glorificado do Cristo, o “Corpo da Ressurreição”. Não é um corpo “feito
pelas mãos”, mas é obra da consciência nos veículos inferiores; não é formado
pela experiência, nem construído por materiais reunidos pelo homem em sua longa
peregrinação. É um corpo que pertence à vida Crística, a vida da Iniciação, ao
desabrochar divino no homem; é construído por Deus, pela atividade do Espírito,
e cresce durante todo o ciclo de vida ou vidas do Iniciado, atingindo sua
perfeição só na “Ressurreição”.
A terceira divisão do corpo
espiritual é a fina película de matéria sutil que distingue o Espírito
individual como um Ser, embora permita a interpenetração de todos por todos, e
seja assim a expressão da unidade fundamental. No dia em que o próprio Filho
for “sujeito Àquele que sujeitou todas as coisas, para que Deus possa ser tudo
em todos” (I Coríntios, XV, 28), este corpo será transcendido, mas para nós ele
permanece como a mais alta divisão do corpo espiritual, no qual ascendemos até
o Pai, e nos unificamos a Ele.
O Cristianismo sempre
reconheceu a existência de três mundos, pelos quais passa o homem: primeiro, o
mundo físico; segundo, um estado indeterminado ao qual passa por ocasião da
morte; terceiro, o mundo celeste. Todos os Cristãos educados acreditam nestes
três mundos; só o inculto imagina que um homem passe de seu leito de morte
diretamente para o estado final de beatitude. Mas existe algumas diferenças de
opinião a respeito da natureza do mundo intermediário. Os Católicos Romanos o chamam
de Purgatório, e crêem que toda alma passe a ele, exceto a do Santo, o homem
que atingiu a perfeição, ou a do homem que morra em “pecado mortal”. A grande
massa da humanidade passa para uma região purificadora, onde o homem permanece
por um período variável de acordo com os pecados que cometeu, só saindo dele
para o mundo celeste quando se tornou puro. As várias comunidades que são
chamadas de Protestantes variam em seus ensinamentos a respeito de detalhes, e
principalmente repudiam a idéia de purificação post-mortem, mas em linhas
gerais eles concordam que haja um estado intermédio, algumas vezes chamado de
“Paraíso”, ou de “período de espera”. O mundo celeste é quase universalmente
considerado, no Cristianismo, um estado final, sem alguma idéia muito definida
ou genérica sobre sua natureza, ou sobre a condição progressiva ou estacionária
daqueles que o alcançam. No Cristianismo primitivo este céu era considerado,
como o é realmente, uma etapa no progresso da alma, sendo ensinadas muito
geralmente a preexistência da alma e a reencarnação. O resultado era
(considerar-se) que o estado celeste fosse uma condição temporária, embora
geralmente muito prolongada, durando “uma era” - como falado no grego do Novo
Testamento, terminando a era com a volta do homem para o próximo estágio de sua
vida e progresso contínuos - e não durando “eternamente”, como se fala na má
tradução da versão inglesa autorizada [e mesmo das portuguesas - NT] (esta má
tradução foi algo natural, uma vez que foi realizada no século XVII, e toda
idéia da preexistência da alma e de sua evolução há muito tempo havia
desaparecido da Cristandade, exceto nos ensinamentos de poucas seitas
consideradas como heréticas e perseguidas pela Igreja Católica Romana).
A fim de completar o esboço
necessário para a compreensão da Ressurreição e da Ascensão, devemos agora
averiguar como estes vários corpos se desenvolvem na evolução superior.
O corpo físico está em um
estado de constante fluxo, suas partículas infinitesimais estão sendo
continuamente renovadas, de modo que ele está sempre em construção; e como ele
se compõe daquilo que comemos, dos líquidos que bebemos, do ar que respiramos e
de partículas de nosso ambiente físico, seja de coisas ou pessoas, podemos
progressivamente purificá-lo escolhendo bem seus componentes, e assim
tornando-o um veículo sempre mais puro através do qual agiremos, receptivo a
vibrações mais sutis, responsivo a desejos mais puros, a pensamentos mais
nobres e elevados. Por esta razão todos os que aspiravam chegar aos Mistérios eram
submetidos a regras de dieta, abluções, etc, e se desejava que fossem muito
cuidadosos sobre as pessoas com que se associavam e os lugares aonde iam.
O corpo de desejos também
muda de modo semelhante, mas os seus materiais são expelidos e atraídos pelo
movimento dos desejos, dos sentimentos, paixões e emoções. Se estes forem
grosseiros, os materiais acrescentados ao corpo de desejos serão também
grosseiros, enquanto que se forem purificados, o corpo de desejos se tornará
sutil e muito sensível às influências superiores. À medida em que um homem
domine sua natureza inferior e se torne altruísta em seus desejos, sentimentos
e emoções, à medida em que tornar seu amor pelos que o cercam menos egoísta e
exigente, ele estará purificando seu veículo superior de consciência; o
resultado é que quando fora do corpo durante o sono ele tem experiências mais
elevadas, puras e instrutivas, e quando abandona seu corpo físico pela morte
ele passa rapidamente pelo estado intermédio, e o corpo de desejos se
desintegra com grande rapidez, e não o atrasa em sua jornada para diante.
O corpo mental está
similarmente sendo construído neste caso pelos pensamentos, ele será o veículo
da consciência no mundo celeste, mas está sendo construído agora pelas
aspirações, pela imaginação, razão, julgamento, faculdades artísticas, pelo uso
de todos os poderes mentais. Do modo como o homem o tiver feito deverá usá-lo,
e a duração e riqueza de seu estado celeste depende do tipo de corpo mental que
construiu em sua vida terrena.
Quando um homem entra na
evolução superior, este corpo inicia uma atividade independente deste lado da
morte, e ele gradualmente se torna consciente de sua vida celeste, mesmo em
meio ao tumulto da existência humana. Então ele se torna “o Filho do homem que
está no céu” (João, III, 13) que pode falar com a autoridade do conhecimento
das coisas celestes. Quando um homem começa a viver a vida do Filho, tendo
passado pela Senda de Santidade, ele vive no Céu enquanto ainda permanece na
Terra, passando a possuir e usar conscientemente este corpo celestial. E
porquanto o Céu não esteja longe de nós, mas nos rodeia de todos os lados, e só
estamos afastados dele por nossa incapacidade de sentir suas vibrações e não
por sua ausência; porquanto estas vibrações estejam atuando em nós todos os
momentos de nossas vidas, tudo o que é necessário para estar no Céu é se tornar
consciente das suas vibrações. Nós nos tornamos conscientes delas com a
vitalização, organização e evolução deste corpo celestial, o qual, sendo
construído de materiais celestiais, só responde às vibrações de matéria do
mundo celeste. Por isso o “Filho do homem” está sempre no Céu. Mas sabemos que
“Filho do homem” é um termo aplicado ao Iniciado, e não ao Cristo ressurrecto e
glorificado, mas ao Filho que ainda está “sendo tornado perfeito” (Hebreus, V,
9).
Durante os estágios da
evolução que conduzem para e incluem a Senda Probacionária, a primeira divisão
do corpo espiritual - o Corpo Causal - se desenvolve rapidamente, e capacita o
homem, após a morte, ascender ao segundo Céu. depois do Segundo Nascimento, o
nascimento do Cristo no homem, começa a construção do Corpo de Bem-aventurança
“nos Céus”. Este á o corpo do Cristo, desenvolvendo-se durante os dias de Seu
serviço na Terra, e, à medida em que se desenvolve. A consciência do “Filho de
Deus” se torna mais e mais acentuada, e a união vindoura com o Pai ilumina o
Espírito que desabrocha.
Nos Mistérios Cristãos -
assim como nos antigos Egípcios, Caldeus e outros - havia um simbolismo
exterior que expressava os estágios pelos quais o homem estava passando. Ele
era levada para a Câmara da Iniciação, e era estendido no chão com seus braços
abertos, algumas vezes sobre uma cruz de madeira, algumas vezes apenas sobre o
chão de pedra, numa postura de crucificado. Então ele era tocado com o tirso no
coração - a “lança” da crucificação - e, deixando o corpo, passava para os
mundos além, caindo o corpo em um profundo transe, a morte do crucificado. O
corpo era colocado em um sarcófago de pedra e deixado lá, guardado cuidadosamente.
Enquanto isso o próprio homem estava pela primeira vez explorando as regiões
obscuras chamadas de “o coração da Terra”, e depois ia até a montanha celeste,
onde era colocado em seu Corpo de Bem-aventurança aperfeiçoado, agora
plenamente organizado como veículo de consciência. Neste corpo ele voltava ao
corpo de carne, para reanimá-lo. A cruz que sustentava aquele corpo, ou o corpo
rígido e em transe, se não fora usada uma cruz, era tirado do sarcófago e
colocado em uma rampa com a face para o leste, pronto para o nascimento do sol
no terceiro dia. No momento em que os raios do sol tocavam sua face, o Cristo,
o Iniciado perfeito ou Mestre, entrava novamente no corpo de carne,
glorificando-o com o corpo de beatitude que estava usando, mudando o corpo de
carne através de seu contato com o corpo de beatitude, dando-lhe novas
propriedades, novos poderes, novas capacidades, transmutando-o à Sua própria
semelhança. Esta era a Ressurreição do Cristo, e depois disto o próprio corpo
de carne era modificado, e assumia uma outra natureza.
Este é o motivo de o sol
ter sido sempre tomado como símbolo do Cristo ressurrecto, e o porquê de, nos
hinos pascais, haver constante referência ao nascer do Sol da Justiça. O mesmo
é escrito sobre o Cristo triunfante: “Eu sou aquele que vivia e morreu; mas
vêde, eu vivo para sempre, amém; e tenho as chaves do inferno e da morte”
(Apocalipse, I, 18). Todos os poderes dos mundos inferiores foram dominados
pelo Filho, que triunfou gloriosamente; a morte já não tem poder sobre Ele, “Ele
tem a vida e a morte em Sua mão poderosa” (H.P.Blavatsky, The Voice of the
Silence, p. 90, 5ª ed.). Ele é o Cristo ressuscitado, o Cristo triunfante.
A Ascensão do Cristo era o
Mistério da terceira porção do corpo espiritual, a investidura de uma Túnica de
Glória, preparatória para a união do Filho com o Pai, quando o Espírito
adentrava novamente a glória que tinha “antes que o mundo existisse”
(Apocalipse, XVII, 5). Então o Espírito trino se tornava uno, sabia-se eterno,
e encontrava o Deus oculto. Isto é o que é desenhado da doutrina da Ascensão,
até onde interessa ao indivíduo.
A Ascensão para a
Humanidade será quando toda a raça tiver atingido a condição Crística, o estado
de Filho, e quando o Filho se tornar uno com o Pai, e Deus for tudo em todos. Esta
é a meta, prefigurada no triunfo do Iniciado, mas atingida somente quando a
raça humana estiver perfeita, e quando “a grande órfã Humanidade” já não for
mais órfã, mas reconhecer-se conscientemente como Filha de Deus.
Estudando assim as
doutrinas da Expiação, da Ressurreição e da Ascensão, chegamos às verdades
desveladas correlatas existentes nos Mistérios Menores, e começamos a entender
a plena verdade do ensino apostólico de que Cristo não foi uma personalidade
única, mas “as primícias dentre os que dormem” (I Coríntios, XV, 20), e que
todo homem há de se tornar um Cristo. Tampouco o Cristo era considerado um
Salvador externo, por cuja reputada justiça os homens se veriam livres da ira
divina. Era corrente na Igreja o ensino glorioso e inspirador de que Ele era
apenas os primeiros frutos da humanidade, o modelo que todo homem deveria
reproduzir em si mesmo, a vida que todos deveria partilhar. Os Iniciados sempre
forma considerados como alguns destes primeiros frutos, a promessa de uma raça
tornada perfeita. Para os primeiros Cristãos, Cristo era o símbolo vivente de
sua própria divindade, o fruto glorioso da semente que traziam em seu próprio
coração. O ensinamento Cristão nos Mistérios Menores era não o de sermos salvos
por um Cristo externo, mas sermos glorificados em um Cristo interior. A etapa
do discipulado devia dar lugar à da Filiação. A vida do Filho devia ser vivida
entre os homens até que fosse encerrada pela Ressurreição, e o Cristo
glorificado se tornasse um dos Salvadores Perfeitos do mundo.
Um Evangelho bem maior do
que o dos dias de hoje! Colocado ao lado do grandioso ideal do cristianismo
esotérico, o ensinamento exotérico das igrejas parece realmente estreito e
pobre.
Todo estudo frutífero sobre
a Existência Divina deve iniciar da afirmação de que ela é Única. Todos os
sábios assim a proclamaram; todas as religiões assim a afirmaram; todas as
filosofias assim a estabelecem - “Uma, sem outra” (Chhândogyopanishat, VI, II,
17). “Ouve, oh Israel!” gritou Moisés, “O Senhor nosso Deus é Um só”
(Deuteronômio, VI, 4). “Para nós só existe um Deus” (I Coríntios, VIII, 6),
declara São Paulo. “Não existe outro Deus além de Deus”, afirma o fundador do
Islã, e faz desta frase o símbolo de sua fé. Uma única Existência ilimitada, conhecida
em sua completude apenas por Si mesma [deste ponto em diante a autora faz uso
da designação It para Deus, o pronome pessoal neutro do inglês, que não tem
correspondente em português, onde só temos Ele ou Ela. Por isso continuamos a
usar Ele ou Ela, conforme a frase se construa empregando o masculino Deus ou o
feminino Divindade ou Deidade - NT]. Ela é a Treva Eterna, de onde nasce a Luz.
Mas como Deus Manifesto, o
Uno aparece como Trino. Uma Trindade de Seres Divinos, Unos como Deus, Três
como Poderes manifestos. Isto também sempre foi declarado, e esta verdade é tão
vital em sua relação com o homem e sua evolução que ele sempre forma uma parte
essencial nos Mistérios Menores.
Entre os Hebreus, em
conseqüência de suas tendências antropomorfizantes, a doutrina foi mantida em
segredo, mas os Rabbis estudavam e adoravam o Ancião dos Dias, de quem veio a
Sabedoria, de quem veio o Entendimento - Kether, Chokmah, Binah, estes três
formavam a Suprema Trindade, o raio do Uno fora do tempo. O Livro da Sabedoria de
Salomão se refere a este ensinamento, fazendo da Sabedoria um Ser. “De acordo
com Maurice, ‘O primeiro Sephira, denominado Kether, a Coroa, Kadmon, a Pura
Luz, e En Soph, o Infinito, é o Pai onipotente do universo [um erro: En ou Ain
Soph não faz parte da Trindade, mas é a Existência Una, manifesta nos Três;
tampouco Kadmon, ou Adam Kadmon, é um dos Sephira, mas sim sua totalidade]... O
segundo é Chokmah, a quem já provamos suficientemente, tanto com os escritos
sacros como com os Rabínicos, ser a Sabedoria criativa. O terceiro é Binah, ou
Inteligência celeste, de onde os Egípcios têm seu Cneph, e Platão seu Nous
Demiurgos. Ele é o Espírito Santo que... penetra, anima e governa este Universo
ilimitado” (Citado em Williamson, The Great Law, pp. 201-202).
A continuidade desta
doutrina no ensinamento Cristão é indicada pelo Deão Milman em sua History of
Christianity. Ele diz: “Este Ser (a Palavra, o Verbo ou a Sabedoria) era mais
ou menos enfaticamente personalizado, de acordo com as noções mais populares ou
mais filosóficas, mais materiais ou mais abstratas prevalecentes na época ou
povo em questão. Este era a doutrina desde o Ganges, ou mesmo as margens do Rio
Amarelo, até o Ilissus; foi o princípio fundamental da religião e filosofia
Indianas; foi a base do Zoroastrianismo; era puro Platonismo; foi o Judaísmo
Platônico da Escola de Alexandria. Muitas passagens excelentes podem ser
retiradas de Filóstrato sobre a impossibilidade de o Ser auto-existente antes
de todos possa ser conhecido pelos sentidos humanos; e mesmo na Palestina, sem
dúvida, João Batista e o próprio Nosso Senhor não propagaram nenhuma doutrina
nova, mas antes o sentimento comum dos mais iluminados, quando declararam ‘que
nenhum homem jamais viu a Deus’. Em conformidade com este princípio, os Judeus,
na interpretação das antigas Escrituras, em vez de uma comunicação direta e
sensível com a grande Deidade única, interpuseram um ou mais seres
intermediários como canais de comunicação. De acordo com uma tradição
acreditada, citada por Santo Estêvão, a lei era dada ‘através dos anjos’; de
acordo com outra, este ofício era delegado a um único anjo, algumas vezes
chamado de Anjo da Lei (Gálatas, III, 19); em outras, de Metatron. Mas o
representante mais comum de Deus ante os sentidos e mente humanos era Memra, ou
a Palavra Divina; e é notável que o mesmo vocativo seja encontrado nos sistemas
Indiano, Persa, Platônico e Alexandrino. Este termo já havia sido aplicado ao
Messias pelos Targumistas, os primeiros comentadores Judeus das Escrituras; nem
é preciso observar o modo como foi santificado pela sua introdução no esquema
Cristão” (H.H.Milman, The History os Christianity, 1867, pp. 10-12).
Como disse o erudito Deão,
a idéia da Palavra era universal, e formava parte da idéia de uma Trindade.
Entre os Hindus, os filósofos falam do Brahma manifesto como Sat-Chit-Ananda -
Existência-Inteligência e Beatitude. Popularmente, Deus é uma Trindade: Shiva,
o Início e o Fim; Vishnu, o Preservador; e Brahmâ, o Criador do Universo. A fé
Zoroastriana apresenta uma Trindade semelhante: Ahuramazdao, o Grande Ser, o
Primeiro; depois os “gêmeos”, a Segunda Pessoa dual - pois a Segunda Pessoa
numa Trindade sempre é dual, degradada em nossos dias em uma oposição entre
Deus e Diabo - e a Sabedoria Universal, Armaiti. No Budismo do Norte
encontramos Amitabhâ, a Luz ilimitada; Avalokiteshvara, a fonte das
encarnações, e a Mente Universal, Mandjusri. No Budismo do Sul a idéia de Deus
se desvaneceu, mas com significativa tenacidade a triplicidade reaparece como
aquilo onde os Budistas procuram seu refúgio - o Buddha, o Dharma (a Doutrina)
e o Sangha (a Ordem). Mas mesmo o Buda ás vezes é adorado como uma Trindade; em
uma pedra em Buddha Gaya está inscrita uma saudação a Ele como sendo uma
encarnação do Um Eterno, e é dito: “Om! Tu és Brahma, Vishnu e Mahesha
(Shiva)... Eu Te adoro, Tu que és celebrado com milhares de nomes e sob várias
formas, como Buda, o Deus da Misericórdia” (Asiatic Researches, I, 285).
Em religiões extintas é
encontrada a mesma idéia de uma Trindade. No Egito ela dominava todo o culto
religioso. “Temos uma inscrição hieroglífica no Museu Britânico tão antiga como
o reino de Senechus do século VIII aC, mostrando que a doutrina da Trindade na
Unidade já formava parte de sua religião” (S.Sharpe, Egyptian Mythology and
Egyptian Christology, p. 14). Ela é verdadeira mesmo para uma data mais antiga.
Rá, Osíris e Hórus formavam uma Trindade largamente cultuada; Osíris, Ísis e
Hórus eram adorados em Abydos; outros nomes foram dados em cidades diferentes,
e o triângulo é freqüentemente usado como símbolo do Deus Triuno. A idéia que
subjaz a estas Trindades, seja o nome que tiverem, é demonstrada em uma
passagem citada de Marutho, na qual um oráculo, censurando o orgulho de
Alexandre o Grande, fala: “Primeiro Deus, depois a Palavra, e com Eles o
Espírito” (Williamson, The Great Law, p. 196).
Na Caldéia, Anu, Ea e Bel
eram a Trindade Suprema, sendo Anu a Origem de tudo, Ea a sabedoria, e Bel o
Espírito criativo. Sobre a China, Williamson assinala: “Na antiga China os
imperadores costumavam sacrificar cada terceiro ano ‘Àquele que é um em três’.
Existe um ditado chinês que diz: ‘Pois é uma pessoa mas tem três formas’... No
elevado sistema conhecido na China como Taoísmo, também figura uma Trindade: “A
Razão Eterna produziu o Um, o Um produziu o Dois, o Dois produziu o Três, e o
Três produziu todas as coisas’, o que, como Le Compte se adianta para dizer,
parece mostrar que eles tinham alguma conhecimento da ‘Trindade’ “ (loc. cit.,
pp. 208-209).
Na doutrina Cristã sobre a
Trindade encontramos uma completa concordância com outros credos sobre as
funções das três Pessoas Divinas, derivando o termo Pessoa de Persona, máscara,
aquilo que encobre algo, a máscara da Existência Única, Sua Auto-revelação sob
uma forma. O Pai é a Origem e Fim de tudo; o Filho é dual em Sua natureza, e é
o Verbo, ou Sabedoria; o Espírito Santo é a inteligência criativa, aquele que
velando sobre o caos de matéria primordial a organiza em materiais dos quais as
formas podem ser construídas.
É esta identidade de
funções sob tão variados nomes que demonstra que aqui temos não uma mera
semelhança externa, mas a expressão de uma verdade interna. Existe alguma coisa
da qual esta triplicidade é uma manifestação, alguma coisa que pode ser
detectada na natureza e na evolução, e a qual, sendo reconhecida, torna
inteligível o crescimento do homem, os estágios de sua vida em evolução. Além
disso, descobrimos que na linguagem universal do simbolismo as Pessoas são
distinguidas por certos emblemas, e podem ser reconhecidas por eles sob
diversas formas e nomes.
Mas existe um outro ponto
que deve ser lembrado antes que deixemos as declarações exotéricas sobre a
Trindade - que em conexão com todas estas Trindades há uma quarta manifestação
fundamental, o Poder de Deus, e isto tem sempre uma forma feminina. No
Hinduísmo cada Pessoa na Trindade tem Seu Poder manifesto, o Um e os seis
aspectos constituindo o Sete sagrado. Em muitas das Trindades aparece uma forma
feminina, sempre então ligada à Segunda Pessoa, e então temos o sagrado
Quaternário.
Vejamos agora a verdade
interna.
O Um se torna manifesto
como o Primeiro Ser, o Senhor Auto-existente, a Raiz de tudo, o Pai Supremo; a
palavra Vontade, ou Poder, parece melhor expressar esta Auto-revelação primária,
pois antes que haja uma Vontade de manifestar não pode haver manifestação
alguma, e antes que esta Vontade se manifeste o impulso carece de desdobramento
posterior. Pode-se dizer do universo que está enraizado na Vontade divina.
Então segue-se o segundo aspecto do Um - a Sabedoria; o Poder é guiado pela
Sabedoria, e daí é que está escrito que “sem Ela nada do que existe poderia
existir” (João, I, 3). A Sabedoria é dual em sua natureza, como logo veremos. Quando os
aspectos de Vontade e Sabedoria são desvelados, deve seguir-se um terceiro
aspecto para torná-los efetivos - a Inteligência Criativa, a mente divina em
Ação. Um profeta Judeu escreve: “Ele fez a Terra por Seu poder, Ele estabeleceu
o mundo por Sua Sabedoria, e estendeu os Céus por Seu Entendimento” (Jeremias,
II, 15), sendo bem clara a referência às três funções. Estes Três são
inseparáveis, indivisíveis, três aspectos do Uno. Suas funções podem ser
analisadas em separado, a bem da clareza, mas não podem ser desvinculadas entre
si. Cada uma é necessária às outras, e cada uma está presente nas outras. No
Primeiro Ser, a Vontade, Poder, é vista como predominante, como característica,
mas a Sabedoria e Ação Criativa também estão presentes; no Segundo Ser, a
Sabedoria é vista predominar, mas o Poder e a Ação Criativa não obstante lhe
são inerentes; no Terceiro Ser, a Ação criativa é vista como predominante, mas
o Poder e a Sabedoria também serão vistos. E embora estas palavras Primeiro,
Segundo e Terceiro sejam usadas porque os Seres se manifestam no Tempo, a fim
de Se autodesdobrarem, mesmo assim na Eternidade elas são vistas como
interdependentes e co-iguais, “Nenhuma é maior ou menor que Outra” (Credo de
Atanásio).
Esta Trindade é o Eu
divino, o Espírito divino, o deus manifesto, Ele que “era, é e será”
(Apocalipse, IV, 8), e Ela é a raiz da triplicidade fundamental na vida, na
consciência.
Mas vimos que há uma Quarta
Pessoa, ou em algumas religiões uma segunda Trindade, feminina, a Mãe. É Aquela
que torna a manifestação possível, Aquela que eternamente no Uno é a raiz da
limitação e da divisão, e que, quando manifesta, é chamada de Matéria. Ela é o
Não-Eu divino, a Matéria divina, a natureza manifesta. Considerada no Uno, Ela
é o Quarto, que torna possível a atividade dos Três, como Campo para Suas
atuações por virtude de Sua infinita divisibilidade, ao mesmo tempo a “Donzela
do Senhor” (Lucas, I, 38) e Sua Mãe, dando de Sua substância para formar Seu
Corpo, o universo, quando infusa de Seu poder (Ibid., 35). Considerada
cuidadosamente Ela também é vista como uma triplicidade, existindo em três
aspectos separados, sem os quais Ela não poderia existir. São eles:
Estabilidade (inércia ou resistência), Movimento, e Ritmo; estas são chamadas
as qualidades fundamentais da matéria. Só elas tornam efetivo o Espírito, e
portanto têm sido consideradas como um reflexo dos Poderes da Trindade. A
Estabilidade ou Inércia provê uma base, um fulcro para a alavanca; o Movimento
então se torna manifesto, mas só poderia produzir caos; então é imposto o
Ritmo, e eis a Matéria em vibração, capaz de ser modelada e conformada. Quando
as três qualidades estão em equilíbrio existe a Una, a Matéria Virgem,
improdutiva. Quando o Poder do Altíssimo Se Lhe infunde, e o alento do Espírito
paira sobre Ela, as qualidades são postas fora do equilíbrio e Ela se torna a
divina Mãe dos mundos.
A primeira interação é
entre Ela e a Terceira Pessoa da Trindade; por Sua ação Ela se torna capaz de
dar nascimento à forma. Então se desvela a Segunda Pessoa, que Se reveste dos
materiais assim disponíveis, e se torna o Mediador, unindo em Sua própria
Pessoa o Espírito e a Matéria, o Arquétipo de todas as formas. Só através d’Ele
a Primeira Pessoa se desvela, como o Pai de todos os Espíritos.
Agora é possível ver o
porquê da Segunda Pessoa da Trindade ser sempre dual; Ela é o Uno que Se
reveste na Matéria, onde as duas metades da Deidade aparecem juntas, mas não
como unidade. Daí que Ela também é Sabedoria, pois a Sabedoria do lado do
Espírito é a Razão Pura que se conhece como Um Eu e conhece todas as coisas
neste Eu, e do lado da Matéria é o Amor, agregando a infinita diversidade de
formas, e fazendo de cada forma uma unidade e não um mero amontoado de
partículas - o princípio da atração que mantém os mundos e tudo neles em uma
ordem e equilíbrio perfeitos. Esta é a Sabedoria dita como “poderosa e
gentilmente ordenando todas as coisas” (Sabedoria, VIII, 1), que sustenta e
preserva o universo.
Nos símbolos mundiais,
encontrados em todas as religiões, o Ponto - aquilo que só possui posição - tem
sido tomado como um símbolo da Primeira pessoa da Trindade. Sobre este símbolo
São Clemente de Alexandria assinala que se abstrairmos as propriedades de um
corpo, depois sua profundidade, depois sua largura, depois sua altura, “o ponto
que restar é uma unidade, por assim dizer, tendo só posição, e se dele
abstrairmos sua posição, termos uma concepção de unidade” (Clement of
Alexandria, Stromata, livro V, cap. II - A.-N.C.Libr., vol. IV). O Ponto como
que se irradia da Escuridão infinita como um Ponto de Luz, o centro de um
futuro universo, uma Unidade, onde tudo existe não-separado; a matéria da qual
será formado o universo, o campo de Sua obra, é marcado pela vibração para cá e
para lá do Ponto em todas as direções, formando uma vasta esfera, limitada pela
Sua Vontade, Seu Poder. Esta é a criação “da Terra pelo Seu Poder”, mencionada
por Jeremias (Vide ante, p.226). Assim o símbolo pleno é o Ponto dentro de uma
esfera, representado usualmente como um Ponto dentro de um círculo. A Segunda
Pessoa é representada por uma Linha, o diâmetro deste círculo, uma única
vibração completa do Ponto, e esta Linha está igualmente em todas as direções
dentro da esfera; esta Linha dividindo o círculo em duas metades significa
ainda Sua dualidade; aquilo que n’Ele é Espírito e Matéria - uma unidade na
Primeira Pessoa - aqui se torna visivelmente um par, embora em estado de união.
A Terceira Pessoa é representada por uma Cruz formada por dois diâmetros dentro
do círculo em ângulo reto entre si. Esta é a Cruz Grega (vide ante, pp.
177-178).
Quando a Trindade é
representada como uma Unidade é usado o Triângulo, seja inscrito em um círculo,
seja livre. O universo é simbolizado por dois triângulos entrelaçados, a
Trindade do Espírito com seu triângulo apontando para cima, a Trindade da
Matéria com sua ponta virada para baixo, e se se empregam cores, o primeiro é
branco, amarelo, dourado ou da cor da chama, e o segundo é negro, ou em algum
tom escuro.
O processo cósmico agora
pode ser acompanhado prontamente. O Um se tornou Dois, e o Dois, Três, e a
Trindade se desvela. A Matéria do universo é selecionada e espera a ação do
Espírito. Isto se dá “no início” do Gênesis, quando “Deus criou o Céu e a
Terra” (Gênesis, I, 1), uma declaração elucidada mais adiante pelas frases
repetidas de que Ele “lançou as fundações da Terra” (Jó, XXXVIII, 4; Zacarias,
XI, 1; etc). Temos aqui a delimitação do material, mas ainda um mero caos, “sem
forma e vazio” (Gênesis, I, 2).
Nisto inicia a ação da
Inteligência Criativa, o Espírito Santo, que “se movia sobre a face das águas”
(Gênesis, I, 2), o vasto oceano da matéria. Assim esta foi Sua primeira
atividade, embora ocorresse através da Terceira Pessoa - um ponto de grande
importância.
Nos Mistérios esta
atividade era demonstrada em seus detalhes como a preparação da matéria do
universo, a formação dos átomos, a reunião deles em agregados, e o agrupamento
destes em elementos, e estes ainda em compostos gasosos, líquidos e sólidos.
Esta atividade inclui não só o tipo de matéria chamada física, mas também os estados
sutis de matéria nos mundos invisíveis. Depois, como “Espírito do
Entendimento”, Ele concebeu as formas em que a matéria preparada haveria de ser
moldada, não construindo as formas, mas, pela ação da Inteligência Criativa,
produzindo as idéias delas, seus protótipos celestes, como são muitas vezes
chamadas. Esta é a atividade descrita quando se diz que Ele “estendeu os Céus
através de Seu Entendimento” (vide ante, p. 226).
A atividade da Segunda
Pessoa segue à da Terceira. Por virtude de Sua sabedoria, Ele “estabeleceu o
mundo” (Ibid.), construindo todos os globos e todas as coisas sobre eles,
“todas as coisas foram feitas por Ele” (João, I, 3). Ele é a Vida organizadora
dos mundos, e todos os seres têm sua raiz n’Ele (Bhagavad-Gita, IX, 4). A vida
do Filho assim manifesta na matéria preparada pelo Espírito Santo - novamente o
grande “Mito” da encarnação - é a vida que constrói, preserva e mantém todas as
formas, pois Ele é o Amor, o poder de atração, que dá coesão às formas,
possibilitando-lhes crescer sem desorganizar-se, é o Preservador, o
Sustentador, o Salvador. Este é o motivo de tudo dever estar sujeito ao Filho
(I Coríntios, XV, 27-28), tudo deve se reunir n’Ele, e o motivo de nenhum homem
vir ao Pai senão através d’Ele (João, XIV, 6).
Pois o trabalho da Primeira
Pessoa segue o da Segunda, assim como o da Segunda segue o da Terceira. Ele é
chamado de “Pai dos Espíritos” (Hebreus, XII, 9), de “Deus dos Espíritos de
toda carne” (Números, XVI, 22), e d’Ele é o dom do Espírito divino, do
verdadeiro Eu no homem. O Espírito humano é a Vida derramada do Pai num vaso
preparado pelo Filho, a partir de materiais vivificados pelo Espírito. E este
Espírito no homem, provindo do Pai - de onde veio o Filho e o Espírito Santo -
é uma Unidade como Ele mesmo, com os três aspectos em Um, e o homem é
verdadeiramente assim feito “à nossa imagem e semelhança” (Gênesis, I, 26), e é
capaz de se tornar “perfeito como vosso Pai no céu é prefeito” (Mateus, V, 48).
Este é o processo cósmico,
e na evolução humana ele é reprisado: “assim em cima como embaixo”.
A Trindade do espírito no
homem, sendo à semelhança divina, deve mostrar as características divinas, e
assim encontramos nela o Poder, o qual, seja em sua forma superior de Vontade
ou em sua forma inferior de Desejo, dá o impulso a esta evolução. Encontramos
também nela a Sabedoria, a Razão Pura que tem o Amor como sua expressão no
mundo das formas, e enfim a Inteligência, ou Mente, a energia formadora ativa.
E no homem também vemos que a manifestação delas em sua evolução é da terceira
para a segunda, e da segunda para a primeira. A massa da humanidade esta
desenvolvendo a mente, evoluindo a inteligência, e podemos ver sua ação
separativa em toda parte, como que isolando os átomos humanos e desenvolvendo
cada um diversamente, de modo que eles possam ser materiais adequados para a
formação de uma Humanidade divina. A raça só chegou até este ponto, e ainda
estamos trabalhando nele.
Quando estudamos uma
pequena minoria de nossa raça, vemos que o segundo aspecto do Espírito divino
no homem está aparecendo, e falamos dele na Cristandade como sendo o Cristo no
homem. Sua evolução está, como já vimos, além da primeira das Grandes
Iniciações, e Sabedoria e Amor são as marcas do Iniciado, fulgindo mais e mais
à medida em que ele desenvolve este aspecto do Espírito. Aqui também é verdade
que “nenhum homem vem ao Pai senão através de Mim”, pois somente quando a vida
do Filho está chegando à completude ele pode orar: “Agora, oh Pai, glorifica-me
Tu com Teu próprio Eu, com a glória que eu tinha conTigo antes que o mundo
existisse” (João, XVII, 5). Então o Filho ascende para o Pai e se torna uno com
Ele na glória divina; Ele manifesta a auto-existência, a existência inerente em
sua natureza divina, desabrochada de sua semente, pois “assim como o Pai tem
vida em Si mesmo, também deu ao Filho ter vida em Si mesmo” (Ibid., V, 26). Ele
se torna um Centro de autoconsciência vivente dentro da Vida de Deus, um centro
capaz de existir como tal, já não limitado pelas estreitezas de sua vida
anterior, expandindo-se até a consciência divina, embora ainda mantendo a
identidade de sua vida intacta, um Centro vivo e ígneo dentro da Chama divina.
Nesta evolução agora jaz a
possibilidade de encarnações divinas no futuro, assim como sua evolução no
passado tornou possíveis encarnações divinas neste nosso próprio mundo. Estes
Centros viventes não perdem Sua identidade, nem a memória de Seu passado, nem
nada do que tenham experimentado na longa escalada para cima; e um tal Ser
Autoconsciente pode vir do Seio do Pai e revelar-Se para o auxílio do mundo.
Ele manteve em Si mesmo a união do Espírito e da Matéria, a dualidade da
Segunda Pessoa - todas as encarnações divinas em todas as religiões são
portanto relacionadas à Segunda Pessoa da Trindade - e deste modo pode rapidamente
revestir-Se (de matéria) para manifestação física, e tornar-Se novamente Homem.
Ele manteve esta natureza de Mediador, e assim ele é um elo entre as Trindades
Celeste e Terrestre; Ele tem sido sempre chamado de “Deus conosco” (Mateus, I,
22).
Um tal Ser, o fruto
glorioso de um universo passado, pode vira o mundo presente com toda a
perfeição de Sua Sabedoria e Amor Divinos, com toda a memória de Seu passado,
capaz em virtude desta memória de ser o perfeito Auxiliar de todos os Seres
vivos, conhecendo cada estágio porque Ele o viveu, capaz de ajudar em todos os
locais porque já experimentou tudo. “Quem sofreu Ele mesmo a tentação, é capaz
de socorrer os que são tentados” (Hebreus, II, 18).
É na humanidade por trás
d’Ele que reside esta possibilidade da encarnação divina; Ele desce, tendo
antes subido, a fim de ajudar os outros a subir a escadaria. E à medida em que
entendemos estas verdades, e algo do significado da Trindade, acima e abaixo, o
que antes era só um dogma tosco e obscuro se torna uma verdade viva e
vivificante. Só através da existência da Trindade no homem é que se torna
inteligível a evolução humana, e vemos agora como o homem evolui a vida do
intelecto e depois a vida do Cristo. O misticismo está baseado neste fato e em
nossa esperança certa de havemos de conhecer Deus. Os Sábios ensinaram assim, e
à medida que trilhamos a senda que eles indicam, podemos verificar que seu
testemunho é verdadeiro.
(Boa parte deste capítulo
já foi publicado pela autora em um trabalho anterior, Some Problems of Life).
O que é algumas vezes
chamado de “o espírito moderno” é excessivamente antagônico à oração, falhando
em ver qualquer nexo causal entre a petição e a ocorrência de um evento, ao
contrário do espírito religioso, fortemente ligado a ela, e que encontra sua
própria vida na oração. Mas mesmo o homem religioso às vezes se sente
desconfortável a respeito do mecanismo da oração; estaria ele ensinando ao
Todo-sábio, estaria solicitando benefícios do Todo-bondade, estaria ele alterando
a Vontade d’Aquele “em quem não há variação, nem sombra de desvio”? (Tiago, I,
17). Embora ele encontre em sua própria experiência e na de outros a “resposta
às preces” - uma seqüência definida de pedido e atendimento.
Muitas pessoas não se
referem a experiências subjetivas, mas a fatos concretos do chamado mundo
objetivo. Um homem reza por dinheiro, e no correio lhe vem a quantia requerida;
uma mulher reza por comida, e alguma comida lhe é entregue na porta. Em conexão
a atos de caridade, existe uma pletora de evidências de ajuda conseguida em
casos de necessidades urgentes quando solicitada em preces, e da pronta e
generosa resposta. Por outro lado, também há uma abundância de evidência de
preces deixadas sem atendimento; de famintos definhando de fome até a morte, de
crianças roubadas dos braços de suas mães pelas doenças, a despeito dos mais
passionais apelos a Deus.
E não é tudo. Há muitos
fatos nesta experiência que são estranhos e confusos. Uma prece que talvez seja
trivial encontra uma resposta, enquanto que outra a respeito de um assunto
importante falha; um pequeno problema é aliviado, enquanto que uma oração
proferida para salvar um ser apaixonadamente amado não tem resposta. Parece
quase impossível para o estudante comum descobrir a lei de acordo com a qual
uma oração é ou não eficaz.
A primeira coisa necessária
ao buscarmos entender esta lei é analisar a própria oração, pois a palavra
empregada para abranger várias atividades da consciência, e as orações não
podem ser abordadas como se formassem um todo simples. Existem preces que são
pedidos para vantagens definidamente mundanas, para o suprimento de
necessidades físicas - orações por comida, roupa, dinheiro, emprego, sucesso
nos negócios, recuperação de doenças, etc. Estas podem ser agrupadas como
Classe A. Depois temos as preces por ajuda em dificuldades morais ou
intelectuais e para o crescimento espiritual - para a superação de tentações,
para fortalecimento, para discernimento, por iluminação. estas podem ser
agrupadas como Classe B. Enfim, há as preces que não pedem nada, que consistem
em meditação e adoração da perfeição divina, na intensa aspiração de união com
deus - o êxtase do místico, a meditação do sábio, o rapto alado do santo. Esta
é a verdadeira “comunhão entre o Divino e o humano”, quando o homem derrama-se
em amor e veneração por AQUILO que é inerentemente atraente, que compele o amor
do coração. Estas chamaremos de Classe C.
Nos mundos invisíveis
existem muitos tipos de inteligências que entram em relacionamento com o homem,
uma verdadeira escada de Jacó, por onde os Anjos sobem e descem, e acima de
todos fica o próprio Senhor (Gênesis, XXVIII, 12-13). Algumas destas
Inteligências são grandes Poderes espirituais, outras são seres excessivamente
limitados, inferiores ao homem em consciência. Este lado oculto da natureza -
sobre o qual logo falaremos no Capítulo XII - é um fato reconhecido por todas
as religiões. O mundo está todo cheio de coisas vivas, invisíveis aos olhos de
carne. Os mundos invisíveis interpenetram o visível, e multidões de seres
inteligentes se amontoam à nossa volta de todos os lados. Alguns deles são
acessíveis a solicitações humanas, e outras são submissíveis à vontade humana.
O Cristianismo reconhece a existência das classes superiores de Inteligências
sob o nome genérico de Anjos, e ensina que eles são espíritos ministrantes,
“enviados para ministra” (Hebreus, I 14), mas qual é seu ministério, qual a
natureza de seu trabalho, qual sua relação com os seres humanos, tudo isto
fazia parte das instruções dadas nos Mistérios Menores, assim como a verdadeira
comunicação com eles era efetuada nos Maiores, mas nos dias modernos estas
verdades caíram na obscuridade, exceto o pouco que é ensinado nas comunhões
Grega e Romana. Pois para a Protestante o “Ministério dos Anjos” é pouco mais
que uma frase. Além disso, o próprio homem é um constante criador de seres
invisíveis, pois as vibrações de seus pensamentos e desejos cria formas de
matéria sutil cuja única vida é o pensamento ou desejo que as anima; assim ele
cria um exército de servos invisíveis, que se movem nos mundos invisíveis
procurando atender à sua vontade. Ainda, naqueles mundos existem auxiliares
humanos, que enquanto seus corpos físicos estão dormindo trabalham em seus
corpos sutis, cujo ouvido atento pode ouvir um grito por socorro. E coroando
tudo há a onipresente e onisciente Vida do próprio Deus, potente e responsiva
em todos os pontos de Seu reino, Ele, sem cujo conhecimento nem um pardal cai
ao solo (Mateus, X, 29), nem uma criatura muda freme de alegria ou dor, nem uma
criança ri ou soluça - esta Vida e Amor todo-penetrante, todo-abrangente,
todo-sustentadora, na qual vivemos e nos movemos (Atos, XVII, 28). Assim como
nada que pode dar prazer ou dor pode afetar o corpo humano sem que nervos
sensórios levem a mensagem de seu impacto até os centros cerebrais, e assim
como lá daqueles centros vibra uma resposta que acolhe ou repele, do mesmo
modo, toda vibração no universo, que é Seu corpo, toca a consciência de Deus, e
provoca uma ação responsiva. Células nervosas, feixes nervosos e fibras
musculares podem ser os agentes da sensação e do movimento, mas é o homem que
sente e age; igualmente miríades de inteligências podem ser os agentes, mas é
Deus que as conhece e responde. Nada pode ser pequeno o bastante para não
afetar aquela delicada consciência onipresente, e nada pode ser vasto o
bastante para transcendê-la. Somos tão limitados que a própria idéia de uma
consciência todo-abrangente assim nos dá vertigem e confunde; talvez uma mosca
pudesse ficar igualmente perplexa se tentasse avaliar a consciência de
Pitágoras. O Professor Huxley, em uma passagem notável, imaginou a
possibilidade da existência de seres ascendendo tão alto em inteligência, a
consciência sempre em expansão, e atingindo um estágio tão acima do humano como
o humano está acima do besouro (T.H.Huxley, Essays on Some Controverted
Questions, p. 36). Isto não é um vôo de imaginação científica, mas a descrição
de um fato. Existe um Ser cuja consciência está presente em cada ponto de Seu
universo, e portanto pode ser afetado de todos os pontos. Esta consciência não
é apenas vasta em seu campo, mas é ainda inconcebivelmente aguda, não diminuída
em sua capacidade de responder por que se estende em uma vasta área em todas as
direções, mas sendo mais responsiva do que uma consciência mais limitada, mais
perfeita em entendimento do que uma mais restrita. Longe de ser o caso de que
quanto mais exaltado Ser mais difícil seria alcançar Sua consciência, mas o
exato inverso é a verdade. Quanto mais exaltado o Ser, mais facilmente Sua
consciência é afetada.
Mas esta Vida
todo-penetrante está em toda parte usando como canais todas as vidas
corporificadas a que deu origem, e qualquer uma delas pode ser usada como um
agente daquela Vontade onisciente. A fim de que esta Vontade possa se expressar
no mundo externo, deve ser encontrado um meio de expressão, e estes seres, em
proporção à sua receptividade, oferecem os canais necessários, e se tornam os
obreiros intermediários entre um ponto e outro do cosmos. Eles agem como os
nervos motores de Seu corpo, e executam a ação requerida.
Analisemos as classes em
que dividimos as orações, e vejamos os métodos pelos quais elas podem ser
atendidas.
Quando um homem faz uma
prece da Classe A existem vários meios pelos quais sua prece pode ser atendida.
Um tal homem é simples em sua natureza, com uma concepção de Deus natural, o
que é inevitável em seu grau de evolução; ele considera Deus como provedor de
suas próprias necessidades, em contato íntimo e imediato com suas necessidades
diárias, e ele se volta para Ele por seu pão diário tão naturalmente como uma
criança se voltaria para seu pai ou mãe. Um exemplo típico é o caso de George
Müller, de Bristol, antes de ser conhecido pelo mundo como filantropo, quando
estava começando seu trabalho caritativo, e estava sem amigos e sem dinheiro.
Ele orava por comida para as crianças que não tinham recursos exceto sua
bondade, e sempre vinha dinheiro suficiente para as necessidades imediatas. O
que acontecia? Sua prece era um desejo forte e enérgico, e aquele desejo criava
uma forma, da qual ele era a vida e a energia dirigente. esta criatura viva a
vibrante só possuía uma idéia, a idéia que a animava - é preciso ajuda, é
preciso comida - e ela vasculha o mundo invisível, procurando. Um homem
caridoso deseja dar ajuda aos necessitados, está à procura de uma oportunidade
de dar. Assim como o ímã atrai o ferro, igualmente assim uma pessoa funciona
para uma forma de desejo como aquela, e a forma é atraída para ela. Ela
desperta no cérebro da pessoa uma vibração idêntica à sua - George Müller, seu
orfanato, suas necessidades - e ela vê o canal para seu impulso caridoso,
assina um cheque, e o envia. Muito naturalmente, George Müller diria que Deus
inspirou ao coração daquele indivíduo dar a ajuda necessária. No sentido mais
profundo das palavras, assim é, uma vez que não existe vida ou energia em Seu
universo que não provenha de Deus; mas o agente intermediário, de acordo com as
leis divinas, é a forma de desejo criada pela oração.
O resultado poderia ser
obtido igualmente bem através de um deliberado exercício da vontade, sem
qualquer oração, por uma pessoa que entende o mecanismo envolvido e o modo de
colocá-lo em operação. Um homem destes pensaria claramente no que necessita, atrairia
para si o tipo de matéria sutil mais adequada ao seu propósito, para revestir o
pensamento, e por um deliberado exercício da vontade a enviaria ou para uma
pessoa definida para apresentar sua vontade, ou para vasculhar as redondezas e
ser atraída por uma pessoa caritativamente disposta. Aqui não existe prece, mas
um exercício consciente da vontade e do conhecimento.
No caso da maioria das
pessoas, contudo, ignorante das forças dos mundos invisíveis e desabituadas a
exercitar suas vontades, e sem a concentração da mente e o ardente desejo que
são necessários para uma ação bem-sucedida, são muito mais facilmente atraídas
pela oração do que por um deliberado esforço mental para aplicar sua própria
força. Elas duvidariam de seu poder, mesmo se entendessem a teoria, e a dúvida
é fatal ao exercício da vontade. Que a pessoa não entenda o mecanismo que
aciona não afeta em nada o resultado. Uma criança que estende sua mão e pega um
objeto não precisa entender nada do trabalho dos músculos, nem das alterações
elétricas e químicas desencadeadas nos músculos e nervos pelo movimento, nem
precisa calcular elaboradamente a distância do objeto medindo o ângulo feito
pelos eixos ópticos; ela quer pegar a coisa que deseja, e o aparato do seu
corpo obedece sua vontade embora ela sequer saiba de sua existência. Assim se
passa com o homem que reza, desconhecedor da força criativa de seu pensamento,
da criatura viva que enviou para cumprir sua ordem. Ele age inconscientemente
como a criança, e como a criança obtém o que quer. Em ambos os casos Deus é
igualmente o Agente primordial, vindo d’Ele todo o poder; em ambos os casos o
verdadeiro trabalho é feito pelo aparato provido por Suas leis.
Mas este não é o único modo
pelo qual uma prece desta classe é respondida. Alguém temporariamente fora do
corpo físico e trabalhando nos mundos invisíveis, ou um Anjo que passa, podem
ouvir o grito por socorro, e podem então colocar no cérebro de alguma pessoa
caridosa o pensamento de enviar a ajuda requerida. “pensei em Fulano esta
manhã”, dirá uma pessoa assim. “Arrisco dizer que um cheque lhe seria útil”. Muitas preces são
atendidas desta forma, e o elo entre a necessidade e o ser que a atende é
alguma inteligência invisível. Isto é parte do ministério dos Anjos inferiores,
e assim eles suprirão necessidades pessoais, e igualmente levarão ajuda a
empreendimentos caridosos.
A falha na prece desta
classe é devida a uma outra causa oculta. Todos os homens contraíram débitos
que devem ser pagos; seus pensamentos errôneos, seus desejos impróprios e ações
erradas construíram obstáculos em seu caminho, e ás vezes até mesmo o tolhem
como se estivesse dentro dos muros de uma prisão. Um débito de mal é pago com
sofrimento, um homem deve suportar as conseqüências dos erros que fez. Um homem
condenado a morrer de fome pelas suas próprias más ações no passado pode bradar
suas preces contra este destino em vão. A forma de desejo que ele criou irá
procriar mas não vai encontrar, ela será bloqueada e desfeita pela corrente do
mal passado. Aqui, como em tudo, estamos vivendo em um reino de lei, e forças
podem ser modificadas ou inteiramente frustradas pela atuação de outras forças
com que entram em contato. Duas forças exatamente similares poderiam ser
aplicadas para duas bolas exatamente iguais; em um dos casos, uma força poderia
ser aplicada na bola, e ela poderia alcançar a marca desejada; no outro, uma
segunda força poderia atingir a bola e deixá-la completamente fora de curso. Do
mesmo modo com duas preces similares; uma pode ir até seu objetivo desimpedida e
produzir seu efeito; a outra poderia ser desviada pelas forças muito mais
poderosas de um erro passado. Uma prece é atendida, a outra, não; mas em ambos
os casos o resultado segue a lei.
Consideremos as orações da
Classe B, por ajuda em dificuldades morais e intelectuais têm um resultado
duplo; atuam diretamente para atrair a ajuda, e reincidem na pessoa que ora.
Elas atraem a atenção dos Anjos, ou dos discípulos trabalhando fora do corpo,
que estão sempre procurando ajudar a mente desolada, lançando na consciência
cerebral conselho, encorajamento, iluminação, dando assim uma resposta à prece
do modo mais direto. “E Ele ajoelhou-Se e rezou... e apareceu um Anjo do céu,
confortando-O” (Lucas, XXII, 42-43). São sugeridas idéias que clareiam uma
dificuldade intelectual, ou lançam luz sobre algum obscuro problema moral, ou é
derramado o mais doce conforto sobre o coração sofrido, suavizando suas
perturbações e acalmando suas ansiedades. E na verdade, se mesmo nenhum Anjo
estiver passando, aquele grito, o grito do sofredor alcançaria o “Coração
Oculto do Céu”, e um mensageiro seria enviado para levar conforto, algum Anjo,
sempre pronto a voar célere ao sentir o impulso, trazendo a vontade divina de
ajudar.
Há também o que é chamado
às vezes de resposta subjetiva a tais orações, a reação da prece sobre quem a
profere. Sua oração coloca seu coração e mente em atitude receptiva, e isso
pacifica sua natureza inferior, e assim permite à força e poder iluminador do
superior fluir desimpedida. As correntes de energia que normalmente fluem para
baixo, ou para fora, do Homem Interno, são, como regra, dirigidas para o mundo
externo, e são usadas nos assuntos comuns da vida pela consciência cerebral,
para o desempenho de suas atividades diárias. Mas quando esta consciência cerebral
afasta-se do mundo externo, e fechando suas portas externas, dirige seu olhar
para dentro, quando deliberadamente fecha-se para o externo e abre-se para o
interno, então se torna um vaso capaz de receber e guardar, em vez de ser
apenas um canal entre os mundos interior e exterior. No silêncio obtido pela
cessação dos ruídos das atividades externas, a “voz ainda fraca” do Espírito
pode se fazer ouvir. e a atenção concentrada da mente expectante lhe permite
captar o suave sussurro do seu Eu Interno.
A ajuda vem ainda mais
nítida de fora e de dentro quando a prece é por iluminação espiritual, por
crescimento espiritual. Não apenas todos os auxiliares, angélicos e humanos,
avidamente procuram estimular o progresso espiritual, colhendo cada
oportunidade oferecida pela alma aspirante, mas o anelo por tal crescimento
libera energia de um tipo elevado, e o anelo espiritual suscita uma resposta do
reino espiritual. Mais uma vez a lei de vibração simpática se impõe, e a nota
de elevada aspiração é respondida por uma nota de seu próprio tipo, pela
liberação de energia de seu próprio tipo, por uma vibração sincrônica consigo
mesma. A Vida divina está sempre pressionando de cima contra os limites que a
tolhem, e quando a força ascendente encontra aqueles limites a partir de baixo,
a parede de separação é derrubada, e a Vida divina enche a Alma. Quando um
homem sente o influxo de vida espiritual, ele grita: “Minha prece foi atendida,
e Deus mandou Seu Espírito ao meu coração”. Assim é em verdade, embora ele
raramente entenda que aquele Espírito está sempre procurando entrar, mas aquele
que O procura não O recebe (João, I, 11). “Ouvi, eu estou à porta e bato: se
algum homem ouve minha voz e abre a porta, eu entro” (Apocalipse, III, 20).
O princípio geral a
respeito de todas as preces desta classe é que a resposta virá, da vida mais
vasta de dentro e de fora, na exata proporção da submissão da personalidade e
da intensidade da aspiração ascendente. Nós separamos a nós mesmos. Se
acabássemos com a separação e nos fizéssemos unos com o maior, teríamos aquela
luz e vida e força fluindo dentro de nós. Quando a vontade separada é desviada
de seus próprios objetivos e se dispõe a servir os propósitos divinos, então a
força do Divino se derrama. À medida em que um homem luta contra a corrente,
ele faz pequeno progresso; mas quando nada a favor, é levado com toda a força
da correnteza. Em todo departamento da Natureza as energias divinas estão
atuando, e tudo que um homem faz ele o faz por meio das energias que estão
atuando na linha ao longo da qual ele deseja agir; suas maiores conquistas são
realizadas não por suas próprias energias, mas pela habilidade com que ele
seleciona e combina as forças que o auxiliam, e neutraliza as que se opõe a ele
com aquelas que lhe são favoráveis. Forças que nos carregariam como folhas no
vento se tornam nossos mais eficazes servidores quando trabalhamos com elas.
Então admira que na prece, assim como em tudo mais, as energias divinas se
associem com o homem que, pela oração, procura trabalhar como parte do Divino?
A forma mais elevada de
prece da Classe B imerge quase imperceptivelmente na Classe C, onde a prece
perde seu caráter peticional e se torna ou uma meditação sobre, ou uma adoração
a Deus. Meditação é a constante fixação tranqüila da mente em Deus, por onde a
mente inferior é aquietada e logo deixada vacante, para que o Espírito,
escapando dela, erga-se em contemplação da Perfeição divina, e reflita em si
mesmo a imagem divina. “A meditação é a prece silenciosa ou não pronunciada, ou
como Platão expressou: ‘a ardente sintonização da Alma em direção ao Divino;
não para pedir qualquer bem em particular (como no sentido comum da prece), mas
pelo bem em si, pelo Bem Supremo Universal’ “ (H.P.Blavatsky, Key to Theosophy,
p. 10)
Esta é a oração que, pela
liberação do Espírito, é o meio de união entre homem e Deus. Pela atuação das
leis do pensamento um homem se torna o que ele pensa, e quando ele medita nas
perfeições divinas ele gradualmente reproduz em si mesmo aquilo onde sua mente
se fixa. Uma tal mente, moldada sobre o
superior e não sobre o inferior, não pode prender o Espírito, e o Espírito
livre, ascendendo á sua fonte, abandona a prece na união e deixa a
separatividade para trás.
O culto também, o rapto de
adoração de onde está ausente todo o pedido, e que procura derramar-se em puro
amor pelo Perfeito, embora fracamente percebido, é um meio - o mais fácil - de
unir-se a Deus. Aqui a consciência, limitada pelo cérebro, contempla em êxtase
mudo a imagem que cria d’Aquele que se sabe estar além da imaginação, e muitas
vezes, raptado na intensidade de seu amor além dos limites do intelecto, o
homem como um Espírito liberto voa para o alto até os reinos onde estes limites
são transcendidos, e sente e sabe muito mais do que em seu retorno ele poderá
contar em palavras ou cingir numa forma.
Assim o Místico contempla a
Visão Beatífica; assim o Sábio descansa na calam da Sabedoria que está além do
conhecimento; assim o Santo alcança a pureza onde Deus é visto. Tal prece
irradia o adorador, e da montanha de tão elevada comunhão desce até os planos
da Terra, com a própria carne brilhando com a glória superna, translucente à
chama que arde no interior. Feliz daqueles que conhecem a realidade que nenhuma
palavra pode expressar àqueles que não a conhecem. Aqueles cujos olhos viram “o
Rei em Sua formosura” (Isaías, XXXIII, 17) lembrarão, e vão entender.
Quando a prece é entendida
assim, sua perene necessidade para todos os que acreditam na religião ficará
patente, e vemos por quê esta prática tem sido tão advogada por todos os que
estudam a vida superior. Pois a oração do estudante dos Mistérios Menores
deveria ser dos tipo reunidos na Classe B, e ele deveria tentar se elevar até à
pura meditação e adoração da última classe, evitando todos os tipos inferiores.
É útil para ele neste ponto o ensinamento de Jâmblico, pois ele diz que a oração “produz uma sagrada e indissolúvel
união com os Deuses”, e então passa a dar alguns detalhes interessantes sobre a
prece, como considerada pelo Ocultista praticante. “Pois é em si uma coisa
digna de ser conhecida, e torna mais perfeita a ciência a respeito dos Deuses.
Digo, portanto, que a primeira espécie de oração é Coletiva; ela também é a que
guia o contato com e o conhecimento da divindade. A segunda espécie é o vínculo
da Comunhão consensual, desencadeando, antes que a energia da fala, os dons
concedidos pelos Deuses, e aperfeiçoando o todo de nossas operações antes do
que nossas concepções intelectuais. E a terceira e mais perfeita espécie de
oração é o selo da União inefável com as divindades, em quem ela estabelece
todo o poder e autoridade da prece, e faz com que a alma repouse nos Deuses,
como num porto infalível. Mas destes três tipos, onde todas as proporções
divinas estão incluídas, a adoração suplicante não só concede a amizade dos
deuses, mas supernamente oferece-nos três frutos, como se fossem os Pomos de
ouro das Hespérides. O primeiro pertence à iluminação; o segundo à uma comunhão
de operações, mas através da energia do terceiro recebemos um plenitude de fogo
divino... Nenhuma operação, contudo, em assuntos sagrados pode ser bem-sucedida
sem a intervenção da prece. Enfim, o contínuo exercício da prece nutre o vigor
de nosso intelecto, e torna o receptáculo da alma muito mais capaz para as
comunicações dos Deuses. Do mesmo modo é a chave divina que abre ao homem a
intimidade com os Deuses; acostuma-nos aos esplêndidos rios de luz superna; em
breve espaço de tempo aperfeiçoa nossos mais recônditos recessos, e os dispõe
para o abraço e contato inefáveis dos Deuses; e não desiste antes que nos leve
ao topo de tudo. Gradual e silenciosamente direciona para cima os modos de
nossa alma, desviando-a de tudo o que é alheio à natureza divina, e reveste-nos
das perfeições dos Deuses. Além disso, produz uma indissolúvel comunhão e
amizade com a divindade, alimenta uma amor divino, e inflama a parte divina da
alma. O que quer que haja de oposto e contrário na natureza da alma, ele o
expia e purifica; expele o que quer que seja inclinado à geração e não retém
nada das escórias da mortalidade em seu espírito esplêndido e etéreo;
aperfeiçoa uma esperança e fé positivas a respeito da recepção da luz divina e,
em uma palavra, torna aqueles por quem é empregada os familiares da casa dos
Deuses” (On the Mysteries, seç., V, cap. 26).
Deste estudo e prática
surge um resultado inevitável, à medida em que um homem comece a entender e à
medida que um panorama maior da vida se desdobre diante dele. Ele vê que pelo
conhecimento sua força é muito aumentada, que há forças ao seu redor que ele pode
entender e controlar, e que o seu poder está na proporção de seu conhecimento.
Então ele aprende que a Divindade está escondida em si mesmo, e que nada que é
passageiro pode satisfazer o Deus interior; que somente a união com o Uno, o
Perfeito, pode aplacar seus desejos, e então gradualmente nasce dentro dele a
vontade de alinhar-se com o Divino; ele cessa de procurar com veemência as
circunstâncias passageiras, e de lançar causas novas na corrente de efeitos.
Ele se reconhece como um agente antes do que como um ator, um canal antes do
que uma fonte, um servo antes do que um mestre, e procura descobrir o propósito
divino e trabalhar em harmonia com ele.
Quando um homem atingiu
este ponto, ele se elevou acima de toda prece, exceto daquela que é meditação e
adoração; ele já não tem nada pelo que pedir, neste ou em qualquer outro mundo;
ele permanece em uma serenidade constante, procurando apenas servir a Deus.
Este é o estado da Filiação, onde a vontade do Filho é una à vontade do Pai,
onde é feita uma calma entrega, “Eis, eu venho para cumprir Tua vontade.
Agrada-me fazê-lo; sim, Tua lei está em meu coração” (Salmo XI, 7-8). Então
toda prece é vista como sendo desnecessária; todo o pedido é sentido como
impertinência; nada pode ser desejado pois ainda não estará nos propósitos
daquela Vontade, e tudo será trazido à manifestação ativa à medida em que os
agentes daquela Vontade se aperfeiçoarem no trabalho.
“Eu creio... no perdão dos
pecados”. “Eu reconheço um batismo para a remissão dos pecados”. As palavras
saem facilmente da boca dos adorantes em toda igreja Cristã em todo o mundo,
quando repetem os familiares credos dos Apóstolos e o Niceno. Entre os ditos de
Jesus recortem amiúde as palavras: “Teus pecados te são perdoados”, e é digno
de nota que esta frase constantemente acompanhe o exercício de Seus poderes
curadores, e a libertação de moléstias físicas e morais é assinalada como
simultânea. de fato, em uma ocasião Ele indicou a cura de um paralítico como
sinal de que Ele tinha direito de declarar a um homem que seus pecados haviam
sido perdoados (Lucas, V, 18-26). Assim também foi dito a respeito de uma
mulher: “Seus pecados, que são muitos, são perdoados, pois ela amou muito”
(Lucas, VII, 47). No famoso tratado Gnóstico Pistis Sophia, o próprio propósito
dos Mistérios é dito ser a remissão dos pecados. “Eles deve ter sido pecadores,
devem ter caído em todos os pecados e iniqüidades do mundo, dos quais tenho vos
falado, não obstante, se se converterem e se arrependerem, e tiverem feito a
renúncia que eu acabei de descrever, dai-os aos mistérios do reino da luz; não
mais os oculteis deles. Foi por causa do pecado que eu trouxe estes mistérios
ao mundo, para a remissão de todos os pecados que eles tiverem cometido desde o
início. Por isso eu vos disse antes: ‘Eu não vim para chamar os justos’. Mas
por isso eu trouxe os mistérios, para que os pecados de todos os homens sejam
remidos, e eles sejam levados para o reino da luz. Pois estes mistérios são a
dádiva do primeiro mistério da destruição dos pecados e iniqüidades de todos os
pecadores’ “ (G.R.S.Mead, loc. cit., livro II, §§ 260-261).
Nestes Mistérios a remissão
dos pecados se dá pelo batismo, como no reconhecimento do Credo Niceno. Jesus
diz: “Ouvi novamente, para que eu possa falar-vos a palavra da verdade, de que
tipo é o mistério do batismo que resgata dos pecados... Quando um homem recebeu
os mistérios do batismo, aqueles mistérios se tornam um fogo poderoso,
excessivamente impetuoso, sábio, que queima todos os pecados; eles entram na
alma ocultamente e devoram todos os pecados que a falsificação espiritual
implantou nela”. E depois de descrever mais o processo de purificação, Jesus
acrescenta: “Este é o modo pelo qual os mistérios do batismo resgatam do pecado
e de toda a iniqüidade” (G.R.S.Mead, loc. cit., livro II, §§ 299-300).
De uma forma ou outra o
“perdão dos pecados” aparece na maioria, senão em todas as religiões; e onde
quer que haja este consenso de opiniões, podemos seguramente concluir, de
acordo com os princípios já apresentados, que por trás existe algum fato da
natureza. Acima de tudo, há uma resposta na natureza humana a esta idéia de que
os pecados são perdoados; percebemos que uma pessoa sofre com a consciência de
um mal cometido, e quando se limpam de seu passado e se livram das agitações do
remorso, prosseguem com o coração alegre e os olhos resplandecentes, embora
antes estivessem anuviados pelas trevas. Eles sentem como se um peso tivesse
sido tirado de cima deles, um casaca removido. A sensação do pecado
“desapareceu, e com ela o tormento da dor”. Eles conhecem a primavera da alma,
a palavra do poder que renova todas as coisas. Uma canção de agradecimento
ressoa como efusão natural do coração, chega o tempo do canto dos pássaros,
sentem “a alegria entre os Anjos”. Esta experiência comum confunde uma pessoa
quando passa por ela, ou a observa em outrem, e ela começa a se perguntar o que
de fato ocorreu, o que produziu a mudança na consciência, cujos efeitos são tão
manifestos.
Os pensadores modernos, que
assimilaram integralmente a idéia das leis imutáveis por trás de todos os
fenômenos, e que estudaram a atuação destas leis, são imediatamente inclinados
a rejeitar toda e qualquer teoria de perdão dos pecados como sendo
inconsistente com esta verdade fundamental, assim como o cientista, imbuído da
idéia da inviolabilidade da lei, repele todo pensamento que é inconsistente com
ela. E ambos estão certos em se basear na infalível ação da lei, pois a lei é
apenas uma expressão da Natureza divina, na qual não existe variabilidade, nem
sombra de desvio. Qualquer concepção sobre o perdão dos pecados que possamos
adotar não deve contrapor-se com esta idéia fundamental, tão necessária para a
ética como para a ciência física. “A base ficaria fora do todo” se não pudéssemos
nos fiar seguramente nos eternos braços da Boa Lei.
Prosseguindo em nossas
investigações, somos confrontados com o fato de que os próprios Instrutores que
são os que mais insistem na invariável ação da lei são também os que proclamam
enfaticamente o perdão dos pecados. Certa vez Jesus disse: “De toda palavra vã
que o homem pronunciar, deverá prestar contas no dia do juízo” (Mateus, XII,
36), e em outra: “Filho, ânimo, teus pecados te são perdoados” (Ibid., IX, 2).
Também no Bhagavad-Gita lemos constantemente das obrigações da ação, que “o
mundo é obrigado pela ação” (loc. cit., III, 9) e que um homem “recuperou as
características de seu corpo antigo” (Ibid., VI, 43) e ainda é dito que “mesmo
se o maior pecador me adorar, com coração indiviso, também ele deve ser contado
entre os justos” (Ibid., IX, 30). Pareceria então que o que quer que se
tencione significar nas Escrituras do mundo com a frase “o perdão dos pecados”,
isto não foi imaginado, por Aqueles que conhecem melhor a lei, para contradizer
a seqüência inviolável de causa e efeito.
Se examinarmos mesmo a
idéia mais crua do perdão dos pecados existente em nossos dias, descobrimos que
o seu crente não quer dizer com ela que vá escapar das conseqüências dos
pecados neste mundo; o bêbado, cujos pecados são perdoados no arrependimento,
ainda é visto sofrer com os nervos abalados, digestão desequilibrada e com a
falta de confiança demonstrada pelos outros em relação a ele. As declarações
feitas a respeito do perdão, quando examinadas, são averiguadas se referir em
última análise às relações entre o pecador arrependido e Deus, e às penalidades
post-mortem associadas ao pecado não perdoado, dentro do credo do indivíduo, e
não para escapar das conseqüências mundanas do pecado. A perda da fé na
reencarnação e de uma visão sadia sobre a continuidade da vida, seja passada
neste ou nos dois próximos mundo (vide cap. VIII) trouxe consigo várias
incongruências e declarações indefensáveis, entre elas a blasfema e terrível
idéia da tortura eterna da alma humana por pecados cometidos durante o breve
período de uma vida passada na Terra. A fim de fugir deste pesadelo, os
teólogos postularam um perdão que salvaria o pecador de seu terrível
encarceramento no inferno eterno. Jamais se imaginou que ele livrasse a pessoa
das conseqüências naturais dos maus atos neste mundo - exceto nas comunidades
Protestantes modernas - nem foi estabelecido para libertá-la de prolongados
sofrimentos purgatoriais, o resultado direto do pecado, depois da morte do
corpo físico. A lei mantinha seu curso, tanto neste mundo como no purgatório, e
em cada mundo a tristeza seguia as rodas do pecado, assim como as rodas seguem
seu eixo. Era apenas a tortura eterna - que existia somente na imaginação turva
do crente - que era anulada pelo perdão dos pecados, e podemos ir longe o
bastante para sugerir que o dogmático, tendo postulado um inferno eterno como o
resultado monstruoso de erros passageiros, sentiu-se compelido a providenciar
uma via de escape para um destino incrível e injusto, e portanto postulou um
perdão incrível e injusto. Esquemas elaborados pela especulação humana, sem
levar em conta os fatos da vida, são propensos a abandonar o especulador em
pântanos mentais, de onde ele só pode se safar se apontar sua mira para uma
direção completamente oposta. Um inferno eterno supérfluo foi contrabalançado
por um perdão supérfluo, e assim as escalas da justiça foram emparelhadas
novamente. Deixando estas aberrações dos não iluminados, voltemos ao reino do
fato e da razão correta.
Quando um homem cometeu uma
ação má ele ligou-se a uma tristeza, pois a planta que nasce da semente do mal
é sempre a tristeza. Pode ser dito, mesmo com mais precisão, que o pecado e a
tristeza são os dois lados de um mesmo ato, e não dois eventos separados. Assim
como todo objeto tem dois lados, um dos quais fica oculto atrás, fora da visão,
enquanto o outro está virado para a frente e à vista, igualmente cada ato tem
dois lados, que não podem ser vistos ao mesmo tempo neste mundo físico. Em
outras palavras, o bem e a felicidade, o mal e a tristeza, são vistos como os
dois lados da mesma coisa. Isto é o que se chama karma - um termo conveniente e
agora largamente empregado, originalmente Sânscrito, expressando esta conexão
ou identidade, significando literalmente “ação” - e o sofrimento é chamado como
o resultado kármico do erro. O resultado, o “outro lado” pode não se seguir
imediatamente, pode mesmo não se desencadear nesta encarnação atual, mas cedo
ou tarde aparecerá e abraçará o pecador com seus braços de dor. Porém um resultado
no mundo físico, um efeito experimentado através de nossa consciência física, é
a culminação de uma causa desencadeada no passado; é o fruto colhido; nele uma
força particular se torna manifesta e se exaure. Esta força esteve atuando
fora, sobre a mente, antes que aparecesse no corpo. Sua manifestação aguda, seu
aparecimento no mundo físico é o sinal da completude de seu curso (Esta é a
causa da doçura e paciência amiúde percebida no doente que é de natureza muito
pura. Ele aprendeu a lição do sofrimento, e não criam mais mau karma com a
impaciência debaixo do resultado do karma ruim passado, o qual então se
exaure). Se em tal momento o pecador, tendo esgotado o karma de seu pecado,
entra em contato com um Sábio que possa ver o passado e o presente, o visível e
o invisível, este Sábio poderá discernir a terminação do karma em questão, e
tendo-se completado a sentença, pode declarar livre o cativo. Este exemplo
parece ter sido dado na história do homem paralítico já citada, um caso típico
de muitos outros. Uma disfunção física é a última expressão do mal cometido no
passado; a ação mental e moral se completa, e o sofredor é levado - por
intermédio de algum Anjo, como administrador da lei - à presença de um Ser
capaz de liberar a doença física pela infusão de uma energia superior.
Primeiro, o Iniciado declara que os pecados do homem foram perdoados, e então
justifica esta percepção com a palavra de autoridade: “Ergue-te, toma teu
leito, e vai para casa”. Se nenhum Ser como Jesus estivesse presente ali, a doença
passaria sob o toque restaurador da Natureza, sob uma força aplicada por
inteligências angélicas invisíveis, que levam a cabo neste mundo as atuações da
lei kármica; quando um grande Ser está atuando, esta força é de um poder mais
impositivo, e as vibrações físicas são de imediato sintonizadas na harmonia que
é saúde. Todo perdão dos pecados como este podem ser chamados de declaratórios;
o karma é esgotado, e um “conhecedor do karma” declara o fato. A declaração
traz um alívio à mente, semelhante ao alívio experimentado por um prisioneiro
quando é dada a ordem de sua libertação, sendo esta ordem tão parte da lei como
a sentença original; mas o alívio do homem que sabe assim da exaustão de um
karma ruim é mais agudo, pois o próprio homem não poderia definir o termo de
sua ação.
É notável que estas
declarações de perdão são constantemente acopladas à declaração de que o
sofredor demonstrou “fé”, e que sem isto nada poderia ser feito, isto é, o
verdadeiro agente do final do karma é o próprio pecador. No caso da “mulher que
era pecadora”, as duas declarações são conjugadas: “Teus pecados te são
perdoados... Tua fé te salvou; ide em paz” (Lucas, VII, 48-50). Esta “fé”, é o
despertar no homem de sua própria essência divina, procurando o oceano divino
de uma essência semelhante á sua, e quando isso irrompe através da natureza
inferior que o contém - assim como a água irrompe através dos torrões de terra
que a recobrem - o poder assim liberado atua em toda a natureza, trazendo-a à
harmonia consigo mesma. O homem só se torna cônscio disto quando a crosta
kármica de mal é rompida por sua força, e aquela feliz consciência de um poder
dentro de si mesmo, até então desconhecido, afirmando-se assim que o mau karma
se esgota, é um grande fator na alegria, alívio e nova força que seguem ao
sentimos que os pecados “foram perdoados”, e que seus resultados são coisa
ultrapassada.
E isto nos traz ao cerne do
assunto - as mudanças que se efetuam na natureza interna de um homem, não
reconhecidas por aquela parte de sua consciência que atua nos limites de seu
cérebro, até que subitamente se impõe contra estes limites, vinda de
aparentemente lugar nenhum, irrompendo “do nada”, derramando-se de uma fonte
desconhecida. Não admira que um homem, atônito com seu influxo - não sabendo
nada dos mistérios de sua própria natureza, nada do “Deus interno” que é
verdadeiramente ele mesmo - imagina vir de fora o que de fato vem de dentro, e,
inconsciente de sua própria Divindade, imagina apenas Divindades no mundo
externo a si mesmo. E esta concepção errônea é a mais fácil, porque o toque
final, a vibração que destrói a concha aprisionadora, é freqüentemente a
resposta da Divindade dentro de outro homem, ou dentro de algum ser
super-humano, respondendo ao insistente apelo da Divindade aprisionada em si
mesmo; ele às vezes reconhece a ajuda fraternal, mas não reconhece que ele
mesmo, o grito de sua natureza interna, é que a chamou. Assim como uma
explicação de alguém mais sábio do que nós pode tornar uma dificuldade
intelectual clara em nossa mente, embora seja sempre nossa própria mente que,
assim auxiliada, compreende a solução; assim como uma palavra encorajadora de
alguém mais puro do que nós mesmos pode estimular-nos a um esforço moral que
imaginássemos além de nosso poder, embora seja sempre nossa própria força que
opere; do mesmo modo um Espírito mais elevado que o nosso, alguém mais
consciente de sua própria Divindade, pode nos ajudar a desdobrar nossa própria
energia divina, embora seja este mesmo desdobramento o que nos eleva a um plano
superior. Somos todos obrigados por laços de ajuda fraterna para com aqueles
acima de nós, e por que deveríamos nós, que tão amiúde nos encontramos em
condições de ajudar em seu desenvolvimento almas menos avançadas do que nós
mesmos, hesitaremos em admitir que podemos receber ajuda similar d’Aqueles
acima de nós, e que nosso progresso pode ser tornado muito mais rápido com Sua
ajuda?
Porém entre as mudanças que
ocorrem na natureza interna de um homem, desconhecidas de sua consciência
inferior, estão aquelas que tem a ver com o desenvolvimento de sua vontade. O
Ego, vislumbrando seu passado, avaliando seu resultado, sofrendo por seus
erros, determina uma mudança de atitude, uma mudança de atividade. Enquanto seu
veículo inferior está sujeito a seus impulsos anteriores, jogando-se me linhas
de ação que o levam a colisões frontais com a lei, o Ego determina um curso
oposto de conduta. Até então o Ego havia voltado sua face desejosa para o
animal, os prazeres do mundo inferior o mantiveram acorrentado. Mas agora ele volta
sua face para a verdadeira meta da evolução, e determina-se a trabalhar por
alegrias mais elevadas. Ele vê que todo o mundo está evoluindo, e que se ele se
colocar contra esta poderosa corrente ela o arrojará de lado, ferindo-o
gravemente no processo; ele vê que se ele se colocar a favor dela, ela o levará
em seu seio e o deixará no céu desejado.
Então ele resolve mudar de
vida, e volta decididamente sobre seus passos, e mira o outro caminho. O
Primeiro resultado do esforço de voltar sua natureza inferior para o curso
alterado é muita aflição e perturbações. Os hábitos formados sob os impactos de
antigas concepções resiste bravamente aos impulsos que fluem das novas, e se
ergue um acerbo conflito. Gradualmente a consciência que opera no cérebro
aceita a decisão feita nos planos superiores e então “se torna consciente do
pecado” pelo próprio reconhecimento da lei. A sensação de erro se aprofunda, e
o remorso se apodera da mente; são feitos esforços espasmódicos em direção à
melhora, e, frustrados por antigos hábitos, falham repetidamente, até que o
homem, assolado pela dor do passado, pelo desespero do presente, é jogado em um
acabrunhamento desesperançado. Enfim, o sofrimento sempre crescente extrai do
Ego um grito por socorro, respondido pelas profundezas internas de sua própria
natureza, pelo Deus que está tanto dentro como fora dele, a Vida de sua vida.
Mas esta mudança de
atividade significa que ele desvia sua face das sombras, que ele volta seu
rosto para a luz. A luz esteve sempre lá, mas ele lhe dava as costas; agora ele
vê o sol, e sua radiância encoraja seus olhos, e inunda seu ser de deleite. Seu
coração estava fechado; agora ele se escancara, e o oceano de vida aflui, com
maré cheia, inundando-o de alegria. Onda após onda de vida nova o ergue, e a
felicidade da aurora o rodeia. Ele vê seu passado como passado, porque sua
vontade se firmou a seguir um caminho superior, e ele pouco se amofina com os
sofrimentos que o passado ainda pode lhe impor, uma vez que ele sabe que
doravante não prosseguirá com tão amargo legado. esta sensação de paz, de
alegria, de liberdade, é o sentimento descrito como o resultado do perdão dos
pecados. Os obstáculos erguidos pela natureza inferior entre o Deus interno e o
Deus externo são derrubados, e aquela natureza mal reconhece que a mudança é em
si mesma e não na Alma superior. Como uma criança, tendo largado da mão materna
orientadora e escondido seu rosto contra a parede, pode fantasiar a si mesma
sozinha e esquecida, até que, voltando-se com um grito, se encontra entre os
braços protetores da mãe que jamais esteve mais do que um braço longe, do mesmo
modo um homem rejeita com seu voluntarismo os braços escudantes da divina Mãe
dos mundos, só para descobrir, quando volta seu rosto, que jamais esteve fora
de seu escudo protetor, e que onde quer que possa ir aquele amor guardião ainda
está em seu redor.
A chave para esta mudança
no homem, que acarreta o “perdão”, é dada no verso do Bhagavad-Gita já citado em
parte: “Mesmo se o maior dos pecadores me adorar, com o coração indiviso, ele
deve ser contado entre os justos, pois decidiu-se corretamente”. Desta
resolução correta segue-se o inevitável resultado: “Logo ele se torna obediente
e se encaminha para a paz” (loc. cit., IX, 31). A essência do pecado está na
asserção da vontade da parte contra a vontade do todo, do humano contra o
Divino. Quando isto é alterado, quando o Ego coloca sua vontade separada em
união com a vontade que trabalha para a evolução, então, no mundo onde querer é
realizar, no mundo onde os efeitos são vistos tão presentes como as causas, o
homem “é contado entre os justos”; os efeitos nos planos inferiores deve se
seguir inevitavelmente; “logo ele se torna obediente” na ação, tendo já se tornado
obediente na vontade. Aqui nós julgamos pelas ações, as folhas mortas do
passado; lá eles julgam pelas vontades, as sementes germinantes do futuro. Por
isso Cristo sempre diz para os homens no mundo inferior: “Não julgueis”
(Mateus, VII, 1).
Mesmo depois de a nova
direção ser definitivamente seguida, e se tornado o hábito normal da vida,
sobrevêm tempos de falha, mencionados no Pistis Sophia, quando Jesus é
perguntado se um homem poderia novamente ser admitido nos Mistérios, depois de
ter fracassado, se ele se arrepender. A resposta de Jesus é afirmativa, mas
assinala que chega uma hora em que a readmissão está além do poder de tudo,
exceto do Mistério mais elevado, que sempre perdoa. “Amen, amen, digo-vos, quem
receber os mistérios do primeiro mistério, e então der as costas e transgredir
até doze vezes, e então se arrepender doze vezes, oferecendo preces nos
mistérios do primeiro mistério, será perdoado. Mas se ele transgredir mais de
doze vezes, se der as costas e transgredir, não mais será perdoado de modo que
possa voltar ao seu mistério, qualquer que seja. Para ele não há meios de
arrependimento a menos que tenha recebido os mistérios do inefável, que tem
compaixão todas as vezes e perdoa eternamente os pecados (loc. cit., livro II,
§ 305). Estas recuperações depois de falhas, nas quais “os pecados são
perdoados”, ocorrem na vida humana, especialmente nas fases mais elevadas da
evolução. É oferecida uma oportunidade ao homem que, se aproveitada, lhe
abriria novas possibilidades de crescimento. Se ele falha em aproveitá-la, é
deslocado da posição que havia conseguido e que lhe possibilitara a
oportunidade. Por algum tempo, para ele é bloqueado o progresso; ele deve
dirigir todos os seus esforços redobrados para trilhar novamente o chão que já
trilhou, para reconquistá-lo e garantir que pise em segurança onde antes
escorregou. Só quando ele consegue isto ele ouvirá a gentil Voz a dizer-lhe que
o passado está esgotado, a fraqueza se transformou em força, e que o portão
está novamente aberto para ele passar. Aqui também o “perdão” é apenas a
declaração, por uma autoridade capacitada, a respeito do real estado das
coisas, a abertura da porta para o competente, e seu fechamento para o
incompetente. Onde ocorreu um fracasso, com seu conseqüente sofrimento, esta
declaração seria sentida como um “batismo para a remissão dos pecados”,
readmitindo o aspirante em um privilégio perdido por seus próprios atos; isto
sem dúvida daria margem a sentimentos de alegria e paz, a um alívio do peso da
tristeza, a um sentimento de que as cadeias do passado enfim se soltaram dos
pés.
Uma verdade permanece, que
jamais deveria ser esquecida: que estamos vivendo em meio a um oceano de luz,
amor, felicidade, que nos rodeia todo o tempo, a Vida de Deus. Assim como o sol
enche a Terra com sua radiância, igualmente aquela Luz ilumina tudo, só que
aquele Sol jamais se põe em nenhuma parte dela. Nós bloqueamos aquela luz de
nossa consciência por nosso egoísmo, nossa falta de sentimentos, nossa
impureza, nossa intolerância, mas ela brilha sobre nós sempre imutável,
banhando-nos de todos os lados, pressionando contra nossas paredes
autoconstruídas com persistência gentil e poderosa. Quando a alma derruba estas
paredes isolantes, a luz entra, e a alma encontra-se inundada de luz solar, respirando
o bendito ar do Céu. “Pois o Filho do homem está no Céu”, embora não o
saibamos, e sua brisa refresca suas sobrancelhas se ele as descobrir ao seu
sopro. Deus sempre respeita a individualidade humana, e não entrará em sua
consciência antes que esta consciência se abra em boas-vindas; “Ouvi, eu estou
à porta e bato” (Apocalipse, III, 20) é a atitude de toda Inteligência
espiritual com relação à alma humana em desenvolvimento; esta espera de a porta
se abrir não está baseada em falta de simpatia, mas em uma profunda sabedoria.
O homem não deve ser
compelido; ele deve ser livre. Ele não é um escravo, mas um Deus em formação, e
o crescimento não pode ser forçado, mas deve ser desejado a partir de dentro.
Somente quando a vontade concorda, como ensina Giordano Bruno, Deus irá
influenciar o homem, embora Ele esteja “presente em toda parte, e pronto para
vir em auxílio de quem quer que se volte para Ele através de um ato de
inteligência, e que se ofereça sem reservas com o amor da vontade” (Giordano
Bruno, The heroic enthusiasts, vol. I, p. 133; trad. por L. Williamson). “A
potência divina que existe em tudo não oferece nem recusa, exceto através da
assimilação ou rejeição de alguém” (Ibid., vol II, pp. 27-28). “Mas entra
rapidamente, como a luz solar, e se faz presente para quem quer que se volte
para ela e se abra... as janelas são abertas, e o sol entra num instante, e
neste caso ocorre de modo semelhante” (Ibid., pp. 102-103).
A sensação do “perdão”,
assim, é o sentimento que enche o coração de alegria quando a vontade é
sintonizada na harmonia com o Divino, quando, tendo a alma aberto suas janelas,
o brilho solar do amor e luz e felicidade penetra, quando a parte sente sua
unidade com o todo, e a Vida Única vibra em cada veia. Esta é a nobre verdade
que dá vitalidade até mesmo à mais crua concepção do “perdão dos pecados”, que
a torna muitas vezes, a despeito de sua incompletude intelectual, uma
inspiração para uma vida pura
espiritual. E esta é a verdade, como apresentada nos Mistérios Menores.
Em todas as religiões
existem certos cerimoniais, ou ritos, que são considerados de importância vital
pelos crentes na religião, e que são acreditados como conferidores de certos
benefícios àqueles que tomam parte neles. A palavra Sacramento, ou algum termo
equivalente, tem sido aplicada a estes cerimoniais, e eles têm sempre o mesmo
caráter. Tem sido feito pouca exposição de sua natureza e significado, mas este
é outro dos assuntos explicados antigamente nos Mistérios Menores.
A característica peculiar
de um Sacramento reside em duas de suas propriedades. Primeiro, há a cerimônia
exotérica, que é uma alegoria figurada, uma representação de algo através de
ações e materiais - não uma alegoria verbal, um ensinamento dado em palavras
veiculando uma verdade, mas uma representação encenada, sendo determinadas
coisas materiais usadas de um modo específico. O objetivo, na escolha destes
materiais, e buscado nas cerimônias que são acompanhadas de sua manipulação, é
representar, como numa pintura, alguma verdade que se deseja imprimir nas
mentes das pessoas presentes. Esta é a primeira e mais óbvia propriedade de um
Sacramento, diferenciando-o de outras formas de culto e meditação. Ele apela
para aqueles que, sem estas imagens, falhariam em captar uma verdade sutil, e
lhes mostra de uma forma vívida e plástica a verdade que de outro modo lhes
escaparia. Todo Sacramento, quando é estudado, deveria ser tomado sob o ponto
de vista de que é uma alegoria figurada; depois, as coisas essenciais a ser
estudadas serão: os objetos materiais que entram na alegoria, o método pelo
qual são empregados, e o significado que o todo é planejado para veicular.
A segunda propriedade
característica de um Sacramento pertence aos fatos dos mundos invisíveis, e é
estudada pela ciência oculta. A pessoa que oficia no Sacramento deveria possuir
este conhecimento, pois um pouco, embora não todo, do poder operativo do
Sacramento depende do conhecimento do oficiante. Um Sacramento liga o mundo
material com as regiões sutis e invisíveis às quais este mundo está
relacionado; é um elo entre o visível e o invisível. E não só é um elo entre
este mundo e outros mundos, mas também é um método pelo qual as energias do
mundo invisível são transmutadas em ação no físico, e um método real de mudar
energias de um tipo em energias de outro tipo, como literalmente na célula
galvânica as energias químicas são transformadas em elétricas. A essência de
todas as energias é uma e a mesma, seja nos mundos visível ou invisível; mas as
energias diferem de acordo com os graus de matéria através dos quais se
manifestam. Um Sacramento serve como um tipo de encruzilhada na qual tem lugar
a alquimia espiritual. Uma energia colocada nesta encruzilhada e sujeita a
certas manipulações segue adiante diferente em expressão. Assim uma energia de
um tipo sutil, pertencendo a uma das regiões superiores do universo, pode ser
trazida a uma relação direta com as pessoas vivendo no mundo físico, e pode ser
posta a afetá-las no mundo físico, assim como em sua própria região; o
Sacramento forma a última ponte do invisível ao visível, e possibilita às energias serem diretamente aplicadas naqueles
que preenchem os requisitos necessários e tomam parte no Sacramento.
Os Sacramentos da Igreja
Cristã perderam muito de sua dignidade e do reconhecimento de seu poder oculto
entre aqueles que se separaram da Igreja Católica Romana na época da “Reforma”.
A separação prévia entre Ocidente e Oriente, deixando de um lado a Igreja
Ortodoxa Grega e de outro a Igreja Romana, de modo algum afetou a fé nos
Sacramentos. Eles permaneceram nas duas grandes comunidades como elos
reconhecidos entre o visível e o invisível, e santificam a vida do fiel do
berço até a tumba. Os Sete Sacramentos do Cristianismo cobrem toda a vida,
desde as boas-vindas do Batismo até o adeus da Extrema-Unção. Eles foram
estabelecidos por Ocultistas, por homens que conheciam os mundos invisíveis; e
os materiais usados, as palavras ditas, os sinais feitos, foram todos
deliberadamente escolhidos e arranjados com o intuito de produzir certos
resultados.
No tempo da Reforma, as
Igrejas separatistas que se livraram do jugo de Roma não foram guiadas por
Ocultistas, mas por homens comuns do mundo, alguns bons e outros maus, mas
todos profundamente ignorantes dos fatos dos mundos invisíveis, e conscientes
apenas da casca externa do Cristianismo, seus dogmas literais e culto
exotérico. A conseqüência disto foi que os Sacramentos perderam seu lugar
supremo no culto Cristão, e na maioria das comunidades Protestantes foram
reduzidos a dois, o Batismo e a Eucaristia.
A natureza sacramental dos
outros não foi negada explicitamente nas mais importantes das Igrejas
dissidentes, mas os dois foram separados dos cinco como sendo universalmente
obrigatórios, nos quais todo membro deveria tomar parte a fim de ser
reconhecido como um membro pleno.
A definição geral de
Sacramento é dada muito precisamente, a não ser por algumas palavras
supérfluas, “ordenadas pelo próprio Cristo”, no Catecismo da Igreja da
Inglaterra, e mesmo estas palavras poderiam ser mantidas se se desse o sentido
místico à palavra “Cristo”. Lá se diz que um Sacramento é “Um sinal externo e
visível de uma graça interna e invisível dada a nós, ordenada pele próprio
Cristo, como um meio pelo qual a recebemos e como uma súplica para que a mesma
nos seja confirmada daí em diante”
Nesta definição temos
registradas as duas características de um Sacramento como apresentamos antes. O
“sinal externo e visível” é a alegoria figurada, e a frase “um meio pelo qual
recebemos a graça interna e espiritual” cobre a segunda propriedade. Esta
última frase deveria ser cuidadosamente notada por aqueles membros das Igrejas
Protestantes que consideram os Sacramentos como meras fórmulas e cerimônias
externas. Pois ela afirma nitidamente que o Sacramento é realmente um meio por
onde a graça é veiculada, implicando assim que sem ele a graça não se transmite
do mesmo modo do mundo espiritual ao físico. É o reconhecimento nítido de um
Sacramento em seu segundo aspecto, o de um meio por onde os poderes espirituais
são trazidos à atividade na Terra.
A fim de entendermos um
sacramento, é necessário que reconheçamos definitivamente a evidência de um
lado oculto ou invisível na Natureza; isto é falado a respeito do lado vida da
Natureza, o lado consciência, mais precisamente a mente na Natureza. Por trás
de toda ação sacramental existe a crença de que o mundo invisível exerce uma
poderosa influência sobre o visível, e para entendermos um Sacramento devemos
entender algo sobre as Inteligências invisíveis que administram a Natureza.
Vimos, ao estudarmos a doutrina da Trindade, que o Espírito se manifesta como o
Eu trino, e que o campo para Sua manifestação é a Matéria, o lado forma da
Natureza, freqüentemente considerado, e com razão, como a própria Natureza.
Temos de estudar estes dois aspectos, o lado da vida e o lado da forma, a fim
de entendermos um Sacramento.
Estendendo-se entre a
Trindade e a humanidade existem muitos graus e hierarquias de seres invisíveis;
os mais elevados são os Sete Espíritos de Deus, os Sete Fogos, ou Chamas, que
ficam diante do trono de Deus (Apocalipse, IV, 5). Cada um deles está à testa
de uma vasta hoste de Inteligências, que compartilham de Sua natureza e agem
debaixo de Suas ordens; estas Inteligências também são graduadas, e existem os
Tronos, as Potestades, os Principados, as Dominações, os Arcanjos e Anjos, de
quem se encontra menção nos escritos dos Padres Cristãos, que eram, versados
nos Mistérios. Assim, existem sete grandes hostes destes Seres, e eles
representam em sua inteligência a Mente Divina na Natureza. Eles são
encontrados em todas as regiões, e animam as energias da Natureza. Do ponto de
vista do ocultismo não existe nenhuma força ou matéria mortas. Tanto força como
matéria são vivas e ativas, e uma energia ou grupo de energias é o véu de uma
Inteligência, de uma Consciência, que tem aquela energia como sua expressão
externa, e a matéria na qual a energia se move fornece uma forma que a
Inteligência guia ou anima. A menos que um homem possa olhar a Natureza desta
forma todo ensinamento esotérico lhe será como um livro fechado. Sem estas
Vidas angélicas, estas incontáveis Inteligências invisíveis, estas Consciências
que animam a força e a matéria (a frase “força e matéria” é usada como na
ciência. Mas força é uma das propriedades da matéria, aquela chamada de
Movimento. Vide ante, p. 228), a qual é a Natureza, a própria Natureza
permaneceria não só ininteligível, mas também fora de relação tanto com a Vida
divina que se move dentro e em torno dela, como com as vidas humanas que estão
se desenvolvendo em seu meio. Estes inumeráveis Anjos unem os mundos; eles
mesmos estão evoluindo enquanto ajudam na evolução de seres inferiores a si
mesmos, e é lançada uma nova luz sobre a evolução quando vemos que os homens
formam graus nestas hierarquias de seres inteligentes. Estes Anjos são os
“Filhos de Deus” de uma geração anterior à nossa, e que “gritaram de alegria”
(Jó, XXXVIII, 7) quando foram lançadas as fundações da Terra em meio ao coro
das Estrelas da Manhã.
Outros seres estão abaixo
de nós na evolução - animais, plantas, minerais e vidas elementais - assim como
os Anjos estão acima de nós; e à medida que estudamos, desponta sobre nós uma
concepção de uma vasta Roda da Vida, de incontáveis existências,
inter-relacionadas e necessárias umas para as outras, tendo o homem, como uma
inteligência viva, seu próprio lugar nesta Roda. A Roda está sempre girando
pela Vontade divina, e as Inteligências vivas que a constituem aprendem a
cooperar com aquela Vontade, e se na ação daquelas Inteligências houvesse
qualquer interrupção ou falha devido à negligência ou oposição, então a Roda
emperra, rodando lentamente, e a carruagem da evolução dos mundos anda só
pesadamente em seu caminho.
Estas inumeráveis vidas,
acima e abaixo do homem, entram em contato com a consciência humana de maneiras
muito definidas, entre elas os sons e as cores. Cada som tem uma forma no mundo
invisível, e a combinação de sons cria formas complicadas (Para informação
sobre as formas criadas por notas musicais consulte-se qualquer livro de
ciência a respeito de Som, e também o livro ilustrado de Watts-Hughes, Voice
Figures). Na matéria sutil daqueles mundos todos os sons são acompanhados de
cores, de modo que eles dão origem a formas multifacetadas, em muitos casos
extremamente belas. As vibrações dispostas no mundo invisível quando é tocada
uma nota estabelecem vibrações nos mundos invisíveis, cada uma com seu caráter
específico, e capaz de produzir determinados efeitos. Na comunicação com
inteligências subumanas associadas ao mundo invisível inferior e ao físico, e
controlando-as e dirigindo-as, os sons podem ser usados para produzir os
resultados desejados, assim como uma linguagem feita de sons definidos é usada
aqui. E na comunicação com Inteligências superiores são úteis certos sons, a
fim de criar uma atmosfera harmoniosa, adequada para as suas atividades, e que
tornam nossos próprios corpos sutis receptivos às suas influências.
Este efeito sobre os corpos
sutis é uma parte importantíssima do uso oculto dos sons. Estes corpos, assim
como o físico, estão em contínuo movimento vibratório, cujas vibrações se
alteram ao menor pensamento ou desejo. Estas vibrações irregulares mutantes
oferecem um obstáculo à qualquer nova vibração vinda de fora, e, a fim de
tornar os corpos suscetíveis às influências superiores, são usados sons que
reduzem as vibrações irregulares para um ritmo regular, semelhante em sua
natureza ao ritmo da Inteligência que se deseje contatar. O objetivo de toda
frase repetida freqüentemente é produzir isto, assim como um músico toca a
mesma nota muitas vezes até que todos os instrumentos estejam afinados. Os
corpos sutis devem ser afinados na nota do Ser procurado, se Sua influência há
de encontra um caminho livre através da natureza do adorador, e isto sempre foi
feito pelo uso de sons. Daí que a música sempre formou uma parte integral do
culto, e certas cadências definidas forma preservadas com cuidado, transmitidas
de idade em idade.
Em todas as religiões
existem sons de um caráter peculiar, chamados de “Palavras de Poder”,
consistindo de frases em uma língua particular cantada de uma forma especial;
cada religião possui um estoque de tais frases, seqüências especiais de sons,
agora chamadas muito genericamente de “mantras”, que é o nome que se lhes dá no
Oriente, onde a ciência dos mantras tem sido muito estudada e elaborada. Não é
necessário que um mantra - uma seqüência de sons arranjada de um modo
particular para produzir um resultado definido - deva estar em qualquer
linguagem em especial. Qualquer língua pode ser usada para este propósito,
embora algumas sejam mais adequadas que outras, desde que a pessoa que cria os
mantras possua o conhecimento oculto necessário. Há centenas de mantras na
língua Sânscrita, feitos por Ocultistas do passado, que estavam familiarizados
com as leis dos mundos invisíveis. Estes mantras foram transmitidos de geração
em geração, palavras definidas em uma seqüência definida cantadas em um modo
definido. O efeito do canto é criar vibrações, e com isso formas, nos mundos
físico e superfísico, e de acordo com o conhecimento e pureza do cantor o seu
canto será capaz de afetar um ou outro mundo. Se seu conhecimento for vasto e
profundo, se sua vontade for forte e seu coração for puro, quase não há limite
para os poderes que ele poderá exercer ao usar um destes antigos mantras.
Como se disse, não é
necessário que se use uma língua em especial. Eles podem ser em Sânscrito, ou
em qualquer uma das línguas do mundo, nas quais homens de conhecimento os
compuseram.
Esta é a razão pela qual,
na Igreja Católica Romana, a língua latina é sempre usada em atos de culto
importantes. Aqui ela não é usada como uma língua morta, uma língua
“incompreendida pelo povo”, mas como uma força viva nos mundos invisíveis. Não
é usada para esconder conhecimento do povo, mas a fim de que certas vibrações
possam ser estabelecidas nos mundos invisíveis que não podem sê-lo nas línguas
comuns da Europa, a menos que um grande Ocultista compusesse nelas as
seqüências de som necessárias. Traduzir um mantra é mudá-lo de uma “Palavra de
Poder” para uma frase comum; o som sendo mudado, outras formas são criadas.
Algumas combinações de
palavras latinas, com a música associada a elas no culto Cristão, provoca os
mais notáveis efeitos nos mundos suprafísicos, e qualquer um que seja sensível
ficará consciente de efeitos peculiares causados pelo canto de algumas das
frases mais sagradas, especialmente na Missa. Efeitos vibratórios podem ser
sentidos por qualquer um que se sente quieto e receptivo à medida que algumas
destas frases são pronunciadas pelo sacerdote ou pelos coralistas. E ao mesmo
tempo são provocados efeitos nos mundos superiores afetando diretamente os
corpos sutis dos adoradores do modo acima descrito, e também chamando
Inteligências naqueles mundos com um significado tão definido como as palavras
endereçadas de uma pessoa para outra no plano físico, seja sob forma de prece,
seja, em alguns casos, como um comando. Os sons, provocando fulgurantes formas
ativas, voam através dos mundos, afetando a consciência das Inteligências que
neles residem, e levando algumas delas a desempenhar os serviços definidos
requeridos por aqueles que estão tomando parte no ofício da igreja.
Tais mantras formam uma
parte essencial de todo Sacramento.
A outra parte essencial do
Sacramento, em sua forma externa e visível, são certos gestos. Eles são
chamados Sinais, Signos ou Selos - as três palavras significando o mesmo em um
Sacramento. Cada sinal tem seu próprio significado especial, e marca a direção
imposta sobre as forças invisíveis com as quais o oficiante está trabalhando,
seja partindo de si mesmo, seja veiculadas através dele. Em qualquer caso, os
sinais são necessários para produzir os resultados desejados, e constituem uma
porção essencial no rito sacramental. Um tal sinal é chamado de “Sinal de
Poder”, assim como o mantra é uma “Palavra de Poder”.
É interessante ler nas
obras ocultas do passado referências a estes fatos, tão verdadeiras agora como
antes. No Livro dos Mortos Egípcio é descrita a jornada post-mortem da Alma, e
lemos como ela é parada e questionada em várias etapas desta viagem. Ela é
parada e questionada pelos Guardiães do portão de cada mundo sucessivo, e a
Alma não pode passar através do Portão de seguir seu caminho a menos que saiba
duas coisas: deve dizer uma palavra, a Palavra de Poder; deve fazer um sinal, o
Sinal de Poder. Quando aquela Palavra é dita e aquele Sinal é feito, caem os
ferrolhos do Portão, e os Guardiães se afastam para deixar a Alma passar. Um
relato semelhante é dado no grande Evangelho Místico Pistis Sophia, mencionado
antes (v. ante, pp. 118, 119 e 260). Aqui a passagem através dos mundos não é a
de uma Alma liberta do corpo pela morte, mas a de uma que voluntariamente o
deixou no curso da Iniciação. Existem grandes Poderes, os Poderes da Natureza,
que bloqueiam seu caminho, e até que o Iniciado diga a Palavra e faça o Sinal,
eles não deixarão que passe através dos portões de seus domínios. Este duplo
conhecimento, então, era necessário - falar a Palavra de Poder, fazer o Sinal
de Poder. Sem isso o progresso era bloqueado, e sem isso um Sacramento não é
Sacramento.
Além disso, em todos os
Sacramentos é, ou deveria ser, usado algum material físico (No Sacramento da
Penitência as cinzas agora são omitidas, exceto em ocasiões especiais, mas não
obstante elas formam parte do rito). Ele é sempre um símbolo daquilo que vai
ser ganho com o Sacramento, a ponta para a natureza da “graça interior e
espiritual” recebida através dele. Ele é também o meio material de veiculação
da graça, não simbolicamente, mas de fato, e uma mudança sutil neste material o
adapta para elevados fins.
Mas um objeto físico
consiste de partículas sólidas, líquidas e gasosas, nas quais um químico o
poderia separar para análise, e além do éter, que interpenetra o material mais
grosseiro. Neste éter atuam energias magnéticas. Está, além disso, conectado a
contrapartes de matéria sutil, nas quais atuam energias mais sutis que a
magnética, mas semelhantes a ela em sua natureza e ainda mais poderosas.
Quando um objeto é magnetizado
é efetuada uma mudança em sua porção etérica, os movimentos de onda são
alterados e organizados, e obrigados a acompanhar os movimentos de onda do éter
do magnetizador; ele assim passa a compartilhar de sua natureza, e as
partículas mais densas do objeto, influenciadas pelo éter, lentamente mudam
seus padrões de vibração. Se o magnetizador tem o poder de afetar também as
contrapartes sutis ele as faz vibrar também em consonância à sua própria
vibração.
Este é o segredo das curas
magnéticas; as vibrações irregulares da pessoa doente são postas em
concordância com as vibrações saudáveis do operador, tão definidamente como um
objeto irregularmente oscilante pode ser posto a oscilar com regularidade com
golpes regulares e repetidos. Um médico magnetizará a água e assim curará seu
paciente. Ele magnetizará uma roupa, e a roupa, colocada no lugar da dor,
curará. Ele usará um ímã poderoso, ou uma corrente galvânica, e restaurará a
energia de um nervo. Em todos os casos o éter é posto em movimento, e com isso
as partículas físicas mais densas serão afetadas.
Um resultado similar ocorre
quando os materiais usados em um Sacramento são submetidos à Palavra de Poder e
ao Sinal de Poder. São causadas mudanças magnéticas no éter da substância
física, e as contrapartes sutis são afetadas de acordo com o conhecimento,
pureza e devoção do celebrante que as os magnetiza - ou, no termo religioso, os consagra. Além
disso, a Palavra e o Sinal de Poder atraem à celebração os Anjos especialmente
relacionados aos materiais usados e à natureza do ato executado, e eles
concedem sua poderosa ajuda, derramando suas próprias energias magnéticas nas
contrapartes sutis, e mesmo no éter físico, reforçando assim as energias do
celebrante. Ninguém que conheça os poderes do magnetismo poderá duvidar das
possibilidades de mudança nos objetos materiais como aqui apresentamos. E se um
homem de ciência, que possa não ter fé no invisível, tem o poder de impregnar
água com sua própria energia vital para que ela cure uma moléstia física, por
que o poder de uma natureza similar mas superior deveria ser negado àqueles de
vida santa, de caráter nobre, de conhecimento do invisível? Aqueles que são
capazes de sentir as formas superiores de magnetismo sabem muito bem que os
objetos consagrados variam muito em seu poder, e que a diferença magnética é
devida à variação no conhecimento, pureza e espiritualidade do sacerdote que os
consagra. Alguns negam todo magnetismo vital, e rejeitariam igualmente a água
benta da religião e a água magnetizada da ciência médica. Eles são coerentes, mas ignorantes. Mas os
que admitem a utilidade de uma, e riem da outra, demonstram-se não sábios, mas
preconceituosos, não instruídos, mas bitolados, e provam que sua falta de fé na
religião limita sua inteligência, predispondo-os a rejeitar da mão da religião
o que eles aceitam da mão da ciência. Acrescentaremos um pouco mais a este
assunto dos “objetos sagrados” em geral no capítulo XIV.
Vemos assim que a parte
exterior de um sacramente é de enorme importância. Mudanças reais são feitas
nos materiais usados. Eles são transformados em veículos de energias mais
elevadas do que aquelas que lhes pertencem naturalmente; pessoas que se
aproximem deles, que os toquem, terão seus próprios corpos etéricos e sutis
afetados pelo seu potente magnetismo, e serão postos em condições muito
receptivas para com as influências superiores, sendo sintonizados em
concordância com os exaltados Seres associados á Palavra e ao Sinal usados na
consagração. Seres pertencendo ao mundo invisível estarão presentes durante o
rito sacramental, derramando suas influências benignas e graciosas; e do mesmo
modo todos os que forem dignos participantes na cerimônia - suficientemente
puros e devotos para serem sintonizados pelas vibrações produzidas - verão suas
emoções purificadas e estimuladas, sua espiritualidade avivada, e seus corações
cheios de paz, por entrarem em tal contato estreito com as realidades
invisíveis.
Agora temos que aplicar
estes princípios gerais a exemplos concretos, para vermos como eles explicam e
justificam os ritos sacramentais encontrados em todas as religiões.
Será suficiente se tomarmos
três exemplos dentre os Sete Sacramentos usados na Igreja Católica. Dois são
reconhecidos como obrigatórios por todos os Cristãos, embora certos
Protestantes extremistas neguem seu caráter sacramental, dando-lhes um valor
declaratório e mnemônico apenas, em vez de sacramental; mas mesmo entre eles o
coração da verdadeira devoção ganha algo da bênção sacramental que a cabeça
nega. O terceiro não é reconhecido nem nominalmente como um Sacramento pelas
Igrejas Protestantes, embora ele apresente os sinais essenciais de um
Sacramento, como apresentado na definição do já citado Catecismo da Igreja da
Inglaterra. O primeiro é o do Batismo; o segundo o da Eucaristia; o terceiro é
o do Matrimônio. A colocação do Matrimônio fora da dignidade de Sacramento tem
degradado muito seu elevado ideal, e tem levado a muito do afrouxamento de seu
laço, o que os homens esclarecidos deploram.
O Sacramento do Batismo é
encontrado em todas as religiões, não só na entrada na vida terrena, mas mais
geralmente como uma cerimônia de purificação. A cerimônia que admite o
recém-nascido - ou o adulto - numa religião tem um borrifar de água como parte
essencial do rito, e isto era tão universal nos dias de antanho como o é hoje.
O Rev. Dr. Giles assinala: “A idéia de se usar água como emblema da purificação
espiritual é tão óbvia que não nos surpreendemos da antigüidade deste rito. O
Dr. Hyde, em seu tratado sobre a Religion of the Ancient Persians, cap. XXXIV,
p. 406, conta-nos que ele prevaleceu entre aquele povo. Eles não usam a
circuncisão para as suas crianças, mas apenas o batismo, ou lavagem para a
purificação da alma. Eles levam a criança ao sacerdote no templo, e colocam-na
defronte ao sol e ao fogo, e quando a cerimônia se encerra eles olham para a
criança como estando mais sagrada do que antes. Lord diz que eles trazem a água
para este propósito na casca do Azevinho; esta árvore é de fato o Haum dos
Magos, do qual falamos antes em outra ocasião. Algumas vezes também isto é
feito de outra forma, imergindo a criança em uma grande recipiente com água,
como nos conta Tavernier. Depois desta lavagem, ou batismo, o sacerdote impõe á
criança o nome dado pelos pais” (Christian Records, p. 129). Poucas semanas
depois do nascimento de uma criança Hindu se celebra uma cerimônia, parte da
qual consiste em borrifar a criança com água - tal borrifamento entra em todo o
culto Hindu. Willimason cita autoridades confirmando a prática do Batismo no
Egito, Pérsia, Tibete, Mongólia, México, peru, Grécia, Roma, Escandinávia e
entre os Druidas (The Great Law, pp. 161-166). Algumas das preces citadas são
muito belas: “Eu rezo para que esta água celestial, azul e azul clara, possa
entra em teu corpo e ali viver. Eu rezo para que ela possa destruir em ti todas
as coisas malignas e adversas que te foram dadas antes do início do mundo”. “Oh
criança, recebe a água do Senhor do mundo, o qual é a nossa vida: ela é para limpar
e para purificar; possam estas gotas remover o pecado que te foi imposto antes
da criação do mundo, uma vez que todos nós estamos sob o seu jugo”.
Tertuliano menciona o mesmo
uso geral do Batismo entre as nações não-Cristãs em uma passagem já citada, e
outros Padres da Igreja também se referem a isto.
Na maioria das comunidades
religiosas uma forma menor do Batismo acompanha todas as cerimônias, sendo
usada água como símbolo de purificação, sendo a idéia de que nenhum homem
deveria entrar no culto antes que purificasse seu coração e consciência, sendo
que a lavagem externa simbolizava a lustração interior. Nas Igrejas Grega e
Romana é colocado um pequeno receptáculo para água benta perto de cada porta, e
todo fiel que entra toca nela, fazendo com ela em si mesmo o sinal da cruz
antes de seguir em direção ao altar. Sobre isto Robert Taylor assinala: “As
fontes batismais em nossas igrejas Protestantes, e não precisamos dizer mais
especificamente as pequenas cisternas na entrada de nossas capelas Católicas,
não são imitações, mas uma continuação jamais interrompida da mesma acqua
minaria, ou amula, que o erudito Montfaucon, em sua Antiquities, demonstra
terem sido vasos de água santificada, que eram colocados pelos pagãos na
entrada de seus templos para borrifarem a si mesmos ao entrarem naqueles
edifícios sagrados” (Diegesis, p. 219).
Seja no Batismo da recepção
inicial na Igreja, ou nestas lustrações menores, o agente material empregado é
a água, o grande fluido limpador na Natureza, e portanto o melhor símbolo para
a purificação. Sobre esta água é pronunciado um mantra, no ritual inglês
representado pela oração “Santifica esta água para a mística limpeza do
pecado”, concluindo com a fórmula “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo. Amen”. Esta é a Palavra de Poder, e ela é acompanhada pelo Sinal de
Poder, o Sinal da Cruz executado sobre a superfície da água.
A Palavra e o Sinal dão à
água, como se explicou antes, uma propriedade que antes ela não possuía, e
corretamente é chamada de “água benta”. Os poderes das trevas não se aproximam
dela; borrifada sobre o corpo dá uma sensação de paz, e transmite nova vida
espiritual. Quando uma criança é batizada, a energia espiritual dada pela água
pela Palavra e pelo Sinal fortalecem a vida espiritual na criança, e então a
Palavra de Poder é dita novamente, desta vez sobre a criança, e o Sinal é
traçado sobre sua testa, e nos seus corpos sutis são sentidas as vibrações, e
os apelos para que seja guardada a vida assim santificada ecoam nos mundos
invisíveis; pois este Sinal é ao mesmo tempo purificador e protetor -
purificador pela vida que é derramada através dele, protetor pelas vibrações
que suscita nos corpos sutis. Estas vibrações formam um muro protetor contra os
ataques de influências hostis nos mundos invisíveis, e toda a vez que a Palavra
é pronunciada e feito o Sinal, a energia é renovada, as vibrações são
reforçadas, ambas sendo reconhecidas como potentes nos mundos invisíveis, e
trazendo auxílio para o operador.
Na Igreja primitiva, o
Batismo era precedido de uma preparação muito cuidadosa, sendo aqueles
admitidos á Igreja principalmente conversos de outros credos. Um converso
passava por três estágios definidos de instrução, ficando em cada estágio até
que tivesse dominado seus ensinamentos, e então era admitido na Igreja pelo
Batismo. Sé depois que lhe era ensinado o Credo, que não se encontrava por
escrito, nem mesmo era repetido na presença dos não-crentes; Isto seria então
como um sinal de reconhecimento, e como uma prova da posição do homem que era capaz
de recitá-lo, mostrando que ele era um membro batizado da Igreja. O quão
verdadeiramente naqueles dias se acreditava na graça veiculada pelo Batismo é
demonstrado pelo costume que se propagou do Batismo no leito de morte.
Acreditando na realidade do Batismo, homens e mulheres, que não queriam
abandonar seus prazeres ou manter suas vidas livres de mancha, protelavam o
rito do Batismo até que a mão da Morte estava sobre eles, de modo que poderiam
se beneficiar da graça sacramental e passar pelo portão da Morte puros e
limpos, cheios de energia espiritual. Contra este abuso lutaram alguns Padres
da Igreja, e com eficácia. Existe uma original história contada por um deles,
acho que por Santo Atanásio, que era um homem de uma verve cáustica, não avesso
ao uso do humor para fazer seus ouvintes entenderem a ocasional tolice ou
perversidade de seu comportamento. Ele contou à sua congregação que ele havia
tido uma visão, e que havia ido até a porta do céu, onde estava São Pedro como
Porteiro. Ele não deu nem um sorriso de boas-vindas ao visitante, mas
demonstrou declarado aborrecimento. “Atanásio”, disse ele, “por que está sempre
me enviando estas sacolas vazias, cuidadosamente seladas, com nada por dentro?”
Este é um dos penetrantes ditados que encontramos na antigüidade Cristã, quando
estas coisas eram reais para os homens Cristãos, e não meras formalidades, como
hoje em dia tão amiúde se tornaram.
O costume do Batismo
infantil gradualmente cresceu na Igreja, e daí a instrução que antigamente
precedia o Batismo passou a ser a preparação da Confirmação, quando a mente e a
inteligência despertas se erguem e confirmam as promessas batismais. A recepção
do infante na Igreja é vista como sendo efetuada corretamente quando a vida do
homem é reconhecida como ocorrendo nos três mundos, e quando o Espírito e a
Alma que vieram habitar o corpo recém-nascido são sabidos não estarem mais em
um estado de inconsciência e desinteligência, mas sim conscientes, inteligentes
e potentes nos mundos invisíveis. É correto e justo que o “Homem Oculto no
coração (I Pedro, III, 4) deva ser bem acolhido ao novo estágio de sua
peregrinação, e que as mais auxiliadoras influências devam ser levadas a atuar
no veículo que ele há de habitar, e que ele tem de moldar para seu serviço. Se
os olhos dos homens estivessem abertos, como estavam os do antigo servo de
Eliseu, eles ainda veriam os cavalos e as carruagens de fogo reunidas na
montanha onde estava o profeta do Senhor (II Reis, VI, 17).
Passamos ao segundo dos
Sacramentos selecionados para estudo, o do Sacrifício da Eucaristia, um símbolo
do Sacrifício eterno já explanado, o sacrifício diário da Igreja Católica por
todo o mundo espelhando o Sacrifício eterno pelo qual os mundos são feitos, e
pelo qual são eternamente mantidos. deve ser oferecido diariamente, assim como
o seu arquétipo existe perpetuamente, e naquele ato os homens tomam parte na
operação da Lei do Sacrifício, identificam-se com ele, reconhecem sua natureza
obrigatória e unificante, e se associam voluntariamente nele em sua atuação nos
mundos; nesta identificação, é necessário compartilhar da parte material do
Sacramento, a fim de a identificação ser completa, mas muitos dos benefícios
também podem ser compartilhados, e a influência que se espalha para os mundos
pode ser aumentada, se os adorantes devotos se associarem ao ato mentalmente,
embora não fisicamente.
Esta grande função do culto
Cristão perde sua força e significado quando é considerada nada mais que uma
mera comemoração de um sacrifício passado, como uma alegoria figurada sem uma
verdade profunda que o anime, como uma partilha do pão e do vinho sem uma
participação no Sacrifício eterno. Vê-la assim é torná-la uma mera concha, uma
imagem morte em vez de uma realidade viva. “A taça de bênção que bendizemos,
não é a comunhão do sangue de Cristo?”, pergunta o Apóstolo. “O pão que
dividimos, não é a comunhão do corpo de Cristo?” (I Coríntios, X, 16). E ele
prossegue para assinalar que todos os que comem de um sacrifício se tornam
partícipes de uma natureza comum, e são reunidos num só corpo, que está unido a
e participa da natureza do Ser que está presente no sacrifício. Aqui está
envolvido um fato do mundo invisível, e ele fala com a autoridade do
conhecimento. Seres invisíveis derramam sua essência nos materiais usados em
qualquer rito sacramental, e aqueles que compartilham destes materiais - que
são assimilados pelo corpo e passam a fazer parte de seus constituintes - são
por isso unidos àqueles cuja essência está neles, e todos compartilham de uma
mesma natureza. Isto é verdade até mesmo quando tomamos comida normal da mão de
outrem - parte de sua natureza, de seu magnetismo vital, se mistura aos nossos;
quão mais verdadeiro então quando a comida foi solene e intencionalmente
impregnada com magnetismo superior, que afetará os corpos sutis assim como o
físico. Se entendermos o significado e uso da Eucaristia devemos compreender
estes fatos dos mundos invisíveis, e deveremos ver nela um elo entre o terreno
e o celeste, bem como um ato de adoração universal, uma co-operação, uma associação,
com a Lei do Sacrifício, senão ela perde grande parte de sus significância.
O emprego do pão e do vinho
como materiais para este Sacramento - como ouso da água no sacramento do
Batismo - é de uso muito antigo e geral. Os persas ofereciam pão e vinho para
Mitra, e oferendas similares eram feitas no Tibete e na Tartária. Jeremias fala
dos bolos e bebidas oferecidos à Rainha dos Céus pelos judeus no Egito, quando
tomavam parte no culto Egípcio (Jeremias, XLIV). No Gênesis lemos que
Melquisedec, o Rei-Iniciado, usou pão e vinho na bênção de Abraão (Gênesis,
XIV, 18-19). Nos vários Mistérios gregos eram usados o pão e o vinho, e
Williamson menciona seu uso também entre os mexicanos, os peruanos e os Druidas
(The Great Law, pp. 177, 181, 185).
O pão permanece como o
símbolo geral para a comida que constrói o corpo, e o vinho como símbolo do
sangue, considerado como o fluido vital, “pois a vida da carne está no sangue”
(Levítico, XVII, 11). Daí que membros de uma mesma família são ditos ser do
mesmo sangue, e ser do sangue de alguém é ser seu parente. Daí também as
antigas cerimônias do “pacto de sangue”; quando um estrangeiro era feito parte
de uma família ou de uma tribo, algumas gotas de sangue de um membro eram
infundidas em suas veias, ou ele as bebia - usualmente misturadas na água - e
daí em diante ele era considerado como um membro nato da família ou tribo, como
sendo do seu sangue. De modo similar, na Eucaristia os adoradores participam do
pão, simbolizando o corpo, a natureza, de Cristo, e do vinho, simbolizando o
sangue, a vida do Cristo, e se tornando parte da Sua família, unos com Ele.
A Palavra de Poder é a
fórmula “Este é o Meu Corpo”, “Este é o Meu Sangue”. Isto é o que produz a
mudança que logo analisaremos, e transforma os materiais em veículos para
energias espirituais. O Sinal de Poder é a mão estendida sobre o pão e o vinho,
e o Sinal da Cruz deveria ser feito sobre eles, embora isto não o seja sempre
entre os Protestantes. Esta é são as partes externas essenciais do Sacramento
da Eucaristia.
É importante entendermos a
mudança que tem lugar neste Sacramento, pois ela á mais do que a magnetização
previamente explicada, embora ela também ocorra. Temos aqui um exemplo
particular de uma lei geral.
Pelo ocultista, uma coisa
física é considerada como a expressão última, física, de uma verdade invisível.
Tudo é uma expressão física de um pensamento. Um objeto não passa de uma idéia
externalizada e densificada. Todos os objetos no mundo são idéias Divinas
expressas na matéria física. Sendo assim, a realidade do objeto não está em sua
forma exterior, mas em sua vida interna, na idéia que o modelou numa expressão
de si mesma. Nos mundos superiores, sendo a matéria ali muito sutil e plástica,
ela conforma-se rapidamente à idéia, e muda de forma quando o pensamento muda.
À medida que a matéria se torna mais densa, mais pesada, ela muda mais
lentamente, até que no mundo físico as mudanças estão em seu ponto mais lento,
em conseqüência da resistência da matéria de que o mundo físico é composto. Mas
demos tempo suficiente e mesmo esta matéria pesada muda sob a pressão da idéia
animante, como pode ser visto pela gravação no rosto das expressões dos
pensamentos e emoções habituais.
Esta é a verdade que subjaz
àquilo que é chamado de doutrina da Transubstanciação, tão extraordinariamente
mal-entendida pelos Protestantes comuns. Mas este é o destino das verdades
ocultas quando são apresentadas ao ignorante. A “substância” que é alterada é a
idéia que faz uma coisa ser o que é; “pão” não é meramente farinha e água; a
idéia que governa a mistura, a manipulação da farinha e da água, esta é a
“substância” que o faz ser “pão”, e a farinha e água são o que se chama
tecnicamente de “acidentes”, os arranjos de matéria que são forma à idéia. Com
uma idéia, ou substância, diferente, a farinha e a água tomariam uma forma
diferente, como o fazem quando são assimiladas pelo corpo. Assim também os
químicos descobriram que o mesmo tipo e o mesmo número de átomos químicos pode
ser arranjado em diferentes maneiras e se tornar assim coisas inteiramente
distintas em suas propriedades, embora os materiais não tenham sido mudados;
estes “compostos isométricos” estão entre as descobertas mais interessantes da
química moderna; o arranjo de átomos similares sob idéias diferentes produz corpos
diferentes.
O que, então, é esta
mudança de substância nos materiais usados na Eucaristia? A idéia que faz o
objeto foi mudada; em seu estado normal o pão e o vinho são alimentos,
expressivos das idéias divinas de objetos nutritivos, objetos adequados á
construção dos corpos. A Idéia nova é a da natureza e vida de Cristo, adequada
para a construção da natureza e vida espirituais do homem. esta é a mudança de
substância; o objeto permanece inalterado em seus “acidentes”, seu material
físico, mas a matéria sutil associada a ele mudou sob a pressão da idéia
alterada, e por esta mudança novas propriedades são lhe comunicadas. Elas
afetam os corpos sutis dos participantes, e os sintonizam na natureza e vida do
Cristo. Da “dignidade” do participante depende a extensão em que ele poderá ser
sintonizado.
O participante indigno,
sujeito ao mesmo processo, afetado adversamente por ele, pois sua natureza,
resistindo à pressão, é forçada e rendida por forças a que não é capaz de
responder, assim como um objeto pode ser despedaçado por vibrações que é
incapaz de reproduzir.
O participante digno,
então, se torna uno com o Sacrifício, com o Cristo, e assim se torna
sintonizado e uno com a Vida divina, a qual é o Pai de Cristo. Pois que o ato
do Sacrifício no lado da forma é a entrega da vida que separa dos outros para
se tornar parte de uma Vida comum, é o oferecimento de um canal separado como
um canal da Vida única, de modo que naquela entrega o sacrificador se torna uno
com deus. É a entrega do próprio inferior para se tornar parte do superior, é a
entrega do corpo como um instrumento da vontade separada para se tornar um
instrumento da Vontade divina, é a apresentação dos “corpos (dos homens) como
um sacrifício vivo, santo, aceitável por Deus” (I Romanos, XII, 1). Deste modo
tem sido ensinado verdadeiramente na Igreja que aqueles que corretamente tomam
parte na Eucaristia desfrutam de uma participação na vida Crística derramada
para os homens. A transmutação do inferior no superior é o objetivo deste
Sacramento, assim como de todos. A mudança da força inferior por sua união com
a superior é o que é buscado por aqueles que nela participam; e aqueles que
conhecem a verdade interna, e compreendem o fato da vida superior, podem, em
qualquer religião, através de seus sacramentos, entrar em contato mais pleno e
completo com a Vida divina que sustém os mundos, se eles levam ao rito a
atitude receptiva, o ato de fé, o coração aberto, que são necessários para a
possibilidade do Sacramento ser realizado.
O sacramento do Matrimônio
apresenta as marcas de um Sacramento tão clara e definidamente como o Batismo e
a Eucaristia. Tanto os sinais externos como a graça interna estão presentes
aqui. O material é o Anel - o círculo que é símbolo do eterno. A Palavra de
Poder é a antiga fórmula “Em nome do Pia, do Filho e do Espírito Santo”. O
Sinal de Poder é a união das mãos, simbolizando a união das vidas. Isto
constitui os elementos exteriores do Sacramento.
A graça interior é a união
de mente com mente, de coração com coração, que torna possível a união do
espírito, sem a qual o Matrimônio não é Matrimônio, mas uma temporária
conjunção de corpos. O dar e o receber do anel, a pronunciação da fórmula, a
união das mãos, formam uma alegoria figurada; se a graça interna não for
recebida, se os participantes não se abrirem a ela com o desejo de união de
todas suas naturezas, para eles o Sacramento perde suas propriedades
beneficentes, e se torna uma mera formalidade.
Mas o Matrimônio tem um
significado ainda mais profundo; as religiões a uma só voz o têm proclamado ser
a imagem na Terra da união entre o terreno e o celeste, a união entre Deus e o
homem. E mesmo aqui seu significado não se esgotou, pois ele é a imagem da
relação entre o Espírito e a Matéria, entre a Trindade e o Universo. Tão profundo
e abrangente é o significado da união de um homem e uma mulher no Matrimônio.
Daí que o homem representa
o Espírito, a Trindade da Vida, e a mulher representa a Matéria, a Trindade do
material formativo. Um dá vida, a outra a recebe e nutre. Eles são complementares
entre si, duas metades inseparáveis de um todo, não existindo separados. Como
Espírito implica em Matéria e Matéria em espírito, assim o esposo implica a
esposa e a esposa o esposo. Como a Existência abstrata se manifesta em dois
aspectos, como a dualidade de Espírito e Matéria, nenhum independente do outro,
mas cada um vindo à manifestação com o outro, também a humanidade se manifesta
em dois aspectos - esposo e esposa, nenhum deles capaz de existir separado, e
aparecem juntos. Eles não são dois, mas um, uma unidade dual. Deus e o Universo
são espelhados no Matrimônio; igualmente unidos são esposo e esposa.
Foi dito acima que o
Matrimônio é também uma imagem da união entre Deus e o homem, entre o Espírito
universal e os Espíritos individualizados. Este simbolismo é usado em todas as
grandes Escrituras do mundo - Hindu, Hebraica, Cristã. E tem sido estendido ao
tomarmos o espírito individualizado como uma Nação ou uma Igreja, uma coleção
de Espíritos reunidos em uma unidade. Assim Isaías declarou a Israel: “Teu
Mestre é teu esposo; O Senhor dos Exércitos é Seu nome... Assim como o noivo se
regozija com a noiva, assim teu Deus se regozija contigo” (Isaías, LXII, 5).
Também São Paulo escreveu que o mistério do Matrimônio representava Cristo e a Igreja.
(Efésios, V, 23-28).
Se pensarmos Espírito e
Matéria como latentes, não-manifestos, então não vemos nenhuma produção;
manifestos juntos, há evolução. Do mesmo modo, quando as metades da humanidade
não se manifestam como marido e mulher, não ocorre a produção de nova vida.
Mais ainda, eles deveriam estar unidos para que possa haver um crescimento na
vida de cada um, uma evolução mais ágil, um progresso mais rápido, pela metade
que cada um pode dar ao outro, cada um suprindo o que falta no outro. Os dois
devem ser fundidos num só, desenvolvendo as possibilidades espirituais do
homem. E eles também figuram o Homem perfeito, em cuja natureza Espírito e
Matéria estão completamente desenvolvidas e equilibradas, o Homem divino que
une em Sua própria pessoa marido e mulher, os elementos masculino e feminino na
natureza, como “Deus e Homem são um só Cristo” (Credo de Atanásio).
Aqueles que estudarem assim
o Sacramento do Matrimônio entenderão o porquê de as religiões terem sempre
considerado o Matrimônio como indissolúvel, e têm pensado que é melhor que
alguns poucos pares mal-combinados devam sofrer por alguns anos do que o ideal
do verdadeiro Matrimônio ser rebaixado permanentemente para todos. Uma nação
deve escolher se irá adotar como seu um ideal espiritual ou um laço terreno no
Matrimônio, a busca de uma unidade espiritual, ou considerá-lo uma mera união
física. Um é a idéia religiosa do Matrimônio como um Sacramento; o outro é um
contrato comum e rescindível. O estudante dos Mistérios Menores deve sempre ver
nele um rito Sacramental.
Todas as religiões
conhecidas por nós são custódias de Livros Sagrados, e apelam a estes livros
para a decisão sobre questões controversas. Eles sempre contêm os ensinamentos
dados pelo Fundador da religião, ou por instrutores posteriores considerados
possuidores de conhecimento supra-humano. Mesmo quando uma religião dá origem a
muitas seitas dissidentes, cada seita adotará o Cânon Sagrado, e colocará sobre
as suas palavras a interpretação que melhor se adequar à sus doutrina peculiar.
Por mais longe que possam estar separados na fé o Católico Romano e o
Protestante extremistas, ambos apelam à mesma Bíblia. Por mais distantes que
possam estar o Vedantino filosófico e o mais iletrado Vallabhacharya, ambos consideram
os mesmos Vedas como supremos. Por mais ferrenhamente opostos entre si que
possam ser os Shias e os Sunnis, ambos consideram sagrado o mesmo Corão.
Controvérsias e querelas podem surgir em torno do significado dos textos, mas o
Livro em si, em todos os casos, é visto com a mais profunda reverência. E assim
deve ser; pois todos livros deste tipo contêm fragmentos da Revelação,
selecionados por Um dos Grandes Seres a quem foi confiado; um tal fragmento é
corporificado no que aqui embaixo chamamos de uma Revelação, ou uma Escritura,
e parte do mundo se rejubila nele como num tesouro de enorme valor. O fragmento
é escolhido de acordo com as necessidades do tempo, a capacidade das pessoas a
quem é dado, o tipo de raça que se almeja instruir. Ele é dado geralmente de
uma forma peculiar, na qual a história externa, ou lenda, ou canção, ou salmo,
ou profecia, aparece para o leitor superficial ou ignorante como tudo o que há;
mas neles são escondidos profundos significados, algumas vezes em números,
outras em palavras construídas em um plano oculto - uma cifra, de fato - às
vezes em símbolos, reconhecíveis pelo instruído, às vezes como alegorias
escritas como se fossem história, e de muitos outros modos. Estes Livros, na
verdade, têm algo do caráter sacramental em seu redor, uma forma externa e uma
verdade interna. Só quem pode explicar estes significados ocultos são os que
foram treinados pelos que já são versados neles; daí o ditado de São Pedro de
que “nenhuma profecia da Escritura é de interpretação exclusiva” (II Pedro, I,
20). As elaboradas explicações dos textos da Bíblia, que abundam em volumes de
literatura Patrística, parecem fantasiosas e forçadas para a mente moderna
comum. O jogo com números, com letras, as interpretações aparentemente
fantásticas de parágrafos que, ao lermos, constituem declarações comuns
históricas de um caráter singelo, exasperam o leitor moderno, que demanda que
estes fatos sejam apresentados clara e coerentemente, e acima de tudo, exige
sentir um chão sólido debaixo de seus pés. Ele absolutamente declina de seguir
o vago místico aonde o que lhe parece ser um pântano incerto, em uma
perseguição selvagem de fogos-fátuos tremeluzentes, que aparecem e desaparecem
de acordo com caprichos confusos e irracionais. Porém estes homens que escreveram
estes textos eram homens de intelecto brilhante e de juízo tranqüilo, os
mestres-construtores da Igreja. E para aqueles que os lerem corretamente eles
serão cheios de sugestões e indicações, e apontam muitas veredas obscuras que
podem conduzir à meta do conhecimento, e que de outro modo seria perdido.
Vimos sempre que Orígenes,
um dos homens mais sãos que já houve, e versado em conhecimento oculto, ensina
que as Escrituras são tríplices, consistindo de um Corpo, de uma Alma e de um
espírito. Ele diz que o Corpo das Escrituras é feito das palavras externas das
histórias e lendas, e não hesita em dizer que elas não são literalmente
verdadeiras, mas que são apenas narrativas para a instrução do ignorante. Ele
vai ainda mais longe e assinala que são feitas declarações nestes livros que
obviamente são falsas, a fim de que a evidentes contradições que existem na
superfície possam estimular as pessoas a indagar o real significado destas
relações impossíveis. Ele diz que enquanto os homens são ignorantes o Corpo
lhes basta; ele transmite conhecimento, dá instrução, e eles não percebem as
contradições e impossibilidades envolvidas nas declarações literais, e portanto
isso não os perturba. À medida que a mente cresce e o intelecto se desenvolve,
estas contradições e impossibilidades chamam a atenção, e confundem o
estudante; então ele é estimulado a procura por um significado mais profundo, e
começa a encontrar a Alma das Escrituras. Esta Alma é a recompensa do estudante
inteligente, e ele escapa das peias da letra que mata (II Coríntios, III, 6). O
Espírito das Escrituras só pode ser visto pelo homem espiritualmente iluminado;
só aqueles em quem o Espírito está evoluído podem entender o significado
espiritual: “As coisas de Deus não conhecidas por ninguém exceto pelo Espírito
de Deus... coisas de que também falamos, não nas palavras que a sabedoria
humana ensina, mas as ensinadas pelo Espírito Santo” (I Coríntios, II, 11-13).
A razão para este método de
Revelação não precisa ser buscada longe; é o único meio de fazer um
conhecimento ser acessível a mentes em diferentes estágios de evolução, e assim
treinam não apenas aqueles a quem é imediatamente dada, mas também aqueles que,
mais tarde, terão progredido além daqueles a quem a Revelação foi primeiramente
feita. O homem é progressivo; o significado exterior dado há muito tempo para
homens subdesenvolvidos há de ser necessariamente limitado, e a menos que algo
mais profundo e mais pleno do que este significado externo esteja embutido
nelas, o valor das Escrituras pereceria depois de passados poucos milênios.
Enquanto que por este método de significados superpostos lhes é dado um valor
perene, e homens evoluídos podem encontrar nelas tesouros ocultos, até o dia em
que, possuindo o todo, já não precisem da parte.
Assim, as Bíblias do mundo
são fragmentos - fragmentos da Revelação, e portanto são descritas corretamente
como Revelação.
O significado mais profundo
da palavra descreve a massa de ensinamentos confiada aos homens pela grande
Fraternidade de Instrutores espirituais; estes ensinamentos são corporificados
em livros, escritos em símbolos, e neles é dado um relato das leis cósmicas,
dos princípios onde o cosmos é fundado, dos métodos pelos quais evolui, de
todos os seres que o compõem, de seu passado, seu presente, seu futuro; isto é
a Revelação. Este é o tesouro inestimável que os Guardiães da humanidade
possuem, e do qual selecionam, de tempos em tempos, fragmentos para formar as
Bíblias do mundo.
Em terceiro lugar, a
Revelação mais alta, plena e melhor é a Auto-revelação da Deidade no cosmos, o
desvelamento de atributo após atributo, poder após poder, beleza após beleza,
em todas as formas que em sua totalidade compõem o universo. Ela mostra Seu
esplendor no sol, Sua infinitude nos campos estrelados do espaço, Sua força nas
montanhas, Sua pureza nos picos nevados e no ar translúcido, Sua energia nas
vagas do oceano, Sua beleza na queda de uma cachoeira dentro de um lago claro e
suave, na floresta fria e sombria, na planície iluminada pelo sol, Seu destemor
no herói, Sua paciência no santo, Sua ternura no amor materno, Seu cuidado
protetor no pai e no rei, Sua sabedoria no filósofo, Seu conhecimento no
cientista, Seu poder de cura no médico, Sua justiça no juiz, Sua riqueza no
comerciante, Seu poder instrutor no sacerdote, Sua indústria no artesão. Ela
sussurra para nós na brisa, sorri para nós no brilho do sol, censura-nos na
doença, nos estimula, ora com o sucesso e ora com o fracasso. Em toda parte e
em tudo Ela nos dá vislumbres de Si mesma para nos fazer amá-La, e Se esconde
para que possamos aprender a ficar sós. Reconhecer a Deidade em toda parte é a
verdadeira Sabedoria; amá-La em toda parte é o verdadeiro Desejo; servi-La em
toda parte é a verdadeira Ação. Esta Auto-revelação de Deus é a mais alta
Revelação; todas as outras são subsidiárias e parciais.
O homem inspirado é um a
quem veio algo desta Revelação pela ação direta do Espírito universal sobre o
Espírito individual que é Sua prole, a qual sentiu a iluminadora influência do
Espírito sobre o Espírito. Nenhum homem conhece a verdade, de modo que não pode
perdê-la, nenhum homem conhece a verdade, de modo que não pode duvidar dela,
antes que a Revelação tenha lhe vindo como se estivesse sozinho sobre a Terra,
até que o Divino fora tenha falado ao Divino dentro, no templo do coração
humano, e o homem assim conheça por si mesmo e não através de outrem.
Em um grau menor o homem é
inspirado quando alguém maior que ele estimula dentro dele poderes que
normalmente estão inativos, usando temporariamente seu corpo como veículo. Um
tal homem iluminado, no momento de sua inspiração, pode falar de coisas que
estão além de seu conhecimento, e proferir verdades até então insuspeitas.
Verdades às vezes são desveladas assim através de um canal humano para o
auxílio do mundo, e algum Ser maior que o que fala envia Sua vida para o
veículo humano, e saem verdades dos lábios humanos; ou um grande instrutor fala
com grandeza ainda maior do que o usual, tendo o Anjo do Senhor tocado seus
lábios com fogo (Isaías, VI, 6-7). Estes são os Profetas da raça, que em certos
períodos falaram com convicção irresistível, com percepção clara, com uma
compreensão completa das necessidades espirituais do homem. Então as palavras
vivem com vida imortal, e o que fala é em verdade um mensageiro de Deus. O
homem que teve conhecimento desta forma jamais pode perder por completo a
memória do conhecimento, e ele leva em seu coração uma certeza que jamais pode
desaparecer inteiramente. A luz pode se desvanecer e as trevas cobri-lo; o
fulgor do céu pode se apagar e as nuvens podem cercá-lo; ameaças, dúvidas,
desafios podem assaltá-lo, mas dentro de si mesmo, seu coração aninha o Segredo
da Paz - ele sabe, ou sabe que soube.
Esta lembrança da
verdadeira inspiração, da realidade da vida oculta, foi posta em belas e
verdadeiras palavras por Frederick Myers, em se afamado poema São Paulo. O
apóstolo fala de sua própria experiência, e tenta dar expressão articulada ao
que ele recorda; ele é retratado como incapaz de reproduzir inteiramente seu
conhecimento, embora ele conheça e sua certeza não vacile:
“Então, mesmo eu, sedento de
Sua inspiração
eu, que falei com Ele, de novo
esqueço;
Sim, muitos dias
suspirando e com desejo,
Ofereço a Deus
paciência e sofrimento.
Então, pelo quase
lamento de minha confissão,
Então por meio da
angústia e da paixão de minha prece,
De repente
sobressalta-me a surpresa de Sua posse,
Agita-me e me toca, e
eis o Senhor.
Ah, se uma pena
pudesse escrever em seu cálamo
Mene e Mene em meio
às chamas,
Pensem se alguma
memória poderia depois
Retratar
completamente o que sucedeu ao par?
Ah, se algum estranho
trovão inteligível
Cantasse à Terra o
segredo de uma estrela
Mal compreenderíamos,
pelo terror e pela maravilha,
Fragmentos da
história que ecoaram tão longe!
Mal reúno as palavras
de Sua revelação,
Mal O ouço, e menos
entendo.
Só o poder que em mim
ecoa
Vive em meus lábios,
e move minha mão
Quem haja sentido o
Espírito do Altíssimo
Não pode confundí-Lo,
nem duvidar, nem negar;
Sim, numa só voz, oh
mundo,
embora o negues,
Fica do Seu lado, pois ali
estou.
Antes que o mundo
duvide de poder recuperá-la
Derrama-se na chuva e
murmura do pó;
Antes que ele, em
quem a grande concepção
Incita sua alma a
apressar-se para Deus.
Não, embora ali
pudesses te afastar de sua glória,
Cego, atormentado,
enlouquecido e solitário,
Mesmo sobre a cruz
ele afirmaria sua história,
Sim, e até no Inferno
sussurraria, ‘eu conheci’ “.
Aqueles que de alguma forma
perceberam que Deus está à sua volta, neles, e em tudo, serão capazes de
entender como um lugar ou um objeto pode se tornar “sagrado” por uma leve
objetivação desta Presença perene e universal, de modo que se tornam capazes de
sentí-Lo aqueles que normalmente não sentem a Sua onipresença. Isto é feito
geralmente por algum homem altamente avançado, em quem a Divindade interior
está largamente desenvolvida, e cujos corpos sutis portanto são responsivos às
vibrações mais sutis da consciência. Através de ou a partir de um tal homem,
energias espirituais podem ser derramadas, e elas se unirão ao seu magnetismo
vital puro. Ele então pode derramá-los sobre qualquer objeto, e seus corpos de
éter e de matéria mais sutil serão sintonizados nas suas vibrações, como se
explicou antes, e com isso a Divindade interior pode se manifestar com mais
facilidade. Estes objetos se tornam “magnetizados”, e, se isso for feito de
maneira poderosa, o próprio objeto se tornará um centro magnético, capaz por
sua vez de magnetizar os que se aproximarem dele. Assim um corpo eletrificado
por um maquinismo elétrico afetará outros corpos por perto de onde estiver
colocado.
Um objeto tornado “sagrado”
desta forma é um acessório muito útil para a prece e a meditação. Os corpos
sutis daquele que adora são afinados nas suas elevadas vibrações, e a pessoa se
aquieta, acalma e pacifica sem esforço de sua parte. Ela é posta em uma
condição na qual a prece e a meditação ficam fáceis e proveitosas em vez de
difíceis e estéreis, e um exercício árduo se torna deleitoso. Se o objeto for
uma representação de alguma Pessoa sagrada - um Crucifixo, uma Madonna, um
Anjo, um Santo - há um ganho adicional. O Ser representado, se seu magnetismo
tiver sido introduzido na imagem pela Palavra e Sinal de Poder apropriados,
pode reforçar aquele magnetismo com leve dispêndio de energia espiritual, e
pode assim influenciar o devoto, ou mesmo mostrar-se através da imagem, o que
de outra forma poderia não ser possível. Pois no mundo espiritual é observada a
economia de forças, e preferivelmente será gasta uma pequena quantidade de
energia onde uma grande quantidade seria evitada.
Podemos fazer uma aplicação
das mesmas leis ocultas para explicar o uso de todos os objetos consagrados -
relíquias, amuletos, etc. Todos são objetos magnetizados, mais ou menos
poderosos, ou inúteis, de acordo com o conhecimento, pureza e espiritualidade
da pessoa que os magnetiza.
Lugares também podem ser
tornado sagrados, por algum santo viver neles, cujo magnetismo puro irradiante
deles sintoniza toda a atmosfera em vibrações pacificadoras. Às vezes homens
santos, ou Seres dos mundos superiores, magnetizam diretamente certo local,
como no caso mencionado no Quarto Evangelho, onde um Anjo veio em certa estação
e tocou a água, dando-lhe qualidades curativas (João, V, 4). Em tais lugares
até mesmo homens decididamente mundanos sentirão a influência bendita, e
temporariamente serão suavizados e inclinados a coisas superiores. A Vida
divina em cada homem está sempre tentando subjugar a forma e moldá-la numa
expressão de si mesma e é fácil ver como esta Vida será auxiliada se a forma
for posta em uma vibração simpática à de um Ser mais altamente evoluído, sendo
os seus esforços ajudados por um poder maior. O reconhecimento externo deste
efeito é uma sensação de tranqüilidade, calma e paz; a mente abandona seu
burburinho incessante, e o coração sua ansiedade. Qualquer um que se observe
descobrirá que certos locais são mais calmantes e inclinam à meditação, ao
pensamento religioso e ao culto do que outros. Em uma sala, num edifício, onde
tem havido grande quantidade de pensamentos mundanos, de conversa frívola, da
mera azáfama da vida terrena comum, é muito mais difícil sossegar a mente e
concentra o pensamento do que em um lugar onde o pensamento religioso foi
exercitado ano após ano, século após século; lá as mentes se acalmam e
devagarinho se tranqüilizam, e o que exigiria sérios esforços no primeiro lugar
é feito sem dificuldade no segundo.
Esta é a razão para os
lugares de peregrinação, dos retiros isolados temporários; o homem se volta para
dentro para buscar a Deus em si mesmo, e á auxiliado pela atmosfera criada pela
mente de outros, que antes dele buscaram o mesmo no mesmo local. Pois em um
lugar destes não há somente a magnetização produzida por um único santo, ou
pela visitação de algum grande Ser do mundo invisível; cada pessoa que visita o
local com o coração cheio de reverência e devoção, e está sintonizada nestas
vibrações, reforça aquelas vibrações com a sua própria vida, e deixa o local
melhor do que ele era quando entrou. A energia magnética se dispersa
lentamente, e um objeto sagrado ou local se torna gradualmente desmagnetizado
se for posto de lado ou abandonado. Ele se torna mais magnetizado quando é
usado ou freqüentado. Mas a presença do zombeteiro ignorante prejudica estes
objetos e locais, estabelecendo vibrações antagônicas que enfraquecem aquelas
lá existentes. Assim como uma onda de som pode ser bloqueada por uma outra que
a anula, com o resultado de silêncio, da mesma forma as vibrações de zombaria
enfraquecem ou extinguem as vibrações daqueles que são reverentes a amorosos. O
efeito produzido, é claro, irá variar com a força relativa das vibrações, mas o
maldoso não pode deixar de sofrer conseqüências, pois as leis da vibração são
as mesmas nos mundos superiores e no físico, e vibrações de pensamentos são a
expressão de energias reais.
A razão e o efeito de se
consagrar igrejas, capelas, cemitérios, agora ficará aparente. O ato de
consagração não é meramente a destinação pública de um local para um propósito
especial; é a magnetização do local para o benefício de todos os que o
freqüentam. Pois os mundos visíveis e invisíveis são inter-relacionados,
entremesclados, e os invisíveis podem servir melhor o visível através de onde
as energias invisíveis podem ser veiculadas.
POSFÁCIO
Chegamos ao fim de um livro
pequeno que aborda um vasto assunto, e que só levantou uma ponta do Véu que
esconde a Virgem da Verdade Eterna dos olhos descuidosos dos homens. Mal vimos
a barra de sua túnica, ornada de ouro, ricamente debruada de pérolas. Mas mesmo
assim, à medida que ondula suavemente, emana fragrâncias celestiais - o perfume
do sândalo e da rosa dos mundos mais felizes do que o nosso. Como seria a
glória inimaginável se o Véu fosse levantado e víssemos o esplendor da Face da
Mãe divina, e em Seus braços a Criança que é a própria Verdade? Diante daquela
Criança até o Serafim vela seu rosto; quem então dentre os mortais poderá olhar
para Ele e viver?
Porém uma vez que no homem
reside o Seu próprio Eu, quem impedirá a passagem pelo Véu, e a visão a
descoberto “da glória do Senhor”? Da Gruta até o mais alto Céu; este é o
caminho do Verbo feito Carne, conhecido como o Caminho da Cruz. Os que
compartilham da humanidade compartilham também da Divindade, e podem andar onde
já Ele já andou. “Aquilo que És, também sou”.
PAZ A TODOS OS SERES
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Helena Petrovna Blavatsky 1831 – 1891
The Founder of Modern Theosophy
Index of Articles by
By
H P Blavatsky
Is the Desire to Live Selfish?
Ancient Magic in Modern Science
Precepts Compiled by H P Blavatsky
Obras Por H P Blavatsky
En Espanol
Articles about the Life of H P Blavatsky
Nature is infinite in space and
time -- boundless and eternal, unfathomable and ineffable. The all-pervading
essence of infinite nature can be called space, consciousness, life, substance,
force, energy, divinity -- all of which are fundamentally one.
2) The finite and the infinite
Nature is a unity in
diversity, one in essence, manifold in form. The infinite whole is composed of
an infinite number of finite wholes -- the relatively stable and autonomous
things (natural systems or artefacts) that we observe around us. Every natural
system is not only a conscious, living, substantial entity, but is
consciousness-life-substance, of a particular range of density and form.
Infinite nature is an abstraction, not an entity; it therefore does not act or
change and has no attributes. The finite, concrete systems of which it is
composed, on the other hand, move and change, act and interact, and possess
attributes. They are composite, inhomogeneous, and ultimately transient.
3)
Vibration/worlds within worlds
The one essence manifests not
only in infinitely varied forms, and on infinitely varied scales, but also in
infinitely varying degrees of spirituality and substantiality, comprising an
infinite spectrum of vibration or density. There is therefore an endless series
of interpenetrating, interacting worlds within worlds, systems within systems.
The energy-substances of
higher planes or subplanes (a plane being a particular range of vibration) are
relatively more homogeneous and less differentiated than those of lower planes
or subplanes.
Just as boundless space is
comprised of endless finite units of space, so eternal duration is comprised of
endless finite units of time. Space is the infinite totality of worlds within
worlds, but appears predominantly empty because only a tiny fraction of the
energy-substances composing it are perceptible and tangible to an entity at any
particular moment. Time is a concept we use to quantify the rate at which
events occur; it is a function of
change and motion, and
presupposes a succession of cause and effect. Every entity is extended in space
and changes 'in time'.
All change (of position,
substance, or form) is the result of causes; there is no such thing as absolute
chance. Nothing can happen for no reason at all for nothing exists in
isolation; everything is part of an intricate web of causal interconnections and
interactions. The keynote of nature is harmony: every action is automatically
followed by an equal and opposite reaction, which sooner or later rebounds upon
the originator of the initial act. Thus, all our thoughts and deeds will
eventually bring us 'fortune' or 'misfortune' according to the degree to which
they were harmonious or disharmonious. In the long term, perfect justice
prevails in nature.
Because nature is
fundamentally one, and the same basic habits and structural, geometric, and
evolutionary principles apply throughout, there are correspondences between
microcosm and macrocosm. The principle of analogy -- as above, so below -- is a
vital tool in our efforts to understand reality.
All finite systems and their
attributes are relative. For any entity, energy-substances vibrating within the
same range of frequencies as its outer body are 'physical' matter, and finer
grades of substance are what we call energy, force, thought, desire, mind,
spirit, consciousness, but these are just as material to entities on the
corresponding planes as our physical world is to us. Distance and time units
are also relative: an atom is a solar system on its own scale, reembodying perhaps
millions of times in what for us is one second, and our whole galaxy may be a
molecule in some supercosmic entity, for which a million of our years is just a
second. The range of scale is infinite: matter-consciousness is both infinitely
divisible and infinitely aggregative.
All natural systems consist
of smaller systems and form part of larger systems. Hierarchies extend both
'horizontally' (on the same plane) and 'vertically' or inwardly (to higher and
lower planes). On the horizontal level, subatomic particles form atoms, which
combine into molecules, which arrange themselves into cells, which form tissues
and organs, which form part of organisms, which form part of ecosystems, which
form part of planets, solar systems, galaxies, etc. The constitution of worlds
and of the organisms that inhabit them form 'vertical' hierarchies, and can be
divided into several interpenetrating layers or elements, from physical-astral
to psychomental to spiritual-divine, each of which can be further divided.
The human constitution can be
divided up in several different ways: e.g. into a trinity of body, soul, and
spirit; or into 7 'principles' -- a lower quaternary consisting of physical
body, astral model-body, life-energy, and lower thoughts and desires, and an
upper triad consisting of higher mind (reincarnating ego), spiritual intuition,
and inner god. A planet or star can be regarded as a 'chain' of 12 globes, existing
on 7 planes, each globe comprising several subplanes.
The highest part of every
multilevelled organism or hierarchy is its spiritual summit or 'absolute',
meaning a collective entity or 'deity' which is relatively perfected in
relation to the hierarchy in question. But the most 'spiritual' pole of one
hierarchy is the most 'material' pole of the next, superior hierarchy, just as
the lowest pole of one hierarchy is the highest pole of the one below.
Each level of a hierarchical
system exercises a formative and organizing influence on the lower levels
(through the patterns and prototypes stored up from past cycles of activity),
while the lower levels in turn react upon the higher. A system is therefore
formed and organized mainly from within outwards, from the inner levels of its
constitution, which are relatively more enduring and developed than the outer
levels. This inner guidance is sometimes active and selfconscious, as in our
acts of free will (constrained, however, by karmic tendencies from the past),
and sometimes it is automatic and passive, giving rise to our own automatic
bodily functions and habitual and instinctual behavior, and to the orderly,
lawlike operations of nature in general. The 'laws' of nature are therefore the
habits of the various grades of conscious entities that compose reality,
ranging from higher intelligences (collectively
forming the universal mind) to elemental nature-forces.
10) Consciousness and its vehicles
The core of every entity --
whether atom, human, planet, or star -- is a monad, a unit of consciousness-life-substance,
which acts through a series of more material vehicles or bodies. The monad or
self in which the consciousness of a particular organism is focused is animated
by higher monads and expresses itself through a series of lesser monads, each
of which is the nucleus of one of the lower vehicles of the entity in question.
The following monads can be distinguished: the divine or galactic monad, the
spiritual or solar monad, the higher human or planetary-chain monad, the lower
human or globe monad, and the animal, vital-astral, and physical monads. At our
present stage of evolution, we are essentially the lower human monad, and our
task is to raise our consciousness from the animal-human to the spiritual-human
level of it.
Evolution means the
unfolding, the bringing into active manifestation, of latent powers and
faculties 'involved' in a previous cycle of evolution. It is the building of
ever fitter vehicles for the expression of the mental and spiritual powers of
the monad. The more sophisticated the lower vehicles of an entity, the greater
their ability to express the powers locked up in the higher levels of its
constitution. Thus all things are alive and conscious, but the degree of
manifest life and consciousness is extremely varied.
Evolution results from the
interplay of inner impulses and environmental stimuli. Ever building on and
modifying the patterns of the past, nature is infinitely creative.
12) Cyclic evolution/re-embodiment
Cyclic evolution is a
fundamental habit of nature. A period of evolutionary activity is followed by a
period of rest. All natural systems evolve through re-embodiment. Entities are
born from a seed or nucleus remaining from the previous evolutionary cycle of
the monad, develop to maturity, grow old, and pass away, only to re-embody in a
new form after a period of rest. Each new embodiment is the product of past
karma and present choices.
Nothing comes from nothing:
matter and energy can be neither created nor destroyed, but only transformed.
Everything evolves from preexisting material. The growth of the body of an
organism is initiated on inner planes, and involves the transformation of higher
energy-substances into lower, more material ones, together with the attraction
of matter from the environment.
When an organism has
exhausted the store of vital energy with which it is born, the coordinating
force of the indwelling monad is withdrawn, and the organism 'dies', i.e. falls
apart as a unit, and its constituent components go their separate ways. The
lower vehicles decompose on their respective subplanes, while, in the case of
humans, the reincarnating ego enters a dreamlike state of rest and assimilates
the experiences of the previous incarnation. When the time comes for the next
embodiment, the reincarnating ego clothes itself in many of the same atoms of
different grades that it had used previously, bearing the appropriate karmic
impress. The same basic processes of birth, death,
and rebirth apply to all entities, from atoms to humans to stars.
14)
Evolution and involution of worlds
Worlds or spheres, such as
planets and stars, are composed of, and provide the field for the evolution of,
10 kingdoms -- 3 elemental kingdoms, mineral, plant, animal, and human
kingdoms, and 3 spiritual kingdoms. The impulse for a new manifestation of a
world issues from its spiritual summit or hierarch, from which emanate a series
of steadily denser globes or planes; the One expands into the many. During the
first half of the evolutionary cycle (the arc of descent) the energy-substances
of each plane materialize or condense, while during the second half (the arc of
ascent) the trend is towards dematerialization or etherealization, as globes
and entities are reabsorbed into the spiritual hierarch for a period of nirvanic
rest. The descending arc is characterized by the evolution of matter and
involution of spirit, while the ascending arc is characterized by the evolution
of spirit and involution of matter.
In each grand cycle of
evolution, comprising many planetary embodiments, a monad begins as an
unselfconsciousness god-spark, embodies in every kingdom of nature for the
purpose of gaining experience and unfolding its inherent faculties, and ends
the cycle as a self conscious god. Elementals ('baby monads') have no free
choice, but automatically act in harmony with one another and the rest of
nature. In each successive kingdom differentiation and individuality increase,
and reach their peak in the human kingdom with the attainment of
selfconsciousness and a large measure of free will.
In the human kingdom in
particular, self-directed evolution comes into its own. There is no superior
power granting privileges or handing out favours; we evolve according to our
karmic merits and demerits. As we progress through the spiritual kingdoms we
become increasingly at one again with nature, and willingly 'sacrifice' our
circumscribed selfconscious freedoms (especially the freedom to 'do our own
thing') in order to work in peace and harmony with the greater whole of which
we form an integral part. The highest gods of one hierarchy or world-system
begin as elementals in the next. The matter of any plane is composed of
aggregated, crystallized monads in their nirvanic sleep, and the spiritual and
divine entities embodied as planets and stars are the electrons and atomic
nuclei -- the material building blocks -- of worlds on even larger scales.
Evolution is without beginning and without end, an endless adventure through
the fields of infinitude, in which there are always new worlds of experience in
which to become selfconscious masters of life.
There is no absolute
separateness in nature. All things are made of the same essence, have the same
spiritual-divine potential, and are interlinked by magnetic ties of sympathy.
It is impossible to realize our full potential, unless we recognize the
spiritual unity of all living beings and make universal brotherhood the keynote
of our lives.
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